Serviço de Assistência Domiciliar de Caratinga comemora sucesso de atividades. Em média, são atendidos 60 pacientes por mês
CARATINGA- No dia 22 de outubro, o Serviço de Assistência Domiciliar (SAD) completou quatro anos de atividades em Caratinga. Trata-se de uma ajuda oferecida na residência do paciente, proporcionando a garantia de continuidade dos cuidados à saúde, um serviço complementar à internação hospitalar e ao atendimento ambulatorial, com foco na assistência humanizada e integrado às redes de atenção disponíveis na rede pública de saúde.
Para os profissionais, uma frase dita por um personagem do filme ‘Patch Adams – o amor é contagioso’, traz a característica principal do SAD: “Se você tratar uma doença, você ganha ou você perde. Se você tratar uma pessoa, eu garanto, você vai ganhar, não importa o resultado”.
Para fazer um balanço deste período de serviços prestados a Caratinga, o DIÁRIO traz uma entrevista com parte da equipe: Maria de Lourdes Guin (enfermeira), Mônica Isaura Corrêa (médica), Rainielle Alves Cardoso (coordenadora) e Igor de Oliveira Claber Siqueira (médico).
Eles contam que o serviço traz o diferencial de aliviar o sofrimento dos doentes, com um serviço humanizado e no caso de pacientes terminais, preparar a família para o dia do óbito. Um fato curioso é que em alguns casos os próprios pacientes chegam a pedir até mesmo a roupa que querem usar e a música que desejam para esta data. “Já presenciamos uma vez em que preparamos a família, pois já estava chegando a hora. E eles reuniram outros familiares, se juntaram em torno do paciente e cantaram músicas que ele gostava até o momento em que foi registrado o óbito, de maneira muito tranquila e serena”, contou a médica Mônica.
Como surgiu o SAD em Caratinga?
IGOR – SAD é um programa federal, que já existia há muitos anos em várias cidades, chama-se Melhor em Casa, um Serviço de Assistência Domiciliar, em todo lugar tem esse serviço. Já existe em mais de 500 municípios. Foi criado com algumas intenções governo, a principal delas é desospitalizar as pessoas, o jargão do programa é o “A segurança do hospital no conforto da sua casa”. O principal objetivo do programa é tirar as pessoas do hospital, aquelas que estão ocupando um leito, sem necessidades de terapias muito complexas, tentar tirar também as pessoas da UPA (Unidade de Pronto Atendimento), que fica dias ali e poderia resolver em casa com equipe de saúde e medicamentos e tentar dar apoio na atenção básica naqueles pacientes que exigem mais de uma visita por semana e a equipe de PSF não daria conta, então entraria junto.
É um serviço 24 horas?
MÔNICA – Caratinga tem um diferencial dos outros municípios, o programa teoricamente teria que ter 12 horas, mas Caratinga funciona por 24 horas, ou seja, de segunda a segunda, feriados e finais de semana, ou seja, a gente trabalha o ano todo.
RAINIELLE – O município faz a contrapartida por não serem apenas 12 horas, ele ampliou o programa e é até reconhecido pelo Ministério da Saúde por esta vantagem
IGOR – Mesmo existindo mais de 500 programas, alguns são estendidos, mas não sabemos de nenhum além do nosso que funcione 24 horas. Como tudo no SUS tem uma participação federal e municipal, se fosse olhar só o incentivo que o governo federal manda, não daria para bancar 24 horas.
São quantos médicos no programa?
MÔNICA – São dois médicos no programa, eu e Dr. Igor.
IGOR – Se for olhar uma equipe no papel mesmo, igual tem no “Melhor em casa”, na portaria, seria só um médico, mas aí funcionaria apenas de segunda a sexta, 12 horas por dia. O próprio município teve interesse de expandir, colocou mais profissionais.
Vocês possuem apoio de logística?
IGOR – Temos, apesar de não usar muito. Se temos que tirar as pessoas do hospital, muitas vezes precisam vir de ambulância, quando estão acamadas, mas algumas conseguem vir de carro comum. Mas temos uma ambulância que fica disponível se precisar levar esse paciente para fazer um exame, ou se agravar e precisar reinternar. Todos os medicamentos são do programa, vem uma verba fechada. Se não tivesse interesse do município não funcionaria bem. No resto do país onde tem UPA e Samu (Serviço de Atendimento Móvel de Urgência), o SAD não funciona à noite.
MÔNICA – O programa existe porque há uma vontade da gestão. Se o prefeito não tiver interesse, não funciona, graças a Deus estamos tendo esse apoio. As estratégias de família funcionam durante o dia, então se não fosse 24 horas, sobrecarregaria mais a UPA, se não funcionasse à noite e aos finais de semana.
Como a equipe é composta?
IGOR – São 14 profissionais. Temos dois motoristas, nutricionista, fonoaudióloga, fisioterapeuta, enfermeira, cinco técnicos de enfermagem e dois médicos.
MÔNICA – A gente trabalha como uma escala. Durante o dia a gente visita as pessoas e durante a noite, eu e Igor revezamos; mas se sobrecarregar, ficamos os dois.
Vocês pensam em contar com um psicólogo na equipe?
IGOR – Sim. Pretendemos ter. Teve uma época que tínhamos como contratar e ninguém queria, por ser um trabalho mais ligado a morte mesmo, depois não tínhamos como, apareceram algumas. O Núcleo do Câncer tem dois psicólogos, a Magda e o Marcos que nos dão apoio, não são da equipe, mas nos ajudam. O apoio é apenas aos pacientes com câncer. Faz falta. Esse ano surgiu a fonoaudióloga que não tinha, quem é leigo pode se perguntar pra que, se seria apenas para ajudar na fala, é porque muitos têm problema de deglutição, não consegue engolir, as vezes para indicar uma sonda, para tirar também. Mas teremos o psicólogo.
Qual a média de pacientes atendidos por mês pelo SAD?
MÔNICA – Os pacientes têm internação mesmo domiciliar, são em média 60.
Na zona rural também o SAD faz atendimento?
MÔNICA – Apenas nos locais mais próximos, como nosso programa funciona dependendo de telefone, em locais que não pegam celular, fica inviável, ou se a distância for muito longa, fica complicado, porque toma muito tempo para uma visita, aí fica mais fácil internar no hospital mesmo.
A prioridade é para os pacientes em estágio terminal de câncer?
MÔNICA – Na verdade o programa não é apenas para os pacientes oncológico terminal. A gente trabalha muito com a equidade, porque trabalhamos no SUS, atendendo os que necessitam mais de forma diferenciada. Nosso município não tem nenhum serviço que cuidam desse tipo de paciente com câncer, a gente ia ao pronto socorro e via esse tipo de paciente, que poderia muitas coisas serem resolvidas em seus leitos, sendo tratados na UPA, no corredor do hospital, as vezes ia lá só para analgesia, fazer uma medicação para aliviar a dor. Então mediante dessa necessidade, discutindo com a gestão e também com os serviços, viu-se a necessidade da gente focar mesmo nesse público, por isso a gente prioriza pacientes com câncer. Mas é óbvio que o programa não está fechado nisso, temos vários casos como doença renal crônica, Alzheimer, cirrose em estágio avançado…
Vocês perdem muitos pacientes?
IGOR – Sim. Por isso é importante ter um programa desses. Hoje, depois de quatro anos, estamos com 185 óbitos em casa, acompanhados até o último segundo, morreram em casa, tranquilos. Desses, 50 ocorreram de meia-noite até 7h. E 72 fora do horário de funcionamento das unidades básicas. Outro dado interessante é que já foram mais de 120 bolsas de sangue transfundidas no domicílio.
A maioria dos óbitos foi por câncer?
IGOR – Sim, foram aproximadamente 110 óbitos.
Qual a média de idade dos pacientes?
IGOR – A maioria são pessoas mais idosas. E são elas que estão ocupando muitos leitos de hospital
Mesmo lidando tanto com a morte, o serviço é gratificante?
MÔNICA – Sim, porque acreditamos muito na humanização do cuidado, independente da função que se exerce no programa, você pode conversar desde os nossos motoristas até o Igor, enfermeiros, técnicos, todos têm o mesmo cuidado. A gente tem a visão da importância da empatia, de se colocar no lugar do outro, porque hoje pode ser uma família que estou cuidando, amanhã pode ser a minha. Então a gente ter essa visão de se colocar no lugar do outro e de que a gente leva alívio a essas famílias, a essa pessoa que está sofrendo tanto, é o maior pagamento que a equipe toda pode ter. Tem uma frase que diz assim: “Se você tratar uma doença, você ganha ou você perde. Se você tratar uma pessoa, eu garanto, você vai ganhar, não importa o resultado”.
IGOR – A hora que você se imagina, por exemplo, meu pai está acamado, mora num terceiro andar de um prédio, deu uma febre, vou ter que tirá-lo de dentro de casa, colocar numa ambulância, levar para não sei onde, o prazer está que você poupou aquela pessoa desse transtorno. Às vezes é uma coisa pequena, uma febre, mas você poupou o sofrimento daquela família de se deslocar, às vezes num final de semana, à noite… O prazer está nisso, porque se for olhar em termos de resultados, a maioria vai resultar na morte, o nosso alvo não é a vida ou a morte, é o cuidado, o conforto da família, muitas vezes o paciente está inconsciente ali, mas a família está confortável por estar em casa com ele. O prazer é você ver a pessoa morrer tranquila, com humanidade, privacidade e a gente controla o sofrimento.
Como ter acesso ao serviço do SAD?
RAINIELLE – Basta procurar os postos de saúde, os médicos encaminham.
Tem um limite mensal?
IGOR – Estamos pensando em estabelecer até por questão da prefeitura ter como se programar. Quem vai estipular mesmo é o secretário de Saúde. Se for olhar bem é um hospital virtual, hoje temos quase 60 internados, se for olhar no hospital, na UPA, não tem essa quantidade internada, é um hospital espalhado pela cidade. É um programa legal no sentido humano e fazer um antibiótico em casa, chega a ser 80% mais barato que no hospital. Quando a gente entra na casa da pessoa, a prefeitura está bancando o profissional e os insumos, mas a comida, a luz, o leito, é a família. É menos caro e bom. Aumentam os leitos no hospital, evita infecção.
MÔNICA – Se for olhar nossa vontade, colocamos todos “debaixo do braço”. Na verdade têm os gastos do município, mas tem uma economia, está abrindo vaga dentro do hospital.
Então a população tem mesmo é que comemorar os quatro anos do SAD?
IGOR – Antes do SAD, era muito complicado, meu avô mesmo, eu e meu vizinho ficávamos o carregando para o hospital, quando você se coloca no lugar da pessoa, aí vê o quanto é bom ter alguém que irá em sua casa.
O SAD na verdade não é um serviço de acompanhamento com as mesmas funções do PSF?
IGOR – Não. Se sou médico de um bairro, aquela população que está ali é minha, do PSF. Se algum momento achar que precisa de um apoio da nossa equipe, entramos e saímos. Somos uma equipe de apoio. Se a gente entrar e não sair, não terá rotatividade.
Sempre as pessoas procuram vocês, ou vocês vão até elas também?
IGOR – O ideal seria uma busca ativa na UPA, no hospital, não é assim ainda. Já temos uma demanda muito grande. Mas se a UPA nos ligar, vamos na hora e fazemos a avaliação. Às vezes os próprios colegas médicos não sabem como funciona, mas na casa das pessoas funciona como hospital mesmo, tem o oxigênio, o soro, o laboratório vai e faz os exames, igual hospital mesmo.
MÔNICA – Até agora tem chegado por telefone e muitos do Núcleo do Câncer. E por incrível que pareça, vira uma corrente do bem, uma família conta para outra. Já entramos para cuidar de uma na família e cuidamos de outra pessoa também. Ontem (quinta-feira, 16) parei no bairro Santa Cruz e percebi que já fomos a praticamente todas as ruas.
E como é o reconhecimento do trabalho de vocês?
MÔNICA– É um carinho muito grande por parte das pessoas, graças a Deus, temos o respeito de todos. Mas recebemos reconhecimento em âmbito nacional, hoje a equipe de Caratinga é capacitadora de outras equipes do SAD do país. A convite do ministério da saúde, vamos revezando, para ir em São Paulo, no hospital Osvaldo Cruz capacitar outras equipes a fazer os procedimentos que fazemos em Caratinga. Inclusive tem um manual do Ministério da Saúde onde um dos capítulos foi escrito por nós.
Um comentário
Arthur
Um belo trabalho.