Ildecir A.Lessa
Advogado
“A democracia não requer igualdade perfeita, mas requer que as pessoas de diferentes origens e diferentes modos de vida se encontrem, até se choquem, ao longo da vida diária, porque é dessa forma que aprendemos a negociar e a viver com nossas diferenças e é isso que faz com que nos importemos com o bem comum.” – (Michael Sandel, filósofo político norte-americano, professor do curso Justiça, de Harvard).
Em debates acadêmicos, tem sido registrado que, a consagração de Michael Sandel como um dos mais influentes filósofos morais da atualidade se deu no contexto da sempre lembrada crise de 2008. Essa crise gerou um clima de descrença direta com as instituições financeiras do Ocidente, centrando no aspecto do crescimento econômico de maneira geral. Professor de Filosofia de Harvard, autor de importantes tratados de filosofia política, seu curso sobre Justiça é campeão recorrente de audiência, reunindo milhares de estudantes. O curso foi tão popular que foi disponibilizado on-line e transformado em livro: Justice: what’s the right thing to do? (Justiça: o que é fazer a coisa certa).
No clássico de literatura, a Justiça, Sandel discorre, de forma bem didática, ao alcance de todos, temas e dilemas da filosofia moral e política contemporânea. Leciona com propriedade substancial, filosofias consagradas como o utilitarismo e a moral kantiana. Discorre ainda, sobre o trabalho de filósofos contemporâneos como John Rawls, pensador da sociedade justa e crítico dos mecanismos da sociedade de mercado; e Robert Nozick, autor libertário, defensor do direito individual e crítico, portanto, de toda intervenção estatal. Suas lições tornaram-se suaves porque, tem como sua base, uma linguagem clara, exemplos vivos, ilustrações tiradas da vida real, da literatura e do cinema. Tudo a revelar, a relevância e mesmo a onipresença do pensamento moral e político na vida humana. Mercado, merecimento, bem comum; são temas que ele expõe em Justiça e que perpassam toda a sua obra, fazendo deste livro um bom indicador de seus interesses filosóficos. O que ele faz bem feito é expor, e não propor. A pedra de toque, é levar o leitor a entender os conceitos e discussões propostos, as possíveis respostas e os caminhos pelos quais o debate pode prosseguir, sem a pretensão de convencê-lo de uma posição.
A linha filosófica de Sandel contrapõe a de John Rawls, expoente da concepção liberal. Rawls, adepto do indivíduo autônomo e atomizado, propunha um experimento mental para pensar a sociedade justa em que cada um esqueça suas particularidades e desenhe uma sociedade sem saber que papel ocuparia nela. Sandel rejeita esse experimento mental, que exige uma separação impossível entre o indivíduo e seu meio social. Não cabe ao homem desenhar uma sociedade ideal e justa e, com base nisso, reparar as injustiças ou desigualdades que existam no mundo real. O foco deve estar mais na promoção do bem do que na execução a ferro e fogo de uma concepção abstrata de justiça. Essa discussão é apresentada principalmente em seu livro de 1982, Liberalism and the limits of Justice. O que se colhe de toda essa discussão filosófica é, o resgate das virtudes perdidas da vida social: a discussão pública de valores e divergências existenciais que permite chegar a normas de convivência que promovam o bem comum, segundo uma concepção substantiva do bem. Para isso, ele questiona certos dogmas da ordem social contemporânea: a ideia de que todos os valores são relativos e subjetivos, cabendo a cada um decidir o que é o bem para si (que, se levada a sério, colocaria em risco mesmo a ordem democrática do Estado de Direito); a completa separação entre a esfera pública e concepções éticas, filosóficas e religiosas. Uma boa sociedade pode ser ao mesmo tempo pluralista – admitir e tolerar visões de mundo diferentes dentro de si – e promover o debate público das diferentes concepções para chegar a valores partilhados que amparem virtudes cívicas. O dilema da ordem social, numa concepção liberal, é como organizar a sociedade para que cada indivíduo possa perseguir autonomamente sua própria concepção privada de bem. Na visão de Sandel, ao contrário, o desafio é criar uma ordem que promova o bem comum. E isso faz mais do que necessário, mesmo em campo de reflexão, no momento que estamos vivendo. Logo, as conclusões desse pensador, em suas estimáveis lições filosóficas sobre o que é o bem, ou sobre diferentes concepções do que é o homem, longe de serem atribuições de acadêmicos, deveriam ser parte da discussão pública de uma sociedade saudável, com vistas a formular normas e políticas que promovam o bem de todos.
É nesse contexto partilhado que cada indivíduo encontra as condições para formular e concretizar seu próprio bem. A vida é um presente, uma dádiva que nos é concedida (seja pela natureza ou por Deus), e não cabe ao homem alterar suas condições de partida. Essa perspectiva nos faz valorizar mais aquilo que temos e a comunidade em que vivemos, buscando na convivência e na interação com o nosso meio os valores que a corrida desesperada pela perfeição (inatingível) arrisca jogar fora. A graça da vida está em usar as condições dadas para progredir mediante a cooperação mútua. Somente assim, pode-se alcançar a verdadeira Justiça e a necessária Moral!