Instado a escrever, mais uma vez, para a edição especial de final de ano do jornal DIÁRIO DE CARATINGA, perguntei ao editor José Horta se seria possível aproveitar histórias da vida real para embasar o texto, ao que ele respondeu afirmativamente, que a ideia era justamente esta: falar sobre pessoas que passaram por alguma dificuldade, por algum grande problema, pessoas que “foram ao chão” em determinado momento de suas vidas e que após a superação desses problemas, renasceram para uma nova vida. Vi, então, não apenas a oportunidade de registrar um período de minha vida, mas, principalmente, de compartilhar com as pessoas a possibilidade que temos de reescrever histórias, de renascer das cinzas e de retomar a caminhada em direção a momentos mais felizes.
Em 1996, exatamente no dia 11 de setembro, um ano após ter perdido o meu pai, vítima de uma grave doença, deu-se início a um dos períodos mais difíceis de nossas vidas. O último ano havia sido doloroso, mas relativamente tranquilo, depois de passarmos alguns anos acompanhando a doença de meu pai. Minha esposa, Sonia, havia se dedicado como poucas vezes vi alguém se dedicar a um doente. Consultas, remédios, viagens, acompanhamentos em cirurgias e laboratórios, internações. Ela foi um reforço fantástico à minha família, cuidando de meu pai como se ele fosse o seu próprio pai.
Após um ano de calmaria, Sônia começou a demonstrar os primeiros sintomas de uma doença, mais tarde diagnosticada como Hepatite C. Iniciou-se, então uma das mais dolorosas páginas de nossa história. Encaminhados a uma equipe do Hospital Universitário (HU), no Rio de Janeiro, tomamos conhecimento de que se tratava de uma doença relativamente rara, de prognóstico muito ruim. O tratamento deveria ser feito com um medicamento de nome Interferon, que custava três vezes mais do que custa hoje e não era fornecido nem pelo estado, nem pelo Plano de Saúde. A equipe indicou um “atravessador”, que trazia o remédio dos EUA, sob encomenda. A Sonia deveria tomar o remédio duas, três vezes por semana. O custo do remédio – buscado semanalmente no Rio de Janeiro -, no mês, correspondia a todo o meu salário, no mesmo período.
Chegamos a Caratinga no ano de 1992. Eu retornava à cidade, de forma definitiva, depois de morar treze anos fora. Tínhamos uma situação financeira muito tranquila, bons empregos, três filhas adolescentes. Mas em 1996, a doença de Sonia chegou…
O tratamento da doença e a inclusão na fila de transplante de fígado nos obrigaram, aos poucos, a nos desfazer de nosso patrimônio. Quando chegou o momento do transplante – depois de muitas tentativas frustradas – tivemos que nos desfazer do pouco que restava do patrimônio. Nesse período, desde que fora acometida da doença, minha esposa passou por sucessivos estágios de depressão – muita depressão. Nossas filhas eram adolescentes quando a Hepatite C foi diagnosticada e o quadro depressivo de Sonia se agravou, o que me fez aprender a atuar, a partir daí, por muitas vezes, como pai e mãe. A entrada de recursos diminuiu, e muito, enquanto as despesas com medicação, consultas, internações aumentavam cada vez mais.
Depois do transplante, um período de muitas outras despesas, mas de relativa tranquilidade em relação à doença. Sonia foi transplantada em Agosto de 2000 e o nosso quarto filho, nascido em 1998, chegou para nós no começo de 2001. Um ano após a chegada dele, no momento em que ele já estava integrado à família, a doença reapareceu. O vírus da hepatite C retornou mais agressivo ainda sobre o novo fígado. Nessa época, eu trabalhava na prefeitura, como secretário de Ação Social. Com o reaparecimento da doença, as despesas tornaram-se altíssimas e um dos carros foi vendido. A última internação de Sonia, no Rio de Janeiro, aconteceu no final do mês de março de 2002. Nessa época, nem mesmo a internação era mais possível no HU, já que a equipe médica que cuidava dela havia se transferido para a Clínica São Vicente, na Gávea. Uma clínica pra gente rica, personalidades e famosos. Não tínhamos escolha: a primeira semana pagamos com o que sobrou do carro vendido e, a segunda e derradeira semana, com um cheque caução, sem saber de onde tiraríamos o dinheiro.
Sonia morreu, infelizmente, em 16 de abril de 2002. Ela tinha 45 anos e uma vida inteira pela frente. Eu fiquei com os quatro filhos, uma casa financiada, e um monte de dívidas. Fiquei também com uma enorme saudade, atenuada apenas pela recordação dos momentos felizes que tivemos.
Os dias seguintes foram dedicados a colocar a casa em ordem. O cheque no valor de 10 mil reais, dado como caução à clínica São Vicente, no Rio, consegui cobrir através de um empréstimo feito ao amigo e irmão, Dr. Levi Scatolin, Procurador Regional do Trabalho do Estado do Espírito Santo. Meu carro, descontado o que eu devia dele, valia uns 15 mil. Era preciso vendê-lo para pagar o meu amigo Levi.
Nessa época, já havia saído da Prefeitura e trabalhava na Funec. Assim que perdemos a eleição fui convidado pelo professor Antônio Fonseca da Silva a trabalhar com ele. Rendo a ele todos os agradecimentos por ter me propiciado o encontro com a minha vocação de professor, a me qualificar para a profissão através do mestrado e do doutorado em Administração e, ainda, pela possibilidade dada para que eu pudesse navegar pelas ondas da Literatura, das palestras e, agora, da Televisão. O professor Antônio me emprestou o dinheiro e eu paguei ao Levi.
Mas, ainda havia muitas dívidas. Empréstimos, cartão de crédito, cheque especial. Consegui vender o carro e paguei ao professor Antônio. Minhas filhas, mesmo durante a doença da mãe, passaram um período na escola pública. Passei a andar a pé e, em família, decidimos reduzir todas as despesas. Nada de roupas novas, de presentes, de merendas, de viagens, de saídas para a balada, por um período. Sem carro, com as despesas diminuídas, paulatinamente a situação foi melhorando. Eu, que sempre pagava pontualmente as minhas dívidas – jamais passei um cheque sem fundos na minha vida – tive que conviver muito tempo sem, sequer, pensar em fazer qualquer crediário, até que, após alguns anos de sacrifício, tudo foi renegociado e posto em dia.
Acontecera tudo muito rápido: da condição de engenheiro bem sucedido e bem remunerado, casado com uma médica bem sucedida e muito bem remunerada, com quatro filhos bem criados e aos quais nada era negado, dono de excelentes imóveis e de carros novos à condição de viúvo, com regras para qualquer gasto pessoal e dos filhos, sem imóveis e andando a pé. Foram momentos muito difíceis. Mas, com planejamento e disciplina a vida foi sendo reconstruída. Ganhei mais uma filha e todas elas estudaram, tornaram-se excelentes profissionais em suas áreas, meu filho vence, a cada dia, os desafios oriundos de sua concepção e criação inicial, tenho netos maravilhosos, escrevo os meus livros, minhas crônicas e meus “causos”, viajo muito, sou querido pelos alunos e, sem modéstia, sou bom palestrante, bom funcionário, bom consultor, criativo e inovador. Principalmente, tenho muitos amigos e sou respeitado no que faço e pelo exemplo que eu dou.
Na vida, tive muitas perdas. Todas muito doídas, como são doídas todas as perdas… Muitos “altos e baixos”. Eu e minha família enfrentamos todas elas, sempre com a certeza que “não há mal que dure para sempre!”
Não foi fácil. Nunca é fácil. Mas sempre é possível! Sempre é possível darmos a volta por cima. Basta não perder a Fé e alimentar a Esperança! Ao final da noite mais escura e que se formam as mais belas Auroras.
Nesse momento de crise generalizada, de pessimismo exagerado, aproveitemos o Natal, época de Nascimento, para lembrarmos que “Qualquer que tenha sido o seu Passado, você tem um Futuro ainda Imaculado, pronto para ser escrito, pronto para ser vitorioso, pronto para ser construído!”
Lembre-se que todos nós…
Sempre podemos…
Dar a Volta por Cima!
Aproveito para registrar aqui, os meus agradecimentos ao jornal DIÁRIO DE CARATINGA, pelo espaço reservado à coluna, e a você LEITOR, por tirar um tempo de seu domingo para ler os meus causos, minas crônicas. Sairei para um necessário recesso e estarei de volta, se Deus quiser, em fevereiro de 2017. Desejo-lhe os melhores votos de um Feliz Natal e um Ano Novo pleno de realizações.
Eugênio Maria Gomes é diretor da UNEC TV, professor e pró-reitor de Administração do Unec – Centro Universitário de Caratinga. Membro da Assembleia da Funec – Fundação Educacional de Caratinga, do Lions Itaúna, do MAC- Movimento Amigos de Caratinga, da Loja Maçônica Obreiros de Caratinga e das Academias de Letras de Caratinga e Teófilo Otoni. É o Secretário de Educação e Cultura do GOB-MG.