Não é novidade para ninguém que a sociedade brasileira atual padece de um comodismo crônico diante das coisas relacionadas à aquisição do conhecimento. Há muito tempo nosso povo vem sendo “educado” e tendo a sua consciência formada por coisas relacionadas ao “ouvi falar”, ou, “todo mundo diz isso”, ou, “eu vi na televisão”, etc, entre outras expressões que demonstram o comodismo de nossa sociedade diante da aquisição do conhecimento por conta própria, um conhecimento que vá além do que “todo mundo diz”.
Até mesmo em grande parte das instituições educacionais e acadêmicas o conhecimento foi corrompido para facilitar a propagação de ideias e ideologias políticas corruptoras, graças aos discípulos de Antônio Gramci que, para ruína da nação, e até mesmo do mundo, entenderam tão bem suas ideias e tão prontamente colocaram em prática seus ensinos.
Diante dessa realidade, fica cada vez mais difícil para o cidadão comum romper com as falácias, sofismas, ideologias, e mentiras, que lhe são apresentadas diariamente como “verdades”, como sendo o “correto”, por apresentarem como índices de “veracidade” a grande adesão popular que tais propostas e argumentos chegam a ter. Tal adesão popular não vem, de forma alguma, por se tratar de algo proveniente de argumentos irrefutáveis, mas tão somente pela incapacidade que a sociedade atual tem de separar o certo do errado com base em conhecimentos que excedem aquilo que o “sistema” lhe apresenta.
O filósofo Luiz Felipe Pondé, tratando desse assunto no livro Guia Politicamente Incorreto da Filosofia, fazendo uso de Tocqueville, nos diz o seguinte:
“O homem da democracia, quando quer saber algo, pergunta para a pessoa do seu lado, e o que a maioria disser, ele assume como verdade. Daí que, no lugar do conhecimento, a democracia criou a opinião pública.”
Diante da incapacidade da grande massa em discernir o certo do errado, a verdade da mentira, gerada por nossa falta de conhecimento e cultura pessoal, muitas vezes aderimos ao que a maioria diz e faz, nos conformando com a correnteza de podridão e corrupção que impera na sociedade como um todo. Sem um conhecimento que exceda esse comodismo, que exceda essa estrutura cuidadosamente implantada em nossa nação que, com a ajuda da grande mídia, parece buscar cada vez mais a imbecialização do povo brasileiro, não há como nos livrarmos dessas amarras culturais que prendem nossa sociedade, de forma que o conhecimento verdadeiro se torna o nosso único meio de sair dessa caixa na qual fomos colocados. Infelizmente, toda a nossa sociedade tem sido moldada para se conformar com as situações, ideias, ideologias e planos que nosso sistema corrupto vêm implantando aos poucos, sem que ela perceba.
Diante dessa padronização de consciências, onde o sistema busca, com a ajuda da mídia, fazer com que todas as pessoas pensem e ajam da mesma forma, segundo aquilo em que foram tão intensamente doutrinadas desde crianças, aqueles que, como no mito da caverna de Platão, rompem com essa realidade e tomam conhecimento do mundo real, terão, assim como o personagem do próprio mito, um enorme trabalho para convencer os outros de que a realidade é bem diferente do que aquela em que eles viveram a vida toda e, em nosso caso e contexto, infelizmente, a realidade não é tão bela como no mito platônico.
O conhecimento, ao nos impulsionar para fora dessa doutrinação e padronização da forma de pensar, nos dá a oportunidade de sermos pensadores independentes, com a capacidade de pensar, criar conceitos, e tomar decisões por conta própria, fazendo com que tenhamos ideias próprias e estruturadas, nos dando uma visão mais ampla do mundo e das diferentes situações que se apresentam diante de nós, tendo consciências e maneiras de pensar que vão além dos padrões da sociedade em geral. O conhecimento se torna então, para aqueles que o detém, a principal âncora que os impede de serem levados na avalanche de mentiras e meia verdades que são propagadas todos os dias nos diferentes meios utilizados para a formação da opinião pública.
Na opinião de Luiz Felipe Pondé, citando o filósofo Michael Oakeshott, o conhecimento nos torna verdadeiramente “indivíduos”, pessoas com consciência de sua própria personalidade, e com bases firmes que lhes dão a estrutura necessária para não serem levados a repetir aquilo que a maioria faz e/ou diz que é certo, mesmo que esse seja o caminho mais duro e solitário. Pondé nos diz:
“O argumento de Oakeshott é que quase ninguém é indivíduo de fato (isto é, quase ninguém tem uma personalidade autônoma e ativa, e dói ter uma personalidade assim), por isso a regra é repetir o que a maioria faz.
(…)
Ao contrário do que se diz, a democracia não opera pela autonomia, mas sim pela massificação crescente das opiniões, como já dissera Tocqueville.
Aquele indivíduo fracassado (indivíduo manqué) rapidamente se transformará em anti-indivíduo e “homem- massa”, comprando modelos de personalidade que a mídia vende e seguindo líderes autoritários ou populistas que afirmarão a autonomia para todos.”
Por não serem indivíduos com personalidade autônoma, ou seja, por não conseguirem pensar e agir por conta própria, por não terem capacidade de tomar decisões e marcar posições por si mesmos, baseados naquilo em que elas acreditam ser o certo, as pessoas da massa tendem simplesmente a repetir o que a maioria faz, sem nem ao menos se questionarem o porquê de tais ações. Consequentemente, tais pessoas não tardam à colocarem em prática os conceitos e modelos transmitidos pela mídia, sem poderem imaginar as consequências da adesão de tais conceitos e modelos.
Diante da incapacidade de tais pessoas de entenderem os pensamentos daquele que tem ideias próprias, nada resta ao membro da grande massa a não ser perseguir aqueles que não pensam como a maioria. Infelizmente, em nosso país, tal situação é alarmante, de maneira que, aqueles que não têm e esnobam o conhecimento, zombam e perseguem aqueles que o possuem, ou buscam possuí-lo e, como é comum da cultura de massa em que vivemos, tais pessoas são a grande maioria.
Sendo assim, para que haja mudanças efetivas em nossa vida e na sociedade em geral, é indispensável o rompimento com as amarras que nos prendem à esse sistema ideológico que domina nossa nação, romper com essa forma padronizada de pensar e ver o mundo, e isso só vem a partir da aquisição de conhecimentos que excedem àqueles que nos são apresentados pelo “sistema” e pela mídia e, o que talvez seja o mais difícil, precisamos romper com nós mesmos, com as ideias errôneas que conservamos, e mudar as lentes com as quais enxergamos o mundo, e para isso, precisamos de ser verdadeiramente “indivíduos”, com a personalidade e resistência necessária para fazer a diferença em um mundo onde tudo é moldado para que todos sejam iguais.
Wanderson Reginaldo Monteiro
– Vencedor do Prêmio “Marilene Godinho” de Literatura nas categorias, Conto (2016) e Crônica (2017)
(São Sebastião do Anta – MG)