Margareth Maciel de Almeida Santos
Advogada e doutoranda em Ciências Sociais.
Confesso que me senti muito honrada por ter sido convidada pelo professor Dr. Fernando Vieira, do Instituto de Humanidades do Rio de Janeiro (IUPERJ), para participar de seu seleto grupo de pesquisadores. O conceituadíssimo professor me deu a oportunidade de contribuir no III Encontro Internacional de Ciências Humanas para Integração da América Latina, que ocorreu nos dias 7,8 e 9 de maio, em Goiânia, com uma apresentação sobre a saúde pública. Alunos do doutorado do IUPERJ, e de outras instituições de ensino superior do Brasil e do exterior, debateram importantes temas da atualidade como: o papel da mídia e a interação com a sociedade, o controle da vigilância na rede mundial de computadores, atuação do Poder Judiciário nas desocupações coletivas e no julgamento da lei da anistia, a criminalização da greve, etc. Os trabalhos e debates sobre os diversos temas foram de natureza plural e com profundidade científica, o que ocorreu pela orientação do referido professor. Tentarei repassar o que foi discutido nesse Congresso, apresentando para vocês, alguns dos pesquisadores que eu tive o prazer de conviver por esses três dias, como também suas análises, os impactos e os desdobramentos para a vida cotidiana, ressaltando a sede de Justiça presente nos discursos, com o intuito de promover o necessário e essencial aprimoramento social.
O que seria “Justiça”?
Para Rafael Grassi, “muito se tem discutido sobre a criminalização dos movimentos sociais pelas esferas de poder, pela mídia e pelas classes economicamente dominantes, nesse sentido analisa o que o tem sido chamado de “criminalização” como sendo a consequência de um status jurídico já instituído na legislação penal, civil e na legislação trabalhista, notadamente nos dispositivos sobre greves”. Ele explica ainda que pela expressão “criminalização” entende-se não só o enquadramento nos tipos criminais, previstos no Código Penal, mas também o enquadramento como “atos ilícitos” em outras esferas do direito. Segundo Rafael, questionar a lei e forçar os seus limites faz parte do processo de aprimoramento das próprias leis. Aceitá-las, todas, exatamente como estão, é como aceitar pacificamente a legislação de outrora que estabelecia, dentre outros absurdos, jornada de dezesseis horas diárias de trabalho, o trabalho infantil ou a proibição do voto feminino. Resistir às leis injustas é um processo natural, como é naturalmente ao pobre lutar pela sobrevivência. Ainda cita Fernando Santo Lopes: “Todo ato de injustiça é uma forma de violência, na medida em que retira do homem seu status de pessoa, dando-se origem a um processo que forma cidadãos de segunda classe, os chamados excluídos, que são vítimas de um governo que é de Direito, mas não de Justiça”.
Nesse contexto, o professor Fernando Vieira nos brindou com uma brilhante palestra sobre ‘Memórias difusas midiáticas’: a leitura criminalizadora da mídia impressa sobre os movimentos sociais, investigando como a mídia brasileira vai construir uma determinada memória que busque desqualificar as ações dos movimentos sociais no país? Cita Walter Benjamin, que nos ensina que ao se “revolver o solo, encontrar-se-ão os fatos, pois estes, nada mais são do que camadas a serem cuidadosamente investigadas, permitindo ao pesquisador obter o que se encontra obscurecido pelo tema. O processo se concretiza mediante a desqualificação de determinados atores políticos em especial, os movimentos sociais. Nessa lógica, as bandeiras de luta são descartáveis e suas ações políticas enquadradas em ações contra a ordem, portanto passíveis de punições na esfera criminal.”
Seria então a ideia de justiça que motiva os manifestantes a irem para as ruas?
Jorge Folena faz uma análise dos conceitos: Poder, violência e crueldade, uma crítica ao protagonismo judicial brasileiro, questionando a posição adotada pelo Poder Judiciário nos casos de desalijo coletivo, quando, por meio de decisões expedidas pelos juízes, milhares de pessoas são postas na rua, da noite para o dia, em comunidades pobres brasileiras. Cita que por decisão de apenas um juiz ocorreu à desocupação do prédio da Telemar, na cidade do Rio de Janeiro em 11 de abril de 2014. Para o pesquisador, “o parlamento, sim, é o local institucional das lutas políticas, ao passo que o judiciário não foi concebido como instituição para lutar e combater, mas para pacificar os conflitos e manter a ordem vigente”.
Você quer dizer que o que se mostra através da mídia, muitas vezes, é uma leitura criminalizadora sobre os movimentos sociais, sem ter antes escavado a memória como fala o professor Dr. Fernando?
Respondendo a pergunta com as palavras de Leise Taveira, jornalista e pesquisadora, ela explica citando Nobert Elias que “a narrativa ou o molda os afetos, promovendo discursos que interpretam conceitos, nem sempre coerentes com quem se pretende atuante no campo da racionalidade ao reportar os fatos”.
Thiago Celli, elucida que “as lutas políticas apontam, por óbvio, uma relação polarizada, seja de ações, como também de interesses. Do mesmo modo são marcadas por uma disputa de forças que se apresentam tanto no aspecto ideológico, que condicional as alternativas ( influir em consciências e deslegitima movimentos) quanto repressivo exercendo a vigilância e a violência de maneira desproporcional. Ambos corroboram para que a ordem estabelecida se mantenha intacta, naturalizando a exploração e a injustiça social.”
Diante disso então fica a percepção de que os pobres, no caso os movimentos sociais, são alvo da política criminal?
Ítalo Pires Aguiar cita o Rio de Janeiro como signo maior da situação brasileira, as intervenções estatais relacionadas com a questão social variam entre as políticas sociais compensatórias que não promovem a cidadania, e que no período da ditadura civil-militar (1964-1985), em que a Doutrina de Segurança Nacional legítima a violência estatal contra os inimigos, ainda que potenciais do regime, a utilização do mito da guerra civil legitima hoje, o uso regular de expedientes de exceção. Em apertada síntese, “da mesma maneira que os terroristas punham em risco a segurança do regime, hoje os miseráveis se tornam uma ameaça para a democracia”.
Lucas Melgaco, do Departamento de Criminologia Urige Universiteit Brussel (VUB), pós doutorando, analisa “que nos casos dos protestos de junho, fato e notícia ocorreram quase que simultaneamente. Essa instantaneidade faz inclusive com que a notícia seja capaz de influenciar o próprio evento, tudo em tempo real. Nos dias de hoje um manifestante que sai à rua para protestar poderá ser monitorado em diferentes momentos: antes da ocorrência do protesto (através de suas comunicações nas redes sociais), durante o protesto (através das informações de localização geradas pelo celular, por exemplo) e após os protestos (CFTU-câmara de circuito fechado de televisão). Empresas de comunicações como Google e Facebook detêm uma enorme quantidade de dados pessoais estratégicos. O atual período também permite que o indivíduo monitorado pelo Estado, e pelas empresas também se torne ele próprio um agente promotor de vigilância. Para descrever essa situação de permanente vigilância utiliza de metáfora o big brother, e nos adverte: “o grande irmão está te vigiando!”
E qual a sua conclusão?
As reflexões sobre as manifestações ocorridas no país, tendo interesses sociais iminentemente distintos, se faz de grande importância para um país democrático. É na esfera pública que ocorrem os conflitos das mais variadas ordens: transporte coletivo, desemprego, inflação, violência, exclusão social, desigualdade com a expulsão de moradores, educação, serviços de saúde. O que esta leitura nos diz é que sendo cidadãos, temos o dever de lutar por uma reforma política, para se criar instituições democráticas e republicanas, propondo reformas de igualdade social, educacional. A mídia como o complexo meio de comunicação representa uma forma de poder, pois possui o papel de influenciar a opinião de inúmeras pessoas sobre temas específicos, tendo uma função importantíssima na democracia. Me sinto responsável por você, a medida em que procuro traduzir as relações sociais na esfera pública, mas carrego comigo também o sentimento de “ fazer justiça” principalmente para aqueles excluídos da sociedade.