- Eugênio Maria Gomes
Eu era ainda muito pequeno quando meu pai foi eleito para o cargo de vereador em Matipó, minha terra natal. Seu retrato encontra-se na Casa Legislativa do município e ostenta a condição de pertencer à última leva de vereadores que não recebiam qualquer remuneração. Sim, o cargo de vereador passou a ser remunerado apenas em meados dos anos 60. Até então, desde a sua regulamentação, nos idos de 1822, as pessoas se dispunham a trabalhar para o município gratuitamente e sem qualquer mordomia.
Aliás, o Brasil é um dos pouquíssimos países do mundo que remunera tão bem seus políticos, sejam eles ocupantes de cargos executivos ou legislativos. Na Suécia, por exemplo, os deputados andam de ônibus, moram em apartamentos com cerca de 18 metros quadrados, não aumentam o próprio salário, não possuem pensão vitalícia e não têm planos de saúde pagos pelo Estado.
Mas, voltando às casas legislativas municipais, o que quero abordar aqui não é necessariamente o valor do salário tampouco os possíveis privilégios dos vereadores brasileiros, mas o papel que eles passaram a desempenhar a partir da extinção do “líder comunitário”. Os vereadores, claro que com algumas exceções, passaram a legislar menos e a desempenhar o papel antes atribuído ao líder comunitário.
A figura do líder na comunidade tinha lá sua importância, já que ele era o contato mais direto entre o cidadão e o chefe do executivo municipal e seus agentes. Se você tinha um problema com a limpeza pública, com um buraco no asfalto ou com um lote abandonado, você batia à porta do representante do bairro, que prontamente, de forma voluntária, anotava a sua reclamação ou sugestão e conduzia o assunto junto ao prefeito ou ao secretário municipal.
Com o tempo, principalmente a partir da implantação da remuneração para o cargo de vereador, os líderes comunitários foram se submetendo ao julgamento popular e se transformando em vereadores. A cada eleição, um novo líder desaparecia para dar lugar a mais um vereador. E, o que se vê hoje, é a quase extinção da figura do líder comunitário, porquanto o vereador passou a cuidar de assuntos relacionados ao cotidiano do cidadão, preocupado com buracos, bueiros, iluminação, consulta médica etc.
Enquanto isso, na maioria das casas legislativas, boa parte de seus ocupantes legislam cada vez menos, fiscalizam cada vez menos e atendem, cada vez mais, as “miudezas” apresentadas pelos cidadãos. Até hoje é possível encontrar vereador que passa os dias resolvendo problemas de conta de água, conta de luz ou viabilizando a aquisição de remédios para seus “eternos” eleitores, mantidos justamente devido a essas benesses.
Essa ocupação que tem tomado o tempo de alguns vereadores é, também, resultado da falta de acesso do cidadão aos seus direitos básicos, já que, em boa parte dos municípios brasileiros, principalmente naqueles localizados no interior do país, submeter-se a uma cirurgia, receber água tratada ou ter acesso a uma boa educação constitui-se, ainda, em uma benesse concedida pelo Estado, como se fosse um favor ofertado em virtude da “bondade” do agente público, e não um direito, que deveria resultar da adequada aplicação dos recursos arrecadados pelo Estado através dos impostos.
Essa postura de subserviência e dependência da “ajuda” recebida do agente público é um dos fatores que perpetuam essa triste e deturpada relação entre eleitor e eleito, no âmbito municipal.
O primeiro vê o segundo como alguém que pode ajudá-lo, alguém que está ali para resolver os seus problemas e não os problemas da comunidade como um todo. Por sua vez, o segundo vê o primeiro como alguém que precisa ser “ajudado”, alguém que lhe é inferior, submisso e dependente, e não como seu representado, o verdadeiro titular do poder e o verdadeiro titular e beneficiário de direitos. Isso justifica o fato de que o eleito, do alto dessa relação vertical de superioridade social, não se sinta nada constrangido em cercar-se de mordomias e privilégios, a altura da elevada posição que pretensamente ocupa. Algo que nos lembra aquelas figuras aristocráticas do tempo do Império…
Uma prova, porém, de que nem tudo está perdido, foi o bom exemplo dado pelos vereadores do Município de Arcos. Naquela localidade, a Câmara Municipal aprovou e o Prefeito sancionou uma lei determinando uma drástica redução no valor dos salários dos membros do Poder legislativo e do Poder Executivo. Nada mais coerente, em um país onde milhões estão desempregados e milhões padecem de enorme quantidade de mazelas derivadas da pobreza e da miséria. Talvez, em alguns municípios nem fosse preciso medida tão radical. Bastaria a extinção de uma série de privilégios, associada ao exercício digno da função pública e ao trabalho efetivamente voltado para o bem comum.
Professor e Pró-reitor de Pesquisa, Pós-graduação e Extensão do Unec, diretor geral da Unec TV, membro da ALB – Academia de Letras do Brasil -, da AMLM – Academia Maçônica de Letras do Leste de Minas -, da ALTO – Academia de Letras de Teófilo Otoni e Presidente da ACL – Academia Caratinguense de Letras. Membro do MAC- Movimento Amigos de Caratinga e do Lions Caratinga Itaúna. É o Grande Secretario de Educação e Cultura do GOB-MG.