Marina Matos de Moura Faíco
“A fé pueril na magia da tecnologia é uma das razões pelas quais se tolera a desumanização da medicina” (Amaury Medeiros – Membro da Academia Pernambucana de Medicina).
Por definição, Medicina é a ciência de debelar ou atenuar as doenças. Etimologicamente tem origem do latim MEDERI, que significa “saber o melhor caminho” ou “tratar”, “curar”. A medicina é uma ciência milenar, que acumula conhecimentos diariamente que visam ao melhor caminho na solução de problemas de saúde das pessoas. Lindo! Filosófico! Real? Eis a questão.
No mundo capitalista em que vivemos tudo se transforma em negócio. A medicina não ficou de fora. Se pensarmos bem, a medicina realmente é troca. Uma troca entre o conhecimento adquirido pelo médico e as necessidades ansiadas pelos pacientes. No entanto, o que se percebe hoje é que “Os médicos cada vez pensam menos e mais se distanciam dos enfermos” (Amaury Medeiros – Membro da Academia Pernambucana de Medicina).
Enquanto o que mais se propaga hoje é o tratamento humanizado, mas o que se observa na prática é a verdadeira desumanização da medicina. Por quê?
Falta tempo… O estabelecimento de uma relação médico-paciente de confiança e responsabilidade, caracterizada pelos compromissos e deveres de ambos os envolvidos, leva tempo. A interação verdadeira, pautada na sinceridade e no amor pelo que se faz, é necessária para o exercício da arte da Medicina. Estamos falando de pessoas, não de objetos. Por isso, a medicina não é apenas ciência. É também arte!
Desumanização é o ponto. Onde foram parar os “médicos das famílias”? Aqueles que acompanhavam todos os membros da família em qualquer problema de saúde que os afligisse. Médico de família hoje é tratado como o “médico do posto”, que, diga-se de passagem, recebem uma formação especializada em Medicina de Família e Comunidade e são preparados para lidar não só com os pacientes, mas com conflitos e problemas de famílias e comunidades. E, apesar disso, são excessivamente menosprezados pela maioria dos pacientes assistidos. Médico bom é o que cobra caro pela consulta, fala difícil, ao ponto que o paciente, parte mais interessada nas explicações, não entende o que se diz; atende em lugares elegantes e se apresenta de forma “superior” aos demais.
Num passado não muito distante, a relação entre o médico e os pacientes e suas famílias era respeitosa, cordial, amistosa. Com o avanço da tecnologia, com a pressa por adquirir bens materiais, tornou-se mais confortável e rápido submeter os pacientes a exames sofisticados que diminuem a atuação médica. Anamnese leva tempo, conversar é chato, pacientes reclamam muito e, por isso, os médicos tornaram-se impacientes. Será?
A solicitação de exames mirabolantes lembra uma frase bem interessante e aplicada à medicina: “Quem não sabe o que busca, não identifica o que acha” (Immanuel Kant).
Um estudo feito na Inglaterra demostrou que 75% das informações que levam a um diagnóstico correto provêm de uma história médica detalhada, ou seja, de uma anamnese bem realizada, 10% do exame físico, 5% de algum simples exame de rotina, 5% de exames caríssimos e invasivos e 5% sem esclarecimento. Imaginem a importância de se estar disponível para atender e ouvir seu paciente! Daí a “arte” de se aproximar e extrair o máximo de informações de seu paciente para conseguir utilizar de todos os conhecimentos que a “ciência” lhe oferece. A obrigação do médico, no exercício profissional que lhe compete, é estabelecer uma interação com o paciente, uma relação de confiança, independentemente do local onde está trabalhando e do tipo de paciente que está atendendo.
Às vezes é necessário desarmar o paciente, que pode se apresentar agressivo, aborrecido, com medo, ou até mesmo desacreditado por já ter procurado diversos profissionais que não souberam ouvi-lo e respeitá-lo. Atender significa oferecer assistência, demonstrar disponibilidade para ouvir…
Onde está a arte de curar?
Para exercer a arte da medicina e aplicar a ciência em prol do ser humano, que necessita de assistência, é preciso gostar de “gente”. É preciso saber que não existem doenças, mas sim doentes. É necessário resgatar o “médico das famílias” com todas as qualidades da assistência humanizada, individualizada, contextualizada e digna. É preciso sensibilidade para entender e sentir a angústia do doente. Parece poético, mas é nesse contexto que repousam as bases humanísticas de todos os profissionais que atuam na área da saúde.
Em contrapartida ao constante impulso de aceleração na sociedade moderna e na medicina, de forma geral, o cardiologista italiano Alberto Dolara, descreveu o surgimento da “slow medicine”, a medicina sem pressa, ou seja, uma abordagem mais ponderada e cautelosa nos cuidados médicos com pacientes nas mais diversas condições e situações. Essa abordagem partiu da afirmação de que os problemas de saúde vão além das questões organizacionais e são também, emocionais, familiares, econômicos e requerem dos profissionais de saúde tempo, capacidade de ouvir e reflexão crítica, envolvimento, buscando sempre a prática baseada em evidências e informações atualizadas. Importantíssimo! Mas, onde está a novidade?
A iniciativa é excelente. Deve ser propagada. Mas no fim das contas, o importante é resgatar a arte de curar, de cuidar, de atender e de assistir pessoas utilizando os conhecimentos das ciências médicas.
Drª Marina Matos de Moura Faíco
Médica Ginecologista e Obstetra no CASU e Prefeitura Municipal de Caratinga/MG, Mestre e Doutora em Fisiologia pela UFMG, Professora e Pesquisadora do UNEC.
Mais informações sobre a autora em http://lattes.cnpq.br/5256973785497421