*Cléscio Galvão
De formação católica, desde cedo fui iniciado nos mistérios da divindade. Aprendi que os bons vão para o céu e os maus para o inferno. Ensinaram-me que Deus fez o homem qual sua imagem e semelhança, a partir de um naco de barro. Do homem tirou uma costela e fez a mulher. Aprendi que as coisas são assim, porque são assim, não caberia a mim questioná-las, somente aceitá-las e defendê-las. Afinal, o Deus que me foi apresentado era superior aos outros. Seria Ele o Deus original, o verdadeiro. Assim fui alfabetizado. Não obstante, a ciência me desafiava. Ciência feita pelos homens mortais. Ciência d’Ele. Afinal, Ele é o grande criador.
Desde cedo compreendi que tudo era relativo. Não haveria certo ou errado. Bom ou mau. Tudo era questão de interpretação e representação verbal. Obra de Deus. Dicotomia divina. Percebi a dualidade. Para entender a luz, de pronto negava as trevas. Para aceitar o alto, haveria de estar recusando o baixo. Para admitir o belo, relegaria o feio. Nossa compreensão assim se expressa. Somos limitados pela dicotomia divina. Pela dualidade. Não existimos sem a negação. Qualquer afirmação, só prevalece ante a sua antítese, qual seja, a negação.
O tempo passou e em novas fontes fui me saciar. A sede implacável de questionamentos me ansiava. Muitas explicações faltavam ou estavam incompletas. Por respostas eu buscava. Ele, o meu Deus, sempre presente, não mais, melhor ou pior que o Deus dos outros, mas o único Deus, permitiu que fosse me dada a intuição, creio eu. Compreendi, pela luz da revelação, que somos o que somos e senhores do que seremos. Tudo depende de nós e de como nos relacionamos com a dicotomia do Criador.
Nesta existência e neste mundo, somos escravos da dualidade, da dicotomia divina. Não existimos em outra forma, senão pela representação verbal, pelo conflito entre a tese a antítese. Desta forma, é simples compreender que não existe céu e inferno; que não existe alto e baixo; que não existe feio e belo. Tudo é relativo e criado a partir de nossas concepções. O pensamento é a força motriz de tudo. Tudo será como queremos que seja.
Nesse diapasão é mais fácil aceitar e levar a vida. Hoje, não tenho medo do inferno e não aspiro ao céu. Simplesmente, vivo a vida. Curto cada minuto e dou graças a Ele pela oportunidade de me permitir experimentar. De vivenciar. De dar-Lhe a sensação das emoções, quaisquer que sejam elas. Compreendi que não serei julgado, a não ser por mim mesmo, pela minha consciência.
Não obstante a dicotomia divina, pautada na dualidade de conceitos – na tese e na antítese, reverbera o modelo singelo pregado por Ele, o Cristo de todos. A lei maior. A lei do amor. Regente suprema de todos os conceitos e pré-conceitos. O fiel da balança da consciência. Não é necessário ninguém dizer o que é certo ou errado – espelho da dualidade. Basta, simplesmente, se deixar levar pela lei do amor, que o caminho se clareará e a decisão acertada resplandecerá.
Seres inferiores que somos, ainda no pré-sal da evolução, necessitamos da dualidade para existirmos. No entanto, Ele, nosso regente maior, o Grande Arquiteto do Universo, o olho que tudo vê e a consciência que tudo sabe, não nos abandona. Afinal, das primeiras lições, uma foi acertada, somos todos filhos d’Ele. Deu-nos Ele o principado da lei do amor. Cabe a nós captarmos essa mensagem e seguir o caminho. A luz é prometida a todos. Longo e tenebroso é o caminho, mas a luz é certeza. Confiemos n’Ele. A dualidade é realidade, mas não a matriz. Ele sim é a matriz. Compreendida a dualidade, pautada na sua dicotomia, aflora a realidade. Nada mais, nada menos. Busquemos eternamente a felicidade conceitual. Essa é nossa meta espiritual. Sejamos todos felizes.
CLÉSCIO GALVÃO é advogado e empresário, membro da Academia Maçônica de Letras do Leste de Minas e da Loja Maçônica General José Maria Moreira Guimarães, 1ª, sediada em Belo Horizonte.