*Eugênio Maria Gomes
A frase que dá título ao presente é uma síntese metafórica da conclusão de Thomas Hobbes sobre a natureza humana e que veio à tona durante uma conversa com o amigo José Horta, o excepcional editor do DIÁRIO DE CARATINGA e um ser humano ímpar, quando falávamos sobre a pandemia e se seria necessário outro dilúvio para propiciar o surgimento de uma nova humanidade, uma vez que, parece, o ser humano não tem jeito mesmo. Nesse momento, ele registrou que não seria preciso água, fogo, nada disso, pois o homem mesmo dará conta de acabar com a Obra da Criação, sendo ele próprio o lobo do homem.
Claro que não podemos generalizar, mas é razoável pensar que alguns exemplares da nossa espécie sequer conseguem alcançar a real dimensão do grande problema que estamos vivendo, nestes tempos de pandemia. Quantas vidas perdidas mundo afora, quantas pessoas desempregadas, quanta fome, quanta dor, quanta miséria! E, não obstante tudo isso, muitos seguem a vida como se nada estivesse acontecendo, agindo como se o momento fosse ideal para mostrar sua pseudo supremacia, para humilhar os outros, para tirar vantagens em um mundo de tantas desvantagens, de tanto sofrimento.
Alheios ao triste momento por que atravessa o planeta, muitos passam seus dias tentando convencer outros de que o seu político de carteirinha está certo, de que o outro está errado; minimizando mortes, disseminando medos e compartilhando mentiras; ainda tem gente defendendo a ditadura militar em oposição ao comunismo, como se não houvesse outro caminho possível; há gente utilizando a boa-fé das pessoas para tirar proveito para si próprio e, infelizmente, muitas “religiões” usando o nome de Deus em vão para enganar, mentir e ludibriar fieis.
O lado “lobo” do homem se escancara quando empresários e políticos promovem uma sessão clandestina de vacinação em Minas, furando a fila de quem espera, pacientemente, pelo cumprimento do cronograma do SUS, enquanto milhares de outros brasileiros, ao longo de todo o país, aguardam vagas nas UTIs. O pior: para tomarem uma vacina que não se sabe de onde veio, talvez falsificada ou, ainda, resultante do furto de algum órgão ou instituição.
O lobo mostra suas presas quando uma enfermeira, com a maior cara de pau e demonstração de desumanidade, faz de conta que aplicou uma vacina em um idoso, seja por maldade, seja para poder reutilizar o precioso líquido em troca de alguns reais…
Somos todos “lobos” quando jogamos comida fora, enquanto milhões passam fome sem ter um pedaço de pão para comer; quando agredimos o meio ambiente e dele fazemos uso como se fosse nossa propriedade exclusiva; quando roubamos o outro, quando fraudamos a empresa, quando corrompemos o governo e o Estado.
O lobo mostra suas presas, mais afiadas, quando se defende o respeito ao direto da propriedade intelectual das patentes de vacinas, por parte de alguns poucos conglomerados farmacêuticos, em detrimento do direito à vida de bilhões de pessoas mundo afora, em países que sequer iniciaram a imunização de sua população, sequer possuem recursos para adquiri-las. Mesmo nas regiões do planeta que sediam esses fabricantes, já se constatou que esses conglomerados não são capazes de produzir vacinas em quantidade suficiente para atender sua própria população, enquanto há plantas produtoras ociosas, capazes de aumentar significativamente a produção, em um esforço mundial pela universalização do direito a imunização.
Somos todos “lobos” quando se tem o ultraje de defender a aquisição de vacinas pela iniciativa privada, neste momento de horror extremo, quando todos sabem que não há vacinas disponíveis para serem adquiridas pelos governos e distribuídas equanimemente por toda a população, sem distinção de classes, e essas empresas, apenas as muito ricas, vão acirrar uma desleal competição pela aquisição desse bem tão valioso, criando ainda maiores distorções na imunização global, e mais uma vez, corroborando a triste constatação de que não somos iguais no direito a vida, pois alguns o tem assegurado, outros não, que alguns de nós somos lobos vorazes, enquanto outros são ovelhas indefesas.
A situação vivenciada neste triste início de século, por todo o mundo, e a situação de horror instalada no Brasil, não nos permite, no momento, discordar da lamentável conclusão de Hobbes, e constatar a profunda degradação Moral a que chegou nossa espécie.
Ao mesmo tempo, precisamos rogar aos Céus que nos seja complacente e piedoso, para que nós, os degredados filhos de Eva, condenados à expulsão do Éden pelo pecado original – a desobediência-, demonstrando uma tendência, uma inclinação de todos para o mal, só corrigível pela voluntária e verdadeira redenção cristã, não sejamos novamente, degredados, desta vez, da nossa própria vivência terrena, só que por um pecado ainda mais terrível – o Egoísmo.
“o Homem é o lobo do Homem, sempre em guerra de todos contra todos” – Thomas Hobbes.
*Eugênio Maria Gomes é escritor