Eugênio Maria Gomes
No último final de semana, em uma boate “gay” localizada em Orlando, na Flórida, um norte-americano, filho de pais oriundos do Afeganistão, de posse de um fuzil e de uma pistola automática – adquiridos por ele no comércio da cidade, da mesma forma como adquirimos um filme ou um gênero alimentício no Brasil -, matou quarenta e nove pessoas, protagonizando o maior atentado a tiros dos Estados Unidos da América.
O assassino – também morto após trocar tiros com a polícia – tinha um filho de três anos e havia sido deixado pela mulher por conta das constantes agressões sofridas por ela. Está entendido: batia na mulher e não gostava de gays… Tá. Se tem uma expressão que faz todo sentido é “homem que é homem, não bate em mulher”. É bem provável que o atirador, em cada tiro disparado, tentasse matar algo em si mesmo.
Essa ocorrência em Orlando me fez refletir sobre a nossa intolerância em muitas outras searas. Sim, nós demonstramos intolerância a um monte de coisas…
O momento político do país tem demonstrado isso através das redes sociais, com os adeptos radicais das principais correntes ideológicas do país se digladiando em comentários de baixo nível, como se para Lula, Dilma, FHC, Aécio e Temer eles significassem alguma coisa. Eu tenho visto amigos e, até, familiares, se desentenderem por conta dessas discussões vazias, por conta de tentarem impor, uns aos outros, seus pontos de vista, diante da incapacidade de tolerarem a existência e a manifestação de opiniões diversas.
Quando o assunto é a religião, muitos fiéis simplesmente desconhecem a postura de seus líderes mundiais e trocam insultos na base da pirâmide, com cada um defendendo aquilo que acredita. Tem católico que faz vista grossa para o documento que emergiu do Concílio Vaticano Segundo, assim como muitos evangélicos – de maneira especial a maior parte dos Pentecostais e Neopentecostais -, são avessos ao Ecumenismo. Baseados no entendimento de que “a minha religião salva, a sua não”, ou, então, “a minha igreja é a certa, a sua é errada”, muitos trocam ofensas e, em várias partes do mundo, muitos se matam por conta disso, por conta da incapacidade de tolerarem as diversas manifestações da Fé, e de não tolerarem a mais simples ideia de que Deus “tem muitas faces”…
No esporte, tem gente que chega ao ridículo de “ficar de mal”, por conta de discussões sobre times de futebol. Nos estádios, as pessoas se agridem e, por conta do resultado do jogo, costumam ferir e, até, matar. Nada mais descabido do que se indispor em função dos jogos, principalmente no Brasil, onde essa modalidade de esporte perdeu aquele brilho provocado pela garra, pelo “vestir a camisa” e pelo prazer de rolar a “pelota” demonstrado por jogadores que ganhavam uma “merreca” e cedeu lugar ao comércio e à corrupção instalados dentro dos clubes e da própria CBF.
Em relação à Etnia, nossa hipocrisia às vezes se escancara. “Não, eu não sou racista” é uma das frases costumeiras pronunciadas pela maioria de nós, “brancos”, desde que o nosso filho não se engrace com uma negra, que a nossa filha não nos dê um neto “negrinho” ou que a negra continue a frequentar, apenas, a cozinha da casa e a utilizar o elevador de serviços. Índio é “bonitinho”, lá na floresta, mas achamos um absurdo a demarcação de terras indígenas. Fazemos isso por conta de não tolerarmos as diferenças, de nos sentirmos superiores, uns aos outros…
Não, eu não penso que devamos ser tolerantes com tudo e com todos. Não mesmo. Acho que deveríamos, por exemplo, mostrar a nossa indignação com a pobreza que assola nossos irmãos em algumas partes do país; mostrar a nossa repulsa com o descaso e a exploração, impostos há séculos, ao negro; devíamos deixar aflorar a nossa total revolta com a corrupção e seus agentes condutores… Que bom seria se demonstrássemos a nossa ojeriza ao descaso com a Educação e com os professores; com a decadente Saúde que nos é oferecida…
Vamos mostrar toda a nossa insatisfação com a mentira, com a fofoca, com as falhas de caráter e com a hipocrisia de muitos…
Discriminar os mais fracos, os mais frágeis? Fica fácil demais. Quero ver o mesmo comportamento aplicado aos mais fortes, aos que se impõem pelo dinheiro e pelo medo…
Seria bom se mostrássemos a nossa incomplacência com os pais que abandonam os filhos, com os filhos que não socorrem os pais, com aqueles que maltratam os idosos, com aqueles que nos oprimem, com os que nos sufocam, nos marginalizam, com os que fazem mau uso do nosso voto e tentam roubar a nossa cidadania, com os que nos tratam como lixo ao nos negar acessibilidade, moradia digna, respeito, prato cheio de boa comida à mesa, com os que nos alijam dos bons postos de trabalho e dos bons salários… Seria inteligentemente aplicada a nossa rigidez com os que insistem, governo após governo, em nos propiciar um dos piores Índices de Desenvolvimento Humano do planeta.
Usemos a nossa intolerância para coibir os intolerantes acéfalos!
Já passou da hora de o Homem alcançar um estágio civilizatório que lhe permita conviver com as diferenças, com a diversidade de gênero, de classe, de etnia, de ideologia, de religião! Já passou da hora de olharmos para a História e vermos o quanto de dor, de morte e de sofrimento, a Intolerância humana provocou. Já passou da hora de superamos o medo do diferente, o temor insano que demonstramos com aquilo que não conhecemos, com aquilo de que discordamos, e passarmos todos a aceitar o outro, embora diferente, e reconhecer seu direito à vida digna, à liberdade, e à felicidade. Parar de condenar o outro por suas opiniões e modo de vida, e reconhecer, finalmente, que embora diferentes, somos todos Iguais!
A Glória da Criação está na diversidade de suas formas e na maneira como as diferenças se combinam, formando uma diversidade complexa e bela, a provar a maravilha da Obra Divina!
- Eugênio Maria Gomes é professor e pró-reitor de Administração da Unec. É membro da ACL – Academia Caratinguense de Letras e da ALTO – Academia de Letras de Teófilo Otoni. É Grande Secretário de Educação e Cultura do GOB-MG, membro da Loja Maçônica Obreiros de Caratinga, do Lions Itaúna e do MAC – Movimento Amigos de Caratinga.