(Noé Neto)
O final do ano letivo está chegando e esse é um momento de grande apreensão para estudantes do país inteiro, principalmente para os concluintes do ensino médio deste ano e de anos anteriores que ainda não garantiram uma vaga na universidade.
Em poucos dias esses estudantes passarão pela prova que definirá os rumos da vida de cada um, o Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM). É ele que vai indicar para milhares de estudantes, se avançam para o mundo acadêmico ou se permanecem por mais um ano nos cursos preparatórios.
Parece injusto, não é mesmo? Uma única prova pode avaliar tudo aquilo que foi feito em 12 anos de estudos? Não só me parece injusto como totalmente arbitrário com o conceito que tenho de educação.
Vamos pontuar algumas coisas em relação ao ENEM.
Não acontece em condições iguais para todos. Alguns alunos vão fazer a prova ao lado de casa, outros vão percorrer horas de ônibus, de barco, de carro ou andando para fazer a prova. Alguns alunos vão fazer a prova em salas confortáveis, com ar condicionado, perfeitamente higienizadas, com cadeiras almofadadas, outros vão fazer a prova nas condições precárias em que muitas escolas de nosso país se encontram. Alguns vão fazer a prova às 13 horas, outros às 10 horas.
A prova é uma verdadeira maratona. São dois dias de prova, com conteúdos de três anos. São 180 questões mais uma redação. São em média 3 minutos para resolver cada questão, sendo que essas, quase sempre, trazem textos para serem lidos e interpretados. É isso mesmo, 3 minutos para ler, interpretar e resolver.
Por fim, vamos pensar no lado humano da educação. Imagina a situação emocional em que se encontra um estudante de 17, 18 anos de idade, tendo que escolher uma profissão para o resto de sua vida e vendo todo seu esforço de anos de estudos ser avaliado em 10 horas de prova. Imagina a ansiedade, a angústia daquele que adoeceu na semana da prova e sabe que outra chance só no próximo ano. Pensa no sofrimento desses jovens e adultos que dependem desse caminho para seguir estudando.
Pontuemos agora algumas coisas sobre a educação.
Acredito na educação para a vida, propagada por Paulo Freire, Darcy Ribeiro e tantos outros pensadores e pesquisadores renomados da educação. Aquela onde há interação humana entre os estudantes, entre os professores e entre estudantes e professores. Manter um único instrumento de avaliação como fator exclusivo para definir quem segue e quem fica é padronizar o ser humano como máquina. É dizer que todos devem ter as mesmas habilidades, as mesmas competências.
Enquanto professor vejo muitas vezes a mecanização do ensino. Alunos que são ótimos em resolver exercícios de circuitos elétricos, mas não entendem que não podem ligar um equipamento programado para funcionar em 110 volts numa tensão de 220 volts. Estudantes que redigem textos maravilhosos sobre o Protocolo de Kyoto ou sobre a Rio +20 e vão de casa ao cursinho, que fica a um quarteirão de distância, em suas caminhonetes a diesel. Estudantes que fazem enormes balanceamentos químicos, mas não sabem se a soda cáustica é um ácido ou uma base.
A aprendizagem significativa, brilhantemente apresentada por David Ausubel, em que o significado de aprender está em saber aplicar, vai sendo esquecida, pois para dar significado a algum conceito se gasta tempo e só temos 3 minutos. O que importa é fazer do cérebro um amontoado de informações, ainda que desconectadas.
Infelizmente, assistimos a essas cenas tristes da educação brasileira sem muitas opções de solução. Voltar aos velhos vestibulares? Não acho que seja opção, acho até que a possibilidade de piorar o cenário é ainda maior. Reformular o Enem para um seriado ao final de cada série do ensino médio? Talvez amenize, não sei se resolve.
Acredito em uma reforma maior, mais ampla, de baixo para cima. Não dá para melhorar a universidade sem que nossas crianças tenham creches de qualidade, ensino fundamental bem estruturado, professores bem pagos trabalhando em ambientes com estrutura física adequada, tendo a oportunidade de terem formação profissional continuada.
A reforma na educação é urgente, mas deve ser feita dando voz e vez aos verdadeiros interessados: alunos e professores. Reformar de dentro de gabinete ou de dentro da academia, onde a realidade é totalmente diferente da escola secundária, é caiar o sepulcro. É o mesmo que acreditar que 3 minutos são o suficiente para ler Simone de Beauvoir, interpretar e responder a questão proposta.
Sem muita expectativa de melhora, resta-me desejar boa prova aos que vão passar por essa maratona dias 05 e 06 de novembro, pedindo que ao conquistarem suas vagas não deixem de lutar para melhorar a educação no Brasil, afinal, os estudantes estiveram sempre à frente em toda grande conquista desse país.
Prof. Msc Noé Comemorável.
Escola “Prof. Jairo Grossi”
Centro Universitário de Caratinga – UNEC
Escola Estadual Princesa Isabel
Um comentário
LEONARDO
Excelente e muito realista o texto do nosso professor Noé, com o título: Seleção e martírio.
Parabéns.
Leonardo M. Izaías.