Por Paula Lanes e Adenilson Geraldo
CARATINGA – Hoje o leitor conhecerá uma história de amor diferente. Um amor que nasceu “preso”, mas que por ser tão intenso, trouxe a liberdade da mente e do coração para Cristiano José Vieira de Oliveira, 38 anos, recuperando na Apac (Associação de Proteção e Assistência ao Condenado), e deu à professora Sandra Moreira de Aguiar, 41 anos, formada em pedagogia, a possibilidade de se apaixonar e de amar ao ponto de pela primeira vez em sua vida, querer se casar. A reportagem foi feita em dois momentos, uma com Cristiano dentro da Apac e depois com Sandra, na redação do DIÁRIO DE CARATINGA.
O COMEÇO
Cristiano foi preso em março de 2014, depois de cometer um crime, que não será divulgado aqui por determinação da Apac e também porque o objetivo da reportagem é mostrar uma história de amor, e não que leve a julgamentos. Inicialmente Cristiano foi para o presídio e em julho do ano passado conseguiu ir para Apac cumprir sua pena, que é de 11 anos. Aqui ele conta como tudo começou.
Como conheceu a professora Sandra?
Resolvi entrar para escola aqui dentro em agosto do ano passado, Sandra dava aulas de 1ª a 5ª série.
Quando começou a surgir o interesse por ela e como foi?
Começamos com os olhares, a Casa não permite relacionamento amoroso entre recuperando e funcionários. No momento do recreio a gente podia conversar mais, apenas para nos conhecermos, mas nunca agi contra as normas daqui.
Mas de fato, quando surgiu o pedido de namoro?
As aulas terminaram no dia 20 de dezembro do ano passado, eu a pedi em namoro, daí ela quis saber como funcionaria se ela resolvesse aceitar. Informei que ela precisaria se cadastrar com a Adriana (diretora da Apac). No dia 21 teve um jantar, ela veio, foi o dia que mais tivemos tempo para conversar, mas ficou no ar. Ela disse que iria embora e pensaria e voltaria se topasse.
Como foi esse tempo de espera?
Quem está privado da liberdade não imagina que poderia acontecer. Estava com 73 quilos, voltei para 61 quilos. Agarrei muito a Deus e à Apac, quando cheguei aqui estava destruído por dentro e por fora por conta do sistema, meu pensamento era outro, fisionomia era outra, sem expectativa de vida. Deus me concedeu mais a benção, ter me tirado lá de baixo (presídio) e me trazido para cá, e agora mais uma de conhecer a Sandra, então fui orar para saber se esse namoro seria da vontade Dele.
E quando veio a resposta? Como você se sentiu?
De repente chega notícia. Ela voltou. No final de janeiro fez o cadastro disse que conversou com sua família e escolheu deixar as aulas para ficar comigo. Me senti o homem mais feliz do mundo e agradeci a Deus por conceder mais uma benção.
E quando surgiu a ideia do casamento?
Sempre tive o sonho de casar, mas nunca tive um relacionamento que desse certo para isso. Ficamos noivos no dia 7 de maio, pedi que ela comprasse as alianças, ela trouxe, entramos para a capela e apenas nós dois e Deus fiz o pedido e ela aceitou se casar comigo.
Em quanto tempo terá liberdade?
Falta responder sete anos, ao todos são 11. Já cumpriu dois anos e sete meses. Com remição de pena no meio do ano que vem posso ir para o semiaberto. Com o semiaberto com trabalho interno, a cada 45 dias detido, tenho sete dias livre, que são cinco saídas durante um ano, poderei ficar mais com a Sandra. Se sair com trabalho externo, posso ficar durante o dia livre e dormir aqui.
Quais os seus planos?
O que mais espero é o casamento e minha liberdade. Quero mostrar que pela Apac, se a pessoa quiser, sai recuperada com ajuda de Deus primeiro. Quando sair daqui, quero arrumar um serviço, tenho várias profissões, sou pedreiro, azulejista, mas posso trabalhar de qualquer coisa, de ajudante… Quero começar minha vida novamente, não vou mais para o Suíço onde houve o crime. Crime nunca mais. Estão aguardando casamento comunitário aqui na Apac. Se tiver como, pretendo ter mais um filho, se for da vontade de Deus. Não vi minha filha crescer, separei de sua mãe ela tinha três anos e desde os 16 anos que não tenho mais contato com ela. Mas nunca fui casado, vou me casar com a Sandra.
A NOIVA DE CRISTIANO
Como foi o começo para você?
Foi mesmo através de olhares. Cristiano entrou em agosto, sentia algo diferente por ele, mas não contei para ninguém. No final de novembro ele me mandou a primeira carta, dizia que estava gostando de mim e perguntou se eu queria ser sua namorada ou se esperaria até ele sair.
Você respondeu a carta?
Respondi só depois da terceira, ele perguntou se gostei, disse que sim, que nunca recebi cartas feias, mas que a dele era linda.
Ele insistiu com o pedido de namoro?
No último dia de aula só teve comemoração, todos escreveram para mim, ele escreveu e leu apenas o que poderia, a parte que me pedia em namoro não leu para todos.
Como se sentiu?
Fiquei muito feliz, no dia seguinte, no jantar, sentei perto dele, mas não sozinha, tivemos como conversar.
E então você resolveu voltar depois do tempo que pediu a Cristiano?
Sim. Dia 21 de dezembro do ano passado disse que pensaria, só fiz meu cadastro em fevereiro, abri mão do trabalho para ficar com ele, esperei sentir muitas saudades, queria saber o que nós dois queríamos. Sofri muito, por mim iria no próximo domingo, depois da nossa última conversa.
Então o Cristiano é o seu amor?
Nunca me senti tão feliz em tão pouco tempo num relacionamento. (Sorriso demorado e a emoção toma conta)
Não teve medo por se relacionar com alguém que já cometeu um crime?
Não tenho preconceito de nada nessa vida, tenho vergonha de roubar, não tenho medo do Cristiano, acredito nele. É muito carinhoso, fala da família com respeito. Acho que o que ele fez já se arrependeu muito. Nunca perguntei o que ele fez de errado, deixo à vontade para contar, ele precisa confiar em mim. Ele tem um olhar triste, mas isso mudará.
E o que espera daqui para frente?
Quando ele puder sair de sete dias conhecerá nossa casa. Estou esperando muito pelo casamento e mais ainda pelo dia que estará comigo. É o homem que amo e escolhi para estar ao meu lado, até meu filho que tem 19 anos já o aceitou.
A DIRETORIA DA APAC
Há um ano, Adriana Luppis, é diretora da Apac. Adriana contou que acompanhou Cristiano desde que chegou à instituição. “Era muito preocupado, tinha o semblante diferente, como ele mesmo disse, hoje é outra fisionomia, era deprimido, tomava muitos medicamentos, teve uma desenvoltura muito grande, a pessoa tem direito a uma nova história de vida”.
Adriana teve contato com a professora Sandra por um ano e disse que nunca desconfiou que poderia estar tendo algo entre ela e Cristiano. “Ninguém percebeu nada, os dois respeitaram as normas da Casa, dentro da instituição não pode ter relacionamento entre funcionário e recuperando. Apac é para dar apoio a uma nova história, se você não acredita que a pessoa tem uma nova oportunidade é como se estivesse contra seu trabalho, nós acreditamos no ser humano. O ser humano que errou, está pagando e tem uma nova chance”.
Adriana será madrinha do casamento de Cristiano e Sandra, que ainda não tem data marcada, mas deverá acontecer em breve. A Apac está tentando realizar um casamento comunitário, que ainda depende de alguns trâmites.