Eugênio Maria Gomes
No início do Século XIV, o italiano Dante Alighiere escreveu uma das mais importantes e ricas obras da literatura mundial. A obra alterou profunda e permanentemente o pensamento humano, marcando, para sempre, com suas alegorias sobre o céu e o inferno, a cultura cristã. Tudo o que imaginamos sobre esses “lugares” não tem literalmente fundamento bíblico, como muitos pensam. As imagens que insistem em aparecer em nossos sonhos e pesadelos, nos filmes de terror, nas novelas, enfim, em quase todas as expressões do intelecto e das emoções do homem ocidental, são encontradas e descritas na Divina Commedia.
Trata-se de um dos maiores poemas do Ocidente. Extremamente complexo, de uma riqueza literária imensa. É um Épico. Uma obra filosófica, cujas alegorias o tornam atemporal.
Botticelli, um dos maiores pintores italianos, imortalizou, no Inferno de Dante, as imagens assustadoras que povoam o nosso imaginário. Na cosmovisão de Dante, o Inferno se divide em nove círculos, que também são estratificados, e cada segmento é reservado a um tipo de pecado e a um tipo de pecador. O quinto fosso do oitavo círculo é reservado aos corruptos. É o local destinado àqueles que desviaram o dinheiro público deixando as populações sem atendimento médico, merenda escolar e saneamento básico, entregues à própria sorte.
É a Vala dos corruptos. Nela, os corruptos estão submergidos em um piche fervente e os que tentam ficar com a cabeça acima do caldo negro são atingidos por flechas atiradas por demônios. Obviamente, trata-se de uma alegoria e não proporíamos o lançamento de corruptos num lago em chamas, na atualidade. Todavia, ao vermos, estarrecidos, a atual quadra histórica por que passa nosso amado país, não podemos evitar que nasça em nossa alma, um lampejo de profunda vergonha, imensa dor, e tremenda ira…
A corrupção, endêmica, generalizada, descarada que hoje se vê claramente como marca indelével da política e do cotidiano brasileiros é a causa maior, não a única, mas a maior, do flagelo cotidiano que se instalou nesse recanto privilegiado do mundo. Terra onde tudo cresce. Abençoada. Bonita por natureza. Mas, que hoje sofre de doenças medievais, cujos trabalhadores não têm trabalho, suas escolas não têm carteiras e seus lares não têm banheiros…
Metade dos domicílios brasileiros não é servida por coleta de esgoto. Não possui serviço de coleta regular de lixo. A apenas 18 quilômetros de um grande porto do Estado do Maranhão, há um povoado de 5.000 famílias acometidas por um surto de sífilis e que, sem acesso à energia elétrica ou sistema de esgoto, não sabiam até há pouco tempo o que era uma escova de dentes. Um estado governado há cinqüenta anos pela família Sarney. Estão no século XV… Bem próximos de Dante!.
Toda essa triste realidade que hoje frequenta cotidianamente os noticiários e que pode ser vista a olho nu, bastando para tanto que circulemos por meia hora em qualquer rua desse país, tem suas raízes na corrupção avassaladora que se instalou entre nós. Sem que percebêssemos, os pequenos atos de corrupção que praticamos no dia a dia, acabaram por fazer parte do modo de vida de nossa gente. E hoje, os grandes escândalos palacianos, apenas refletem um mal, que existe, infelizmente, em quase todos os nossos patrícios.
Ocorre, no entanto, que os pequenos atos que praticamos no dia a dia, que embora pequenos, merecem reprimenda e castigo, não se comparam ao que foi feito com a República, a ponto de terem jogado o país num círculo de tal degradação moral, social, política e econômica que pode ter consequências incalculáveis.
Estamos sós. O povo brasileiro está só, nessa cruzada. Não há salvadores da Pátria.
Caberá a nós, fazermos uma profunda reflexão e implementar uma revolução ética nesse país. Sem essa verdadeira revolução moral, onde possamos definitivamente nos tornar refratários ao que é desonesto, recusando aquilo que não nos pertence, nos portando com probidade e retidão é que poderemos evitar o pior dos mundos: a ruptura violenta do pacto social brasileiro!
“Ó, Vós que entrais, abandonai toda a esperança”. Essa é a inscrição do portal do Inferno da Divina Comédia!
Porém, o Épico se chama Comédia, justamente porque, ao contrário da Tragédia, ele tem um bom final. Um final onde Dante alcança o Paraíso e vai ao encontro de Deus! Não podemos, portanto, ceder ao comodismo e à omissão ao que nos rodeia nesse momento. Precisamos fazer a nossa parte.
O próprio Dante nos lembra que “Os lugares mais quentes do inferno são destinados aos que, em tempo de grandes crises, mantêm-se neutros”. Façamos, então, a nossa escolha…
* Eugênio Maria Gomes é escritor, professor e pró-reitor de Administração da Unec. Grande Secretário de Educação e Cultura do GOB-MG. Membro das Academias de Letras de Caratinga e Teófilo Otoni e do Núcleo de Escritores e Artistas de Buenos Aires.