Margareth Maciel de Almeida Santos
Doutora em Sociologia Política (IUPERJ)
Membro do Instituto Nacional dos Advogados do Brasil (IAB-RJ)
Eu li uma matéria que foi bastante divulgada por meio das mídias sobre os ministros do Supremo Tribunal Federal aprovarem a possibilidade de anular decisões finais em questões tributárias. Fiquei muito curiosa pois se trata de um novo entendimento sobre as questões tributárias por parte da Corte (STF), que aprovaram a possibilidade de que ações que tratem de pagamento de impostos podem ser revistas. E aí surgiu minha dúvida porque mesmo que a empresa contribuinte tenha saído vitoriosa em todas as instâncias do judiciário, haveria uma possibilidade de revisão.
Nesse sentido dando continuidade a segunda parte da entrevista que fiz com a minha filha Gabriela Maciel Duarte Santos especialista sobre temas tributários, achei interessante ver um pouco desse assunto, ou seja, sobre o Supremo Tribunal Federal e esse julgamento muito recente que pode ter impacto na vida dos contribuintes.
Vamos a entrevista.
Margareth: Gabriela, gostaria que você começasse falando um pouco sobre o Supremo Tribunal Federal e sobre a forma como as decisões são tomadas pela Corte.
Gabriela: Muito obrigada novamente pelo convite, mais uma vez é um prazer estar aqui. O Supremo Tribunal Federal é a instância máxima do poder judiciário brasileiro e que tem a palavra final sobre as questões que envolvem a Constituição Federal.
O STF é composto por 11 Ministros, escolhidos pelo Presidente da República, dentre cidadãos com mais de 35 anos e menos de 65 anos de idade, de notável saber jurídico e reputação ilibada. Ou seja, o primeiro requisito é mais objetivo (idade), mas o segundo e o terceiro são bastante subjetivos (saber jurídico e reputação ilibada), o que dá bastante liberdade para a escolha do Presidente.
Dos 11 Ministros da Corte, um deles é o Presidente, enquanto os outros 10 Ministros são divididos em duas turmas de 5 Ministros cada (a Primeira e a Segunda Turma). Sendo assim, dependendo do tema, tipo de ação e distribuição processual, as decisões podem ser tomadas individualmente por cada Ministro; por cada uma das turmas ou pelo Plenário do STF, composto por todos os 11 Ministros.
Por ser a instância máxima do judiciário, não cabe qualquer recurso sobre as matérias decididas pela Corte. Sendo assim, as decisões devem ser tomadas com muito cuidado, ou seja, deveriam ser tomadas depois de uma análise bastante cuidadosa de cada caso e com bastante discussão entre os Ministros.
Margareth: Você entende que existem pontos que precisam ser melhorados na forma de decidir do STF?
Gabriela: Acredito que sim. O STF é uma Corte que deve ser muito respeitada e que julga casos de muita importância com impactos em todo o país, seja em âmbito penal, ambiental, tributário, dentre outros. As decisões proferidas pelo STF, em sua maioria das vezes, são boas. Contudo, é claro, existem decisões que, a meu ver, não foram tão boas, principalmente em âmbito tributário.
Acredito que um dos principais pontos que precisa ser trabalhado no Supremo Tribunal Federal é a forma de deliberação. Quando os problemas são complexos, as ideias individuais precisam ser compartilhadas. É preciso uma intensa troca de argumentos para que o melhor resultado seja alcançado.
O objetivo da deliberação é compartilhar informações para criar as condições ideais para decidir os casos da melhor forma possível. Nesse sentido, os participantes da deliberação devem ser capazes de trabalhar em equipe, estar dispostos a ouvir e levar a sério os argumentos dos outros desejando, sempre que possível, alcançar uma decisão consensual.
Infelizmente não vemos muita discussão na tomada de decisão no STF, sendo os casos decididos, muitas vezes, de uma forma bastante individualista. É claro que precisamos pensar que são milhares os processos que são julgados pela Suprema Corte (hoje estão pendentes de julgamento mais 25 mil processos) e que nem sempre será possível debater todos eles.
Contudo, mesmo assim, hoje, da forma como ocorre, não é o ideal. E, infelizmente, essa forma de deliberação se tornou ainda mais difícil com a instituição do Plenário Virtual em 2020.
Margareth: O que seria exatamente o Plenário virtual?
Gabriela: O Plenário Virtual é um instrumento criado para permitir que os Ministros julguem os casos de forma eletrônica. Ou seja, ao invés dos Ministros se reunirem fisicamente no STF, os julgamentos podem ser feitos através do próprio site do Supremo.
Esse instrumento existe desde 2016, mas ele era muito pouco usado e servia para julgar casos muito específicos. Contudo, desde março de 2020, com a Pandemia do COVID-19, o Plenário Virtual do STF passou a ter competência para julgar qualquer classe processual. Ou seja, o Plenário Virtual era um processo que estava em curso e seu crescimento foi bastante acelerado pela pandemia.
A lógica do Plenário Virtual é bastante simples: o processo é incluído em pauta no site do STF e o julgamento se estende por sete dias. Ao longo desse período, o Ministro Relator disponibiliza seu voto online. Os outros Ministros, após a disponibilização do voto do Relator informam, também online, se acompanham o entendimento do Relator ou se divergem desse entendimento. A disponibilização do voto pelos outros 10 Ministros é opcional.
Como se vê, o Ministro acessa o Plenário Virtual para verificar quais são os processos que precisam de decisão e então vota, simplesmente acompanhando o relator ou não. Sozinho, sem qualquer troca de argumentos com os outros julgadores – o que, a meu ver, não é bom para a tomada de decisão.
É claro que esse Plenário Virtual tem lados muito bons, pois permitiu que o STF continuasse julgando casos mesmo na pandemia. Contudo, entendo que hoje, o Plenário Virtual está sendo usado de forma exagerada, o que está influindo na qualidade das decisões tomadas pela corte.
Margareth: Sobre a qualidade das decisões, gostaria que você falasse um pouco da recente decisão do STF que vai permitir que a União, os Estados e os Municípios cobrem dívidas tributárias do passado, mesmo que a pessoa já tenha uma decisão definitiva a seu favor no judiciário.
Gabriela: Esse caso, curiosamente, não foi decidido no Plenário Virtual, contudo, é uma decisão que entendo ser equivocada. A repercussão está sendo tão grande que vários sites e jornais estão debatendo o tema (https://oglobo.globo.com/economia/noticia/2023/02/decisao-do-stf-abre-debate-sobre-coisa-julgada-entenda-a-questao.ghtml).
O julgamento aconteceu no dia 08.02.2023 e, basicamente, o STF disse que uma decisão definitiva sobre tributos perde seus efeitos caso a Suprema Corte se pronuncie em sentido contrário.
Ou seja, o STF entendeu que uma decisão proferida pelos Tribunais Brasileiros que considerar determinado tributo inválido perde sua eficácia após o STF analisar o tema e decidir que aquele tributo, na verdade, é valido. Isso faz com que a retomada do pagamento seja obrigatória, mesmo para os contribuintes que já tenham decisões definitivas desobrigando o recolhimento.
Para ficar mais claro, vou dar um exemplo.
Suponhamos que você, Margareth, tenha uma empresa de prestação de vários serviços, a Margareth Maciel Ltda. Por ser prestadora de serviços, todo o mês você recolhe vários tributos aos cofres públicos, dentre eles, o Imposto sobre Serviços (ISS) para a Prefeitura de Caratinga.
Depois de recolher ISS por vários meses, você decide procurar um advogado para entender se aquele recolhimento todo estaria correto. O advogado, estudando os serviços prestados pela sua empresa, diz que sobre o serviço X não deveria incidir o ISS e propõe entrar com uma ação judicial para discutir essa cobrança.
Você topa. Vocês entram com a ação e ganham. Então, a partir daquele momento, a empresa não precisa mais recolher ISS sobre o serviço X, pois agora ela tem uma decisão definitiva favorável dizendo justamente isso.
Ocorre que, anos depois, a discussão sobre se o serviço X deve ou não ser tributado pelo ISS chega ao STF. E, infelizmente, o STF decide que sim, o serviço X deve ser tributado pelo ISS. Ou seja, o STF diz que essa cobrança sobre esse serviço é, na verdade, constitucional.
Então, a empresa Margareth Maciel Ltda. que estava há anos prestando o serviço X sem recolher o ISS, deverá voltar a pagar o tributo, apesar de ter “brigado” na justiça por anos e ganhado a ação.
Foi justamente isso que o STF decidiu: a perda de efeitos de uma decisão definitiva (transitada em julgado, sem possibilidade de recurso), caso o Supremo tome uma decisão contrária. Vale dizer que o caso julgado pelo Supremo era sobre Contribuição sobre o Lucro Líquido (CSLL); contudo, entendo que essa decisão poderá sim ter impacto em outros tributos.
Como se vê, essa decisão causa muita insegurança.
Isso porque, aquele contribuinte que tinha uma decisão definitiva dizendo que ele não deveria pagar aquele tributo, vai estruturar toda a operação com base nessa decisão, confiando que ela seria para sempre. Contudo, com esse novo julgamento, tudo pode mudar.
Margareth: Para terminar nossa entrevista, qual o recado você deixa para as pessoas?
Gabriela: Conforme disse na última entrevista, a arrecadação tributária é extremamente importante, pois é através dos tributos pagos pela sociedade que a União, Estados e Municípios passam a ter recursos para prestar os serviços públicos que tanto dependemos. Pensem na cidade de Caratinga asfaltada, nas UPAs funcionando, nos colégios públicos cheio de alunos – isso tudo só é possível através do pagamento de tributos.
Contudo, deixo novamente meu alerta de que o sistema tributário é muito complexo e, como vimos, não envolve apenas leis, mas também decisões proferidas pelo STF que podem ter impactos na vida de todos.
Agradeço a oportunidade mais uma vez a você Gabriela, pela contribuição e entendo que a medida realmente é benéfica para Receita Federal em detrimento dos contribuintes Se confirmadas as dívidas federais, estaduais e municipais, após as ações serem retomadas, haverá sem dúvida um impacto do ponto de vista econômico, mas que por outro lado entendemos que são os impostos pagos pelos contribuintes que possibilitam as aposentadorias, uma melhor educação, transportes públicos e a segurança que hoje se encontra em um estado de vulnerabilidade .