“Encontrei nos livros o meu lugar no mundo”, conta Daniel Dornelas
SANTA BÁRBARA DO LESTE – Neste 25 de julho é comemorado o Dia Nacional do Escritor. A data foi escolhida pelo ex-ministro da Educação e Cultura Pedro Paulo Penido, em 1960, para homenagear escritoras e escritores brasileiros. A escolha dessa data deve-se à realização do I Festival do Escritor Brasileiro, patrocinado pela União Brasileira de Escritores (UBE), que ocorreu em 25 de julho de 1960.
Sabemos que Caratinga e região tem grandes escritores, sendo muitos deles de renome nacional. Mas para celebrar essa data, o DIÁRIO entrevista alguém da nova geração. Daniel Dornelas tem 19 anos. Ele reside em Santa Bárbara do Leste e estuda Medicina no Centro Universitário de Caratinga – UNEC.
Daniel Dornelas já é premiado, participou de antologias e seu trabalho cresce em reconhecimento a cada dia. Nessa entrevista, o escritor conta sobre seu contato com a literatura e afirma que encontrou nos livros o seu lugar no mundo. Também fala de seu gosto literário e revela sua maior satisfação: mudar o mundo, uma página de cada vez.
Como teve início seu apreço pela leitura?
Eu cresci na área rural de Santa Bárbara do Leste, um lugar que valoriza muito as histórias contadas pelas pessoas mais velhas. Era ouvindo meus avós que eu aprendia sobre a vida. Quando entrei na escola, descobri a biblioteca e encontrei nos livros o meu lugar no mundo. Um lugar com um número infinito de histórias que me interessavam tanto quanto as que meus familiares contavam, mas que eu poderia ler quando quisesse. Passei pelos clássicos infantis, li Ziraldo, Maurício de Sousa, Marilene Godinho e, graças ao incentivo dos meus pais e professores, nunca abandonei meus amigos de papel.
E em relação à escrever, quando começou?
Na infância, eu já amava a possibilidade de criar personagens e contar suas histórias através de desenhos e descrições simples. Brincar com papel e caneta era minha diversão favorita. No início da adolescência eu comecei a escrever como um desabafo. Eu queria falar sobre a minha vida e o que eu sentia, mesmo que não fosse mostrar os escritos para ninguém. Colocar os pensamentos no papel sempre deixou minha mente mais leve. Além disso, eu procurava histórias e personagens parecidos com meu irmão gêmeo. Raramente encontrava, por isso, comecei a escrever as minhas próprias histórias com pessoas com deficiência.
E na escola, como foi seu contato com a literatura?
Estudei em duas escolas que tinham em comum o objetivo de incentivar a leitura. No ensino fundamental, minhas professoras sempre diziam que ler seria importante para que eu avançasse nos estudos. Elas conversavam sobre livros, separavam momentos para a turma visitar a biblioteca e pediam que os alunos resumissem as histórias que liam. Assim surgiu o meu primeiro convívio com pessoas que liam livros e falavam sobre eles. Com o passar dos anos, esse meu amor pela leitura foi valorizado por todos os professores e fui incentivado a seguir em frente. Costumo dizer que a educação transformou a minha vida porque foi na escola que aprendi o caminho para a realização dos meus sonhos. Quase dois anos depois de ter concluído o Ensino Médio, algumas professoras ainda leem em primeira mão os meus textos. São pessoas importantes para mim.
Em relação ao que você escrevia, como foi a reação de familiares e amigos?
Eu só disse que realmente gostava de escrever quando uma editora me ofereceu uma participação em uma antologia de contos. Na época, eu tinha quinze anos e já publicava resenhas de livros na internet. Muitos autores e editoras tinham interesse em divulgar seus livros na minha página do Instagram e no meu blog. Contei aos meus pais, expliquei que seria uma publicação tradicional e escrevi o texto que se tornou meu primeiro conto publicado. Quando o livro ficou pronto, meus familiares e amigos conheceram o meu lado escritor. Alguns acharam loucura, outros me apoiaram e disseram que eu tinha talento.
Agora o seu lado escritor, de onde vem sua inspiração?
A minha inspiração vem de experiências cotidianas, de fatos que vivo e principalmente de conversas. Na Medicina tenho contato com muitas histórias emocionantes, elas servem de mote para a criação de crônicas e personagens. Além disso, sou o tipo de pessoa que anda pela rua, presencia uma situação e logo pensa que poderia escrever um livro sobre ela.
Você costuma ser muito pessoal em seus artigos e contos?
Sim, eu acredito que a leitura é o contato mais íntimo entre duas pessoas. O escritor entrega muito de si em um texto e o leitor relaciona o que leu com a sua experiência de vida. Qualquer texto que eu venha a produzir terá algum traço de quem eu sou ou de alguma experiência que já vivi.
Pretende escrever romances?
Publicar um romance é uma das minhas metas para os próximos anos. Quero levar aos leitores uma história contemporânea que faça diferença em suas vidas, com uma escrita simples e agradável. Estou estudando para realizar esse sonho da melhor forma possível.
É muito exigente consigo na hora de escrever?
Eu sou perfeccionista, às vezes isso me atrapalha. Levo um bom tempo para dizer que o texto está pronto para ser lido por outras pessoas. Mesmo assim, sempre tenho uma crítica sobre algo que já publiquei.
De que maneira evoluiu seu gosto literário? Quais autores a criança Daniel gostava e quais autores que o jovem Daniel gosta?
Eu mudei muito. Antes, não me aventurava em obras de não ficção. Eu lia principalmente autores estrangeiros como J.K. Rowling e John Green. Hoje, meu foco está em livros com temáticas sociais e políticas, mas não deixei de amar ficção. Pelo contrário, descobri autores como Margaret Atwood e Guimarães Rosa que criaram histórias capazes de me ensinar muitas coisas. Também sou encantado pelo trabalho de Daniela Arbex, Matheus Leitão, Júlia Rocha e Alexandre Coimbra Amaral.
Fazendo um link com a pergunta anterior, você se inspirou em algum autor ou forma de escrita?
Sim, um dos meus autores favoritos é João Guimarães Rosa. Ele é prova de que ninguém é uma coisa só: foi médico, diplomata, contista, poeta, romancista e novelista. Um verdadeiro gênio. Sua escrita é única e irreverente.
E seu livro favorito, qual é e por quê?
Um dos meus livros favoritos é “Sagarana” de João Guimarães Rosa. Trata-se de uma coletânea de contos muito original, do título ao desenvolvimento dos personagens. O autor escreveu um livro realmente admirável!
Exceto literatura, o que você consome no mundo da arte? Quais são suas outras referências?
Músicas, documentários, filmes e séries são as minhas formas de lazer além das páginas de livros. Consequentemente, são referências para a minha produção literária. Inclusive, a ideia para escrever “O Incontrolável do 202”, meu último conto publicado, surgiu após assistir a série “Atypical”, que retrata a vida de um jovem com diagnóstico dentro do Transtorno do Espectro Autista.
Você já participou de coletâneas de contos. Como foi essa experiência?
Já participei de cinco antologias de contos e escrevi sobre diversas temáticas. A maioria dos meus protagonistas são pessoas com deficiência, mesmo que essa característica não seja o foco da história. Com essas publicações, além de aprender sobre a indústria do livro e conquistar leitores, pude participar da Bienal do Livro de 2019, no Rio de Janeiro. O lançamento de “Inquebrável” se destacou e levou centenas de leitores ao espaço da editora. Durante a viagem também pude conhecer escritores que admiro como Ruy Castro e Maurício de Sousa.
Qual a importância de prêmios literários para o reconhecimento e o lançamento de novos escritores no mercado editorial? Você poderia nos contar qual foi seu primeiro prêmio recebido?
Prêmios literários são capazes de transformar a vida de um escritor. O Brasil está acompanhando o nascimento de um novo clássico da literatura: “Torto Arado”. O livro de Itamar Vieira Junior recebeu o prêmio LeYa (2018), Jabuti (2020) e Oceanos (2020). Tais premiações projetaram a obra no mercado editorial e fizeram dela um verdadeiro sucesso de vendas.
O primeiro prêmio que recebi foi o Destaque do Ano na categoria Literatura, em 2018 pelo Diário de Caratinga. No ano seguinte, fui premiado na Assembleia Legislativa de Minas Gerais pela produção de um texto dissertativo sobre o poder da educação no combate à violência contra a mulher. Essas premiações permitiram que mais pessoas conhecessem o meu trabalho como escritor e produtor de conteúdo.
O mercado editorial tem suas exigências e foi modificado pela internet. Existe a parte de escrever, mas depois do livro pronto, é complicado lançá-lo?
Nunca foi tão fácil publicar um livro. Existem plataformas de autopublicação como o Kindle Direct Publishing (KDP) que disponibilizam livros digitais em uma das maiores lojas online do mundo. Há também a possibilidade de imprimir a obra sob demanda. No entanto, milhares de livros são lançados todos os meses. O maior desafio do escritor contemporâneo é chamar a atenção dos leitores e provar que vale a pena investir tempo e dinheiro na sua história. Hoje, para fazer sucesso o escritor precisa usar a internet a seu favor.
Como avalia o papel da Internet e das novas plataformas para livros digitais?
As comunidades literárias reúnem milhares de pessoas no YouTube, Instagram e também no TikTok. Elas chegaram para mudar de vez o mercado do livro. A grande maioria dos leitores leva em consideração as opiniões dos influenciadores digitais. Por essa razão, vários livros que aparecem frequentemente no “feed” vão parar na lista de mais vendidos da Veja. Se a obra estiver disponível em formato digital, imediatamente o escritor conquista novos leitores. Nem só de danças, piadas ou desafios vivem as redes sociais. Hoje, a galera que liga a câmera e fala sobre livros movimenta o mercado literário.
Como você encara o desafio de ser escritor no Brasil?
O meu maior objetivo com a escrita é ajudar pessoas através dos meus livros e artigos. Esse objetivo está alinhado com a minha caminhada fora da literatura, sendo assim, eu me preparo todos os dias para superar os desafios da carreira. Além de ler muito e exercitar a escrita, é preciso conhecer a indústria do livro, entender o mercado e formar um público disposto a ler minhas obras. De fato, é um grande desafio, mas a companhia de pessoas que acreditam no meu sonho faz com que a jornada seja mais leve.
O que lhe dá mais satisfação: ler ou escrever?
Todo bom escritor é, antes de tudo, um bom leitor. Seria impossível chegar até aqui sem a leitura. No entanto, a sensação de ser lido é uma das melhores que experimentei na minha vida. É maravilhoso receber mensagens de pessoas que se identificaram com meus personagens ou foram tocadas por alguma frase de minha autoria. De vez em quando um leitor encontra um jornal enquanto aguarda por um atendimento médico, lê minha crônica e me envia uma foto no Instagram ou no Facebook para dizer que meu texto provocou uma reflexão. Tudo o que as pessoas me dizem quando leem algo criado por mim faz com que eu me sinta útil. Essa é a minha maior satisfação: mudar o mundo, uma página de cada vez.