Sonhos interrompidos
Em 1982, aos oito anos cheguei ao Esporte Clube Caratinga, ano em que a seleção brasileira, apesar da derrota na Copa da Espanha, encantou o mundo; o Flamengo havia conquistado o Mundial batendo o Liverpool por 3 a 0 no Japão em 1981. No futebol regional, o Caratinga de César, Marcinho, Anísio, Guilhermino, Artur e tantos outros craques, era o grande time a ser batido ao lado do poderoso América. 82, ano que o Esplanada conquistou seu primeiro título, certamente com a melhor formação de sua história. Não importa o ano, a década, o lugar e o clube, onde tiver uma bola, teremos crianças sonhando. Portanto, tive motivos de sobra para sonhar em ser jogador de futebol, assim como a grande maioria dos garotos de minha época.
Quando vi as imagens de garotos perdendo a vida de forma trágica no incêndio no CT Ninho do Urubu do Flamengo, uma tristeza descomunal tomou conta do meu peito e passou um filme pela cabeça. Afinal, um dia tive o mesmo sonho. Dói ainda mais em pensar que estavam tão perto de realizá-lo. Vidas ceifadas e sonhos destruídos pelas chamas. Não tem como mensurar a dor dessas famílias. Pais que viveram um sonho junto com os filhos, acordados em meio ao terror do fogo que consumia tudo pela frente. Não espero que o torcedor comum consiga separar a paixão da razão. Isso vale para flamenguistas e rivais. Para o torcedor rubro negro, embora a perícia não tenha finalizado as investigações, não tenho dúvida que irão apontar uma série de medidas que poderiam ter sido tomadas para evitar a tragédia. A partir do momento que garotos de 13, 14 e 15 anos estão sob a responsabilidade do clube, qualquer acidente que vier acontecer, de alguma forma a entidade será responsabilizada. O tamanho dessa “culpa”, só mesmo as investigações e a justiça irá determinar. Como pai, posso afirmar que valor indenizatório nenhum paga a vida de um filho. Na minha humilde opinião, seja qual for o valor que a justiça irá determinar, será pouco. Espero que o Flamengo cumpra sem recorrer, dizer que está dando todo o apoio às família das vítimas, é o mínimo que ser espera.
Para os torcedores rivais, principalmente aqueles que vão para as redes sociais destilar todo o ódio pelo clube se aproveitando do momento, infelizmente o Flamengo não é o único que apresenta irregularidades nas condições de alojamento de sua base. Como sempre acontece no Brasil, lamentavelmente foi preciso acontecer uma tragédia para medidas serem anunciadas. Principalmente uma fiscalização mais rígida. Se estivéssemos num país sério, um clube multado 30 vezes não estaria funcionando.
Rogério Silva