José do Carmo Veiga de Oliveira
O título deste breve comentário tem uma relevância tal nos nossos dias que é pouco comum ver algum tipo de comentário a seu respeito. De modo geral, pouco se discute a esse respeito na vida em sociedade, à exceção de algumas hipóteses bem recorrentes nos Foros e Tribunais, como vimos, não há muito tempo, ações judiciais visando a retirada da expressão “Deus seja louvado”, das cédulas de nosso dinheiro; retirada dos símbolos religiosos de edifícios públicos; sacrifícios de animais em cultos vinculados a religiões de matriz africana; vedação de sacrifício humano em culto de qualquer natureza, etc. etc.
No entanto, o que se percebe corriqueiramente é que as pessoas cada vez mais tomam conhecimento de fatos que tais e a despeito disso mantém certa distância para aquelas que dispensam alguma atenção a esse tipo de discussão. Uma situação bem peculiar foi o ajuizamento de uma ação direta de inconstitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal, porque no Preâmbulo da Constituição de 1988 encontra-se uma menção que diz “sob a proteção de Deus” e na Constituição do Estado do Acre não existia, à época, idêntica expressão, que denota, naturalmente, certa “dose” de religiosidade, alinhando-se, portanto, aos símbolos religiosos em edifícios públicos.
Todavia, o Supremo Tribunal Federal, em excelente voto do Em. Min. Carlos Mário da Silva Velloso, fundamentou a sua decisão ao argumento de que o Preâmbulo da Constituição Brasileira, de 1988, amparado no insígne Constitucionalista Português – Jorge Miranda – no sentido de que o preâmbulo “não cria direitos ou devedores” e que “não há inconstitucionalidade por violação do preâmbulo”, como pretendeu o douto Signatário daquela Ação Direta de Inconstitucionalidade.
Noutro giro, o Constitucionalista brasileiro Manoel Gonçalves Ferreira Filho, também convocado nas razões de decidir do Em. Ministro Carlos Velloso, pautou seu argumento sob a perspectiva de que “o preâmbulo da Constituição não tem força obrigatória, destina-se simplesmente a indicar a intenção do constituinte”, contendo “simplesmente afirmações de princípios. Estas desenham um ideal mas não fixam normas obrigatórias”. (ADI 2076-5- ACRE – STF – julgamento em 15.08.2002).
Mas, o que de fato nos chama a atenção é que a cada dia o quesito religiosidade tem adquirido relevância em nosso País, a ponto de se estabelecer debates acirrados em certos ambientes a respeito de liberdade de expressão e, especialmente, quanto à questão de o Brasil ser um “estado laico”, ou seja, um País em que não se adotou uma “religião oficial”.
Isso representa, obviamente, que cada cidadão brasileiro, ou estrangeiro residente no Brasil, tem plena liberdade para professar ou não uma fé, para prestar culto a essa ou aquela divindade, de modo que a cada dia esse tema tem sido alvo de grandes discussões, sobretudo em Países do Oriente Médio, Ásia e Europa, onde, no Velho Continente, há uma grave preocupação com o fator “segurança pública”, em face de acontecimentos tais que, na França, por exemplo, as mulheres não podem trajar o véu sobre a cabeça, porque identificam a sua fé e, por isso, por uma questão de segurança pública, proibiu-se o uso do véu nos espaços públicos.
Estamos, portanto, tratando de uma temática absolutamente grave nos dias em que vivemos. A liberdade religiosa no Brasil possui amparo constitucional, tal como consta do artigo 5º, inciso VI, da Constituição de 1988[1], protegida sob o manto de direito fundamental. No entanto, não é bem assim em outros Países, como no Oriente Médio, onde milhares de pessoas morrem a cada ano em nome de Deus, vítimas de atentados dos mais variados matizes e proporções.
O Tribunal Europeu de Direitos Humanos tem decidido questões de grande relevância nessa temática, assegurando às pessoas o direito pleno de professar a sua fé, de conformidade com a sua preferência ou, até mesmo, não professar nenhuma fé. Entre nós, sendo o Brasil um estado laico – sem religião oficial – o que ocorre desde a Constituição de 1891, convalidando o Decreto 119-A, de 07 de janeiro de 1890 – em que se proibiu “a intervenção da autoridade federal e dos Estados federados em matéria religiosa, consagra a plena liberdade de cultos, extingue o padroado e estabelece outras providências”.
Um evento que trouxe repercussão mundial a esse respeito – separação entre Estado e Igreja – foi a Reforma Protestante do Século XVI e, como consequência, as pessoas, de modo geral, tiveram a possibilidade de aderir a alguma religião, ou a nenhuma, além de assegurar a plena liberdade de se associar para exercer o seu direito de culto, além de poder se desvincular dessa ou daquela religião, sem qualquer tipo de restrição, bem como o de celebrar cultos em locais públicos.
Desde o primeiro semestre de 2018 temos experimentado a rica oportunidade de lecionar a temática – Direito e Religião – como matéria optativa, na Universidade Presbiteriana Mackenzie. Tem sido um espaço passível de comparação a um grande laboratório, onde se colhe ricas experiências pelo interesse dos Alunos que se matriculam nesse Componente Curricular, já no 10º período, participando com empenho, pesquisando e se debruçando sobre questões de grande relevância em torno da temática, com profícuos debates a seu respeito.
Não há dúvida de que se trata, efetivamente, de um Direito Fundamental assegurado pela Constituição de 1988 e, por isso mesmo, é um tema muito caro a todos os Brasileiros, pois, em outros Países, o que se vê é a constante perseguição religiosa, com o massacre de milhares de pessoas que em razão de sua fé são obrigadas a deixar a sua cidade, o seu Estado e o seu País, para que possa sobreviver junto com os seus em outros lugares onde tenham a liberdade de culto, sem serem expostos a riscos de atentado e de serem alvos constantes de ataques que ceifam vidas em o “Nome de Deus”, como se esse fosse um “mandamento” oriundo do próprio Deus.
Muitos dos refugiados que vemos por vezes sendo recolhidos em embarcações improvisadas ou mesmo em porões de navios em condições sub-humanas, encontram-se à procura de um lugar onde possam continuar suas vidas livres das perseguições que lhe são impostas, como se estivessem cometendo algum tipo de “crime”. De fato, para aqueles que não admitem a liberdade religiosa e são absolutamente intransigentes com essa temática, têm em suas mentes que não se pode permitir que as pessoas possam optar por uma fé e que seja outra que não a da maioria da população desses lugares.
Por isso, devemos valorizar o Capítulo da nossa Constituição que trata dos Direitos e Garantias Fundamentais, onde em mais de um dispositivo nos assegura a plena liberdade de culto segundo a escolha de cada um ou, até mesmo, a opção de não professar nenhuma fé, no que também deve ser respeitado.
[1] VI – é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias;