* MONIR ALI SAYGLI
Era uma bonita manhã de terça-feira, precisamente no dia 24 de maio de 2016 – um mês cheio de surpresas para mim.
Eu estava à porta do meu escritório, bem próximo da rua, fazendo um atendimento de rotina.
De repente, ouvi o toque de uma viola desafinada, motivando o dirigir do meu olhar para o local de onde partia o desagradável som.
Fiquei com o coração partido, talvez em situação pior do que o próprio instrumento que, de princípio, me fazia rir.
Eu vi um pobre cego pedindo uma esmola, cantando algo improvisado, em agradecimento pelo centavo recebido de certa pessoa.
Era um senhor alto e forte, contando, talvez, uns 70 anos de idade, cabelos brancos e bigode longo – também branco. – Sua face morena escura é que lhe dava uma jovialidade que não tinha, pois, por certo, sofreu uma vida inteira, sempre mendigando de porta em porta, com uma canção nos lábios.
Ao lado de sua viola rouca, e gasta pelo uso, estava a sua outra companheira: uma velhinha magra e menos idosa que se encarregava da arrecadação das esmolas.
Ambos usavam roupas modestas, porém limpas – como limpas são suas almas.
O velho, com o chapéu desbotado, semelhante ao lenço que sua companheira trazia na cabeça, parecia-me o portador de uma mensagem.
Tive pena do pobre coitado, que começou a ser rodeado pelos populares, principalmente crianças inocentes, puras e alegres.
Imediatamente, solicitei a um colega de trabalho o obséquio de apanhar uma quantia e entregá-la ao caminheiro, momento em que interrompeu o canto.
Mas o que lhe dei provocou um canto de agradecimento que mais ainda me comoveu. Fiquei aéreo, distraído e não vi quando o casal feliz deixou o local em que se encontrava e prosseguiu na sua peregrinação. Fiquei triste por não ter lhe falado, perguntado de onde veio, para onde ia, se tinha fome ou sede, se queria se encostar um pouco para descansar.
Depois fiquei a meditar, se não seria um enviado de Deus, um anjo bom que anunciava uma felicidade para todos nós.
Será que o seu sofrimento não seria o suficiente para me mostrar o quanto eu sou feliz?
Fiquei na dúvida, prossegui a minha vida, mas jamais esquecerei aquela face que aparentava bondade.
Que ele seja feliz na sua tarefa e continue cumprindo a determinação do Senhor – até que volte ao Céu, local de onde, por certo, ele veio.
Poucas horas depois, preocupado com um acontecimento pessoal, e chegando ao trabalho para cumprir a última tarefa do dia, deparei-me com diversas pessoas que me aguardavam.
Uma delas me disse: “Sr. Monir, quando o senhor desocupar tenho algo particular a lhe dizer”.
Imediatamente, caminhei ao seu encontro e ele retrucou: “não, pode atender os outros, eu . . ., eu espero”.
Diante de sua insistência, atendi os demais – o que me custou algum tempo.
Depois, procurei novamente aquele tipo franzino e alegre, com a alma estampada na face sofrida e mal cuidada – quase transparecendo uma debilidade.
Falamos e ele me explicou a sua situação. Queria a colaboração de meus colegas de trabalho que deveriam reunir-se para lhe dar algum dinheiro para que o mesmo pudesse tratar de sua saúde – a exemplo do que aconteceu na sua visita anterior a outro estabelecimento.
Tratava-se de um pobre leproso que exibiu suas mãos deformadas pela doença e que me disse: “não dói, pode cortar para o senhor ver”.
Meu coração mais uma vez se partiu, meus olhos se encheram de lágrimas e ele sorria despreocupado. Era mais um que não lamentava a sua sorte.
Dei-lhe o que pediu e a liberdade de pedir aos meus colegas. Entretanto ele não pediu. Agradeceu-me e partiu. Partiu para, talvez, nunca mais nos encontrarmos.
Será que ele irá se curar? Será que ainda o verei verdadeiramente feliz? Essas perguntas ficarão em mim para sempre.
Sei que a minha contribuição não o ajudará muito, porque foi pouca. Mas minhas orações, sim, porque sempre me lembrarei do seu sorriso com aquela falha de dente, da sua satisfação, da sua terrível doença. Ah, vida, vida, por que uns tão fortes e outros tão fracos? Por que uns tão livres e outros tão oprimidos?
Esse é um mistério que jamais descobriremos, pois é obra do Criador de todas as coisas.
Ao primeiro, o cego, dei uma esmola; ao segundo, o leproso, um auxílio. A quem ajudei mais, a um ou a outro ou, quem sabe, a mim mesmo? Espero que a eles, pois cumprem, satisfeitos, o que Deus lhes destinou, e precisam do nosso apoio.
Eu, que vivo a reclamar, jamais poderia comparar a nossa personalidade, a nossa resignação, o nosso caráter. Eles são bons e eu nada valho.
Um dia, quem sabe, serei como um deles e poderei ser útil ao meu semelhante, confortando-o como aqueles me confortaram.
É uma condição de vida e temos de vivê-la. É a felicidade que desconhecemos e temos de sentir. Eles muito me deram e espero poder também contribuir com outrem.
Acho que, aos poucos, a vida vai nos ensinando as coisas. Vivemos nos aborrecendo com as pequenas coisas que nos acontecem e não notamos que todos os dias, em todos os momentos, nos deparamos com um “cego” ou um “leproso”. – Nós é que não procuramos vê-los ou que procuramos não vê-los, como se não fossem gente como a gente, filhos do mesmo Pai – que tudo nos dá, embora sejamos indignos e cruéis, incapazes do reconhecimento da dor alheia e muito menos de uma resignação pelo próprio sofrimento.
Um dia, quem sabe, seremos como eles . . .
MONIR ALI SAYGLI
Professor do Centro Universitário de Caratinga e Assessor Jurídico da FUNEC
Um comentário
LOURDES
MUITO OBRIGADO SR MUNIR,É O QUE EU PRECISO PRA HOJE…..