Um dos maiores prazeres que minha profissão permite, é ser convidado para falar sobre nossa rica história futebolística regional. Quando o tema a ser abordado é de uma época que vi, e vivi de perto, aí o trabalho se torna duplamente prazeroso. Portanto, vamos entrar na máquina do tempo e viajar no tempo. Vem comigo
O ano de 1982 indiscutivelmente foi um ano marcante para o futebol brasileiro. O Flamengo de Zico e Cia., rivalizava com o Atlético de Reinaldo e Cia. Não por acaso, formavam a base da Seleção brasileira que encantava o mundo na Copa da Espanha. Ainda hoje, mesmo sem ter conquistado o Mundial, é reverenciada como uma das seleções que encantaram o mundo pela qualidade do futebol. Em nível regional, a Liga Caratinguense de Desportos criada em 1962, promovia pela 16ª vez o Campeonato da Cidade (hoje chamado de Regional), porém, o certame contava com times de toda região, além dos grandes clubes da cidade: Bairro das Graças, América, Caratinga, União Rodoviário, Anápolis, Santa Rita, Faixa Azul e Botafogo, ambos de Inhapim entre outros. Quando o certame começou, o Esporte Clube Caratinga era o grande favorito, afinal, o Dragão já havia conquistado o campeonato oito vezes, começando a disputa como atual campeão, e cheio de moral por ter conquistado também o Campeonato Regional, ao bater o Democrata GV. Sendo assim, era o “favoritaço” da época. O América era visto como o grande rival. Porém esqueceram de “combinar” com o Verdão.
América, Caratinga, Esplanada e Rodoviário chegaram a semifinal. Caratinga 2 x 2 América no primeiro confronto, no jogo da volta, Caratinga venceu por 3 a 0. Esplanada e Rodoviário empataram em 1 a 1 no jogo de ida, na volta na Grota lotada, Verdão 3 a 1. Assim, Esplanada e Caratinga se classificaram para disputar a taça.
A grande final
Ter 48 anos de idade, passado parte da infância na casa do lendário técnico Canuta, dos craques César e Élvio, e ter sido criado no bairro Esplanada tem suas vantagens. Muito dos fatos que estão lendo aqui, não se trata de algo que me contaram ou li em algum lugar. Tenho o privilégio de ser testemunha ocular dos fatos. Com apenas 8 anos de idade, lá estava eu, espremido na cerca de bambu, atrás do gol defendido pelo goleiraço do Verdão Amarildo. Estádio da Grota lotado, torcida do cio Esplanada enlouquecida. Meus olhos brilhavam a cada defesa de Amarildo nas finalizações do craque César (o melhor que vi jogar), do centroavante Aécio, do ponta Toninho Feijão (autor do gol da vitória sobre o Cruzeiro num amistoso em 1980). Era lindo ver Carlinhos Marcelino, camisa 8 esplanadense driblando com a bola colada ao pé direito, passando pelos marcadores como se fossem cones. Fica impressionado com as passadas largas e dribles de Perrola. No primeiro confronto, o Caratinga não segurou a pressão e foi atropelado por 4 a 1. Getúlio em duas belas cobranças de falta, Robson e Sula fizeram a alegria da saudosa dona Mundica e toda galera verde e branco. Porém, o time do Caratinga era tão forte, que mesmo com esse placar elástico, saiu de campo acreditando que no jogo da volta no Dr. Maninho, poderia reverter a situação.
No jogo da volta, como podemos ver na foto, não cabia mais ninguém no “Campo Caratinga”, mas eu estava lá. A torcida do Rubro Negro, liderada pelo histórico torcedor cabeludo Guarani, acreditava na virada. A torcida do Esplanada comandada pela saudosa dona Mundica, confiante que dessa vez o título não escaparia. O Dragão pressionava, mas quem chegou ao gol primeiro foi o Verdão, depois de ela jogada pela direita enfileirando os adversários Carlinhos Marcelino tocou para Miltinho de frente para o goleiro Artur tocar para o fundo do gol. O Caratinga buscou o empate, mas, o Esplanada soube controlar o jogo até o final. Daí por diante, foi só segurar a ansiedade, tocar a bola e esperar o fim do jogo para soltar o grito de campeão. Vitória na Grota por 4 a 1, empate em 1 a 1 no Dr. Maninho. Esplanada, campeão pela primeira vez da Liga Caratinguense de Desportos.
Campeões:
Amarildo: 18 anos, o mais jovem do time, goleiro vindo de Ubaporanga. Elasticidade e muito arrojado. Não tremeu diante do craque César. Pegou tudo no campeonato. Atualmente mora em Ubaporanga
Betão: Irmão de Sula e Perrola, lateral direito forte na marcação e ótimo no apoio. Passou por um tempo no Cruzeiro em BH. Atualmente constituiu família e vive em Ipanema.
Getúlio: Um dos mais experientes do time, versátil, jogou de zagueiro, mas também tinha qualidade para jogar de volante. Dono de um chute potente e preciso. Para essa coluna, Getúlio disse sobre sua maior lembrança: “Pra mim o ponto mais importante aconteceu no treino da quarta-feira, 15 dias antes do campeonato, o técnico Mineiro sentou os jogadores no centro do campo e disse, “Se tiver algum jogador aqui que queira receber pra jogar, não precisa treinar, o Esplanada neste ano não irá pagar ninguém iria jogar no time só quem não exigisse nem um centavo”. O Sula foi o único que levantou e foi embora. Porém, na sexta-feira estava de volta mais tranquilo. Foi o grande ponto da campanha. Não tivemos problema, o Sula era gente boa, independente do Futebol, o Miguel Grossi sempre dava uma colher de chá pra ele”. Atualmente, comanda um programa de sucesso na Rádio 94 FM e Redes Sociais, além de trabalhar com venda de ônibus e caminhões.
Kincas: Companheiro de Getúlio de zaga. Era o chamado “zagueiro, zagueiro” impunha respeito pela postura séria, e virilidade. Porém, demonstrava qualidade com a bola. O zagueirão declarou o seguinte para essa coluna: “As lembranças daquela época são boas, mas teve um acontecimento que não foi, eu trabalhava na Petisco & Mara, o presidente do Caratinga era o senhor Wantuil Teixeira de Paula dono da empresa, durante a semana da decisão, a Fani me disse que eu iria trabalhar no domingo pra não jogar. Se eu jogasse me mandaria embora. E não era um dos craques do time, mas na defesa não dava mole para atacante. Fui para o jogo, ganhamos o título. Mas, o clima dentro da empresa ficou tão ruim que dois meses depois pedi demissão. Lembro que n jogo, aos 25 minutos mais ou menos, Perrola me pediu, toca aqui Kinca, vou driblar esse time todo até o gol. E ele fez mesmo, estava com raiva do Caratinga eles chamavam a gente de time de favela”. Atualmente vive com a família no Vale do Aço, trabalha por conta própria com energia elétrica.
Magelinha: Lateral-esquerdo que chamamos de “carrapato”; marcação muito forte. Não se arriscava muito no ataque. Mas, passa por ele era uma tarefa complicada.
João Bosco: Volante que chegou do Anápolis. Com um senso de colocação preciso, protegia a defesa com muita competência para os craques brilharem.
Carlinhos: Ao lado de Marcinho, os dois melhores que vi na posição. Esse pode ser chamado de craque. Habilidade fora de série, driblava sempre com a bola colada aos pés. Tirá-la dele, era uma missão quase impossível para seus marcadores. Para a coluna declarou: “O empenho que tivemos durante todo campeonato, na semana das finais, treinando muito e acreditando que venceríamos o Caratinga. Foi muita emoção ver o estádio, nossa torcida e a charanga mandando energia positiva, e acima de tudo muito amor a camisa do Verdão”. Carlinhos ainda mora no bairro Esplanada e até hoje é reverenciado pela torcida.
Perrola: Depois da final foi fazer sucesso em Portugal com as camisas do Marítimo e Salgueiro, times da primeira divisão. Por causa de uma séria lesão antes de se apresentar ao Celta de Vigo na Espanha, encerrou a carreira precocemente. Vive e trabalha na cidade do Porto, em Portugal.
Robson: Filho do lendário Otávio Cirilo, ponta-direita rápido, taticamente inteligente, sabia entrar na área e fazer gols, como o da primeira partida da final. Para a coluna Robson disse: “Foram dois grandes jogos, campo lotado, vestiário vibrando, não posso esquecer da dona Mundica gritando, nosso ataque. Robson. Miltinho e Sula enlouquecendo os beques com as trocas de posição. Não tem como esquecer do Miguel Grossi também que ajudou muito”. Atual diretor de Esporte de Caratinga, o ex-atacante é aposentado da Polícia Civil de MG.
Sula: Uma lenda do nosso futebol. Algumas vezes injustiçado quando diziam que era apenas homem de área. Centroavante nato, fazer gols era seu ofício. Porém, além da qualidade na cara do gol, as melhores entrevistas na Rádio Caratinga AM eram suas. Durante a semana falava no programa Esporte na Onda que iria fazer gol, e no final de semana se garantia. Faleceu a alguns anos depois de se mudar para São Paulo
Miltinho: Ao lado do goleiro Amarildo, era um dos mais jovens do time. Mas, habilidade, visão de jogo e qualidade técnica, fizeram dele titular absoluto na Grota. Atualmente ainda mora no bairro, trabalhou por muitos anos na Viação Presidente.
Mineiro (técnico): Vindo da região de Vargem Alegre, não se sabe muito sobre suas origens, porém, demonstrou muita capacidade de comandar um time de feras, não admitia interferência externa. Seu estilo calça branca e chapéu eram inconfundível à beira do gramado.
Outros campeões: Um time campeão não se faz com 11 titulares. Por isso, é importante valorizar quem teve papel importante na conquista, mesmo não sendo titular: Samuel, Wilsinho, Grilmaldo, Eustáquio, Geraldo “Simone” e Castilho.
João Mariposa: A mais longa e gostosa resenha para escrever essa coluna se deu na última quarta-feira durante uma ligação para Belo Horizonte. É lá que vive a quarenta anos um dos nomes mais importantes dessa conquista e da história esplanadense: Mariposa era uma espécie de “faz tudo” no clube. Ex-jogador do Vale Ouro na década de 70, me contou um pouco da história: “Fui nascido e criado na Rua dos Cavacos (Rua Francisco Vítor de Assis), número 241. Na época, existia uma rivalidade entre Rua da Piedade x Rua dos Cavacos, porém o Antônio Miranda, que tinha uma oficina na entrada da minha rua, me chamou para ajudar a reerguer o Esplanada. Pensei muito antes de ir, tínhamos um time na rua chamado Fluminense da Rua dos Cavacos. Mas, Antônio Miranda sempre foi meu amigo e aceitei ajudar o Esplanada. Isso aconteceu na década de 70.
Qual melhor time do Esplanada que o senhor viu?
O time de 1982 realmente era muito bom, grandes jogadores que deram o Esplanada seu primeiro título, mas, o melhor time que vi, era pra ter sido campeão foi 1973, tinha craques como: Alcino, Jonas, Zezé da Noêmia, Geraldinho Azulão, Pernambucano, Mário Araújo, depois tivemos Carlinhos Marcelino, Nortinho (fenômeno dentro da área) Mas, os dois maiores jogadores que vi jogar com a camisa do Verdão, foram Nélio e Carlinhos Marcelino. Eu disse que iria deixar o Esplanada depois que visse nosso campo gramado e o time campeão, aí poderia ir embora. Me disseram: Mariposa, gramar o campo você pode até ver, mas o time campeão acho que não.
Como foi 1982?
O time era muito bom, durante o ano, marcamos jogos do juvenil, ganhamos de goleada de um time do bairro Limoeiro, mas, um zagueiro chamado Kincas me chamou a atenção e convidei ele para treinar no Esplanada. Fiquei sabendo que no Ubaporanga tinha um goleiro muito jovem, mais que pegava demais, pedi a um amigo de lá para levá-lo para o Esplanada também, João Bosco não estava muito contente no Anápolis, foi jogar com a gente. O time encaixou como uma luva. Mas, pra ganhar do Caratinga era preciso alguém de peso fora de campo. No meio da competição, eu e Palavrão, fomos para porta do escritório da Rio Doce esperar o Miguel Grossi. Quando ele saiu, paramos ele na porta e explicamos, sem alguém forte a frente, não conseguiremos sem campeão. Ele aceitou ser nosso presidente de honra, no dia seguinte, foi ao programa da Rádio Caratinga, disse que era o presidente do Esplanada, que iria trazer árbitro de qualquer lugar do mundo, mas não iria aceitar que o Esplanada fosse prejudicado. Assim, fomos campeões invictos vencendo o Caratinga na final. Os dois craques pra mim do campeonato pelo Esplanada foram Carlinhos e Getúlio.
Aos 80 anos, João “Mariposa” criou sua família em Belo Horizonte, está aposentado pela São Geraldo. Passou 12 dias internado por causa da COVID-19, mas se encontra recuperado, e com muita vontade de rever os amigos em Caratinga.
Mais que uma coluna comemorativa de 40 anos do primeiro título do Esplanada, trata-se também de fragmentos de lembranças de quem tinha apenas 8 anos a época, adorava brincar de bola nos campinhos do bairro, dizendo que era: César, Élvio, Carlinhos, Sula, Perrola, Anísio… craque e ídolos do nosso futebol.
Rogério Silva
@rogeriosilva89fm