A primeira medida para se combater uma doença é aceita-la. Reconhecer sua existência e os males que provoca. O racismo é uma doença. Não uma doença do corpo ou da psique humana, mas uma doença do caráter, da falta de empatia, da desumanidade.
Afirmar que o racismo não existe no Brasil é prova, ou de um profundo desconhecimento da realidade do país, sobretudo do contesto político/social em que os negros estão inseridos, ou prova do mau-caratismo exacerbado. Em ambos os casos, a negação permite a proliferação da discriminação racial em um país que possui uma das maiores populações negras do mundo e tem mais da metade da população formada por negros. Parece um paradoxo, mas não é. É realidade.
O racismo é percebido e vivido no cotidiano: nos shopping centers de elite, onde os trabalhadores negros são confinados em postos de vigias ou faxineiros e raramente empregados em atividades de atendimento ao público; na programação televisiva, onde os negros, quando aparecem, ocupam as tradicionais posições de subordinação (a empregada doméstica, o bandido, a prostituta, o menino de rua, o segurança); nas piadas e expressões de cunho racista sempre presentes nas reuniões de família brancas. Expressões como “não sou racista, mas nunca aceitaria meu filho ou filha se casando com um negro/a” são comuns no Brasil. São milhões de atitudes, gestos, opções e decisões diuturnamente tomados dentro de uma estrutura social e simbólica na qual a cor da pele é um determinante importante.
Segundo dados oficiais, dois terços dos pobres no Brasil são negros. E mais: metade da população negra vive abaixo da linha da pobreza; essa proporção, de 46,3%, é duas vezes maior que a observada para a população branca, de 22,9%. O que é pior, a distância que separa negros de brancos mantém-se estável ao longo de toda a vida.
No campo da educação, as desigualdades raciais se manifestam de forma escandalosa. Observa-se diferenças gritantes entre escolares negros e brancos no ensino médio, chegando a apenas 22%. No ensino superior a situação é ainda mais grave. Em 2005, apenas 6,6% dos jovens negros frequentavam a universidade; entre os brancos esse percentual era cerca de três vezes maior (19%). As informações disponíveis mostram que as universidades brasileiras, celeiros da elite, garantem um lugar cativo para a população branca, formando profissionais brancos que reproduzirão na sociedade preconceitos e estereótipos que auxiliam na reprodução das desigualdades raciais. As universidades brasileiras são espaços blindados à população de baixa renda e, especialmente, à população negra.
O desempenho educacional é um fator fundamental para uma inserção mais qualificada no mercado de trabalho, que além de gerar renda, constitui-se em um espaço privilegiado de socialização, acesso a informações e conhecimento. A população negra entra no mercado de trabalho em desvantagem, com níveis educacionais (anos de estudo) inferiores ao da população branca, isso sem considerar a qualidade do ensino recebido.
Mas são apenas dados estatísticos. De nada servem se políticas públicas inclusivas não forem implantadas. O Brasil continuará sendo o país onde mais se mata jovens negros no mundo, mais que em qualquer guerra.
Mas precisamos combater o racismo do dia a dia. O racismo é um atentado contra a dignidade das pessoas e as práticas de discriminação racial têm que ser objeto da máxima reprovação social e jurídica. E isso tem um nome: crime.
Quando da promulgação de Nossa Constituição Federal em 1988, seu art. 5º, inciso XLII, determinava que “a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei”, sendo referido inciso um mandado expresso de criminalização, o qual teve sua eficácia com a promulgação da Lei nº 7.716/89.
O racismo, previsto na Lei nº 7.716/1989, refere-se à conduta de discriminação racista que exclui, incita a discriminação ou preconceito, impede acesso, recusa atendimento, recusa ingresso de aluno em estabelecimento de ensino público ou privado de qualquer grau etc.
O Estatuto da Igualdade Racial (Lei nº12.888/2010) consigna que a discriminação racial ou étnico-racial é toda distinção, exclusão, restrição ou preferência baseada em raça, cor, descendência ou origem nacional ou étnica que tenha por objeto anular ou restringir o reconhecimento, gozo ou exercício, em igualdade de condições, de direitos humanos e liberdades fundamentais nos campos político, econômico, social, cultural ou em qualquer outro campo da vida pública ou privada.
Ora, negar que tais práticas são corriqueiras nesse país é um assombro de ignorância. O racismo aqui é institucionalizado nas políticas de educação, saúde e segurança públicas. Basta olhar à sua volta. Quantos médicos, juízes, advogados ou professores negros você vê? Quantas crianças negras estudam na escola particular de seus filhos?
O mundo não é branco, não é negro, não é amarelo. O mundo é multirracial. Todos têm dignidade. Todos devem ser tratados com respeito. A sociedade deve realizar campanhas contra o racismo, a injúria racial e a discriminação. Nossa sociedade possui dívidas imensas com a população negra deste país e já passamos da hora de começar a pagar.
E que Deus nos proteja do racismo de cada dia.
Aldair Oliveira – advogado
Pós-graduado em Direito Civil.
3321-7581