O DIÁRIO DE CARATINGA pretendia fazer uma avaliação da saúde nos últimos 20 anos, a partir de entrevista com Iônio de Souza, mas para o cirurgião geral, ginecologista e obstetra Iônio de Souza, o assunto precisaria ser abordado desde 1964, ano em que chegou a Caratinga.
Doutor Souza conhece como poucos essa área. Ele foi diretor da Casa de Saúde e exerceu o cargo de secretário municipal de Saúde. Para doutor Souza, os problemas de saúde não são coisa para se resolver construindo hospitais e ambulatórios, “o difícil é colocar pra funcionar esses equipamentos de maneira satisfatória”.
DIÁRIO DE CARATINGA – O que mudou na saúde nesses 20 anos?
Eu estou em Caratinga desde a época da Revolução de 64. Nessa época, Caratinga possuía um total de onze médicos, hoje tem mais de 200. Praticamente só havia um hospital que funcionava, o Nossa Senhora Auxiliadora, que contava com 26 leitos. Era o início da Casa de Saúde. Estavam tentando uma reforma, mas praticamente estava sem funcionar. O setor de saúde foi se estruturando aos poucos. Eu e outros médicos, como os doutores Grimaldo Barros e Eduardo Daladier, atendíamos voluntariamente no Hospital Nossa Senhora Auxiliadora. Fazíamos cirurgia, tratava casos ginecológicos, era todo tipo de atendimento. Nessa época, não havia instituto nenhum. Para todos os procedimentos, inclusive os primeiros casos de cirurgia de tireoide da região, utilizávamos anestesia local, não havia um anestesista na cidade. Em questão de laboratórios, só existia um laboratório que fazia hemograma, exames de fezes e urina. Hoje temos muitos laboratórios da melhor qualidade na cidade. Relembro que nessa época existia apenas um serviço de Raio-X de 300 amperes. Quando assumi a direção da Casa de Saúde, comprei um Raio X moderno de 500 mil amperes, um laboratório novo e melhorei em qualidade e diversidade os exams. Alguns anos depois, cerca de 20 anos atrás, trouxemos o primeiro aparelho de ultrassom para Caratinga.
Como foi o seu trabalho à frente da Casa de Saúde?
Assumi a gestão da Casa de Saúde em agosto de 1967. Chegamos a fazer três mil atendimentos por mês. A visão de saúde em Caratinga tomou outro rumo, éramos um grupo de cinco médicos, os doutores Joaquim Mota, Batista, Eduardo Gustavo Mendonça e eu. Nessa época, a Casa de Saúde tinha apenas dez leitos. Quando foi vendida em 2002, contava com 120 leitos. Hoje em Caratinga não faltam leitos. Há uma frase que eu sempre repito: “saúde não tem preço, mas medicina tem custo”. Não há prática de medicina de boa qualidade sem investimento. É necessário que haja um bom investimento para se fazer um bom atendimento em saúde. Uma das épocas em que houve maior avanço na Medicina foi quando doutor Fabinho me procurou preocupado com a cobrança do povo em relação à assistência na área da saúde. Nessa época, a única assistência que havia em Caratinga era feita em um posto de saúde onde hoje funciona a vigilância sanitária. O doente daquela época tinha uma mentalidade diferente, vivia em torno de um atendimento hospitalar, o hospital centralizava tudo. Sentindo essa necessidade, criei a Secretaria Municipal de Saúde de Caratinga que funciona hoje. Doutor Fabinho me dava liberdade para trabalhar. Em pouco tempo eu criei um sistema de saúde que não limitava o número de cirurgias e atendimentos. Em dois anos criamos 22 postos de saúde no município, trabalhamos na construção do esgoto na cidade. Foi a época em que a saúde mais evoluiu. Nós tomávamos àquela época tínhamos uma atitude proativa, pois entendo que importante não é só resolver os problemas de saúde, é para além disso evitar que eles surjam. Para qualidade em saúde é preciso que se comece no bê-á-bá, o setor básico é fundamental. Naquela época todos os exame de fezes acusavam 300 ovos ou mais de vermes, por causa das condições de alimentação e higiene que eram muito precárias e afetavam a saúde da população.
Atualmente, o que é preciso melhorar?
Existe uma área na medicina chamada deontologia, a ciência do dever e da obrigação. É preciso que se dê mais atenção a essa esfera, o que precisa melhorar são duas coisas: a valorização do profissional e do cliente. Desenvolveu-se nesta relação uma falta de respeito. Determinados serviços que requerem atendimento médico acabam sendo feitos por qualquer funcionário vestido de branquinho somente. Ninguém se preocupa em saber a qualidade desse profissional. Sou da época em que se respeitava o médico e o cliente. É preciso dar mais valor ao ser humano. É necessário uma reformulação às margens da deontologia que cuida do dever e da moral.
O que mudou na concepção de saúde e do bem-estar da população?
Até a própria concepção de saúde mudou com o passar do tempo. Até certa época, a saúde era ausência de doença; depois a OMS (Organização Mundial da Saúde) definiu saúde como bem-estar físico social e mental, mas já existem novos estudos para definir a saúde segundo novos critérios. Na época em que comecei minha carreira profissional, não havia em Caratinga nenhum Instituto, com seu sistema de atendimento, nesta época surge o SUS (Sistema Único de Saúde) fazendo um nivelamento como diretriz. Todo mundo tem direito à saúde, seus estatutos e critérios de criação são ótimos teoricamente. Mas esse nivelamento ocorreu em nível baixo, tanto é que quando se precisa procurar por ele, o Sistema não resolve os problemas satisfatoriamente, e é assim em todo Brasil. Alguns lugares têm certa excelência, mas na maioria dos casos ainda deixam muito a desejar. Levantar parede de unidades de saúde não é difícil, o importante é gerir essas instituições. Tanto é que quem pode procurar um hospital privado, o faz. Temos muito a melhorar na saúde, é fundamental que se valorize os profissionais da área de saúde, os profissionais que trabalham na ponta.