Ildecir A. Lessa
Advogado
“Quem não comunica, se trumbica”, assim dizia o comunicador José Abelardo Barbosa de Medeiros, o popular Chacrinha. No mundo atual, talvez seja impossível o desenvolvimento da vida humana, ausente as tecnologias da comunicação. A essência humana fundamenta-se na capacidade social de interação e comunicação com outrem. “O homem é por natureza um animal social” (Aristóteles). A comunicação promove ações sociais, associação entre indivíduos, nas afinidades entre si, sejam religiosas, culturais, linguísticas, etc. Presente o aprimoramento da velocidade dos processos comunicacionais, sem relações profundas com nossos interlocutores. “A solidão por trás da porta fechada de um quarto com um telefone celular à mão pode parecer uma condição menos arriscada, ou mais segura, do que compartilhar o terreno doméstico comum” (Bauman).
Ao invés de aproximar pessoas e mobilizá-las para a efetivação de causas comuns, o uso alienado das tecnologias comunicacionais, em verdade, gera distanciamento pleno entre as pessoas, pois o interlocutor é estigmatizado como uma mera coisa, desprovida de subjetividade. O uso é familiar. Uma grande família reunida na mesa de jantar com cada membro entretido com seu apetrecho sagrado, sem que haja qualquer comunicação mais substancial entre cada um. Nem mesmo conversas triviais ocorrem nesse momento que tradicionalmente servia de integração entre os convivas. Pulou para os encantos efêmeros das redes sociais, postando fotos, comentários, mensagens, no aguardo para saber quantas “curtidas” são recebidas. O Facebook, entretenimento gratuito para todas as idades, colocou todos diante de um espelho, um teatro virtual no qual, como diz Caetano Veloso, “narciso acha feio o que não é espelho”. Esses apetrechos tecnológicos ligados a internet, roubou a nossa atenção, um patrimônio psíquico importante e limitado. Nossa atenção praticamente sucumbiu à cultura da interrupção fomentada pela computação ubíqua, que se tornou cada vez mais popular com o uso de smarphones e outros tipos de celulares conectados à internet. Raramente uma conversa não é interrompida pelo sinal de chegada de uma mensagem (aquele assovio de moleque)e, tirar o celular do bolso para saber o que foi enviado já deixou de ser falta de educação e se tronou um hábito inteiramente aceito. Receber e responder mensagens é uma prioridade indiscutível. Na era tecnológica perdemos definitivamente a capacidade de ouvir o outro, via fala/ouvido humano.
Apesar de todas as facilidades tecnológicas, nossas experiências comunicacionais mediadas por esses instrumentos não promovem a alteridade, apenas o silêncio interior, pois não queremos ouvir o discurso do outro, não valorizamos a arte da escuta, que exige paciência, acolhimento. Mas essa tecnologia vicia? Nos últimos anos, psicólogos e cientistas cognitivos alertaram para os perigos dessa adição digital. Uma das maiores cientistas contemporâneas, a inglesa Susan Greenfield, advertiu, sobre os danos que o vício da internet pode causar. Jovens que navegam demais nas redes apresentam mudanças cerebrais semelhantes àquelas verificadas em compulsivos por jogos de azar. Não é a única. Nicholas Carr, autor do livro ‘A geração superficial’ (2011), afirma que ouso constante da internet por crianças pode ser uma das causas do transtorno de déficit de atenção. Rodney Brooks professor do MIT, nos EUA, e um dos maiores roboticistas da atualidade, também defende esse ponto de vista. O vício processa, como uma busca constante de novidades na tela ou nas caixas de e-mail, que acaba associando com a produção de dopamina, um neurotransmissor que produz a sensação agradável de recompensa e prazer.
A internet é a tecnologia mais neuromórfica que já foi inventada. É extremamente parecida com o cérebro humano. Sua arquitetura é parecida com uma imensa rede neural. Esse tipo de rede, utilizado pelos pesquisadores da inteligência artificial a partir dos anos 80, constituiu um intrincado conjunto de conexões entre neurônios artificiais, que são dispostos em camadas. Mas ao contrário, seu uso constante promove o empobrecimento do vocabulário, suprime a riqueza semântica do discurso, pois a consciência alienada rechaça qualquer palavra imputada como difícil, desvalorizando-a em seu mundo simbólico. Por isso, nas escolas, universidades, nas reuniões, nas igrejas de um modo geral, é praticamente luta perdida impedir a “turma” de acessar seus apetrechos eletrônicos. Arrisca-se a dizer que, em todos os espaços ocupados pelo homem, percebe-se o grande desrespeito dos usuários para com outras pessoas, quando insistem em deixar os aparelhos eletrônicos ligados. Ainda mais, quando o som maldito ecoa pelo espaço , ou quando o usuário atende uma chamada despreocupadamente, pouco se importando com o incômodo causado nos outros, o que representa uma falta de senso de civilidade, de respeito ao próximo e um atentado ao direito do outro. Essa violação, tem sua maior surpresa, quando se observa a quantidade de bobagens, (informações desprovidas de maior relevância para o progresso cultural das pessoas), propagadas diariamente por usuários nas redes sociais, sem que haja qualquer reflexão, imediata sobre sua pertinência.
De tudo isso, conclui-se uma verdadeira (in)comunicação entre as pessoas, em todas as matizes da vida, uma verdadeira Babel, sem nenhum tipo de conhecimento útil, como assevera a socióloga Eva Illouz (2011,p.141/49) “ A internet proporciona um tipo de conhecimento que, por estar desinserido e desvinculado de um conhecimento contextual e prático da outra pessoa, não pode ser usado para compreendê-la como um todo” .