COISA DE PRETO

SAWABONA! “Eu te vejo. Você é importante para mim, eu te respeit(o), eu reconheço sua existência.”

O que você tem contra a Consciência Negra?

 

Chegamos ao quarto e último artigo da série Coisa de Preto, alusiva ao mês de novembro, que tem como ponto alto o dia 20. Por lei, é o Dia Nacional da Consciência Negra, criado pela Lei 12.519, sancionada em 10 de novembro de 2011.

O dia homenageia milhões de pessoas negras que lutaram — e ainda lutam — por liberdade, dignidade e direitos. É também um convite à reflexão.

É um chamado para o Brasil reconhecer o passado, entender o presente e transformar o futuro. Na penúltima publicação, semana passada, revisitamos nossa história, destacamos personagens que os livros oficiais propositalmente apagaram; em alguns casos, como o do gênio Machado de Assis, tiveram o descaramento de “branquear”. O dia convida o país a enfrentar esse legado e discutir soluções.

A data também tem como objetivo valorizar a enorme contribuição dos negros para a construção de nossa identidade cultural. Portanto, um dia de orgulho, memória e afirmação. Entretanto, infelizmente, ainda vemos muitas pessoas se dizendo contra a data, criticando a lei, atacando o legado de personagens importantes para a história do povo preto no Brasil. Usam narrativas ideológicas para distorcer fatos, divulgam e compartilham fake news numa tentativa de justificar opiniões baseadas em nada. O curioso — e que aponta uma dose cavalar de RACISMO — é que esses mesmos, que agem assim em relação ao Dia da Consciência Negra, não fazem o mesmo quando a data é: Dia Nacional do Imigrante Italiano (21 de fevereiro, Lei Federal 11.687/2008); Dia Nacional da Imigração Japonesa (18 de junho, Lei Federal 11.142/2005). Nacionalmente, não há uma lei federal específica criando o “Dia da Imigração Alemã”. Porém, 25 de julho é o Dia do Colono e do Motorista, muito ligado à imigração alemã no Sul. Alguns estados e cidades têm leis locais celebrando a imigração alemã (ex.: RS, SC, ES).

Observaram que são todas datas criadas antes da Consciência Negra?

Por que apenas o dia 20 de novembro causa tanto incômodo e ataques nas redes sociais?

O que dizem os que criticam e atacam a Consciência Negra

 

“Isso divide a sociedade. Somos todos iguais.”

Para quem é contra, falar de Consciência Negra criaria separação entre brancos e negros.

Argumento desconectado da realidade, confunde igualdade jurídica com igualdade real; ignora desigualdades históricas e atuais. Além disso, quem dividiu brancos e negros foi quem determinou que brancos eram “superiores”.

“Racismo já acabou. Escravidão foi no passado.”

Na cabeça de quem diz isso, o tema seria “superado”, e continuar falando dele seria vitimismo.

Porém, quem pensa assim desconsidera dados atuais sobre violência, desigualdade, encarceramento, renda e acesso à educação.

 

“Por que não existe Dia da Consciência Branca?”

Essa é uma das falas mais toscas que ouço sobre o tema.

Quem faz essa pergunta sente injustiça ou favoritismo aos negros.

Por trás dela, há total incompreensão de que a identidade branca foi historicamente privilegiada e nunca precisou lutar por reconhecimento.

 

“Isso é política de esquerda / ideologia.”

 

Argumento contaminado pela polarização política no Brasil.

Por trás, há tentativa de deslegitimar a pauta reduzindo-a a bandeira partidária, quando, na verdade, é questão social, histórica e de direitos humanos.

 

“Todo mundo sofre preconceito.”

 

Demonstra que a pessoa nunca estudou nada sobre o tema.

Coloca racismo no mesmo nível de outras discriminações.

Ignora que o racismo é estrutural — afeta políticas, oportunidades e instituições.

 

“Negros também são racistas.”

 

Quem diz isso tenta relativizar o racismo.

Confunde preconceito individual com racismo estrutural, que se apoia em poder histórico, econômico e institucional.

Óbvio que existem pessoas negras que cometem crimes, entre eles racismo. Alguns, que já sofreram, na primeira oportunidade reproduzem isso.

 

“Isso incentiva vitimismo.”

 

Para quem usa esse argumento, falar de racismo seria reclamar em vez de agir.

A pessoa ignora que a luta antirracista sempre foi de protagonismo, resistência e conquista de direitos — não de lamentação.

Um problema não desaparece por deixarmos de falar dele.

 

“Quem trabalha vence. Cor não importa.”

Além de preconceito velado, é argumento covarde.

Apoia-se numa das maiores bobagens repetidas no Brasil: a meritocracia descolada da realidade.

Quando alguém insiste em meritocracia aqui, geralmente cai em uma das duas categorias:

 

IGNORÂNCIA:

Quando a pessoa não conhece — ou finge não conhecer — fatos básicos:

350 anos de escravidão;

abolição sem escola, terra, emprego ou direitos;

desigualdade racial brutal até hoje;

negros ganhando menos, morrendo mais, sendo mais presos e tendo menos acesso à universidade.

Falar em “mérito” assim é promover corrida justa com gente na linha de chegada e outros presos no bloco de partida.

CANALHICE:

Quando a pessoa sabe tudo isso e, mesmo assim, usa meritocracia para justificar privilégios e negar racismo.

 

Muitos negros que ascenderam socialmente também repetem esse discurso — esquecendo que tiveram oportunidades que outros não tiveram.

 

Negar isso seria prepotência e ingratidão com quem ajudou ao longo da vida.

 

Reflexão final

No começo do mês, no primeiro artigo da série, eu disse que racismo não se debate com achismo. Hoje, ao encerrar, repito com ainda mais convicção: RACISMO É UM ENORME PROBLEMA SOCIAL QUE PRECISA SER ENCARADO COM SERIEDADE, HONESTIDADE E ESTUDO.

 

Racismo não é opinião, não é ponto de vista, não é “cada um pensa de um jeito”.

Racismo é crime.

E crime se combate com conhecimento, políticas públicas, responsabilização, educação e, acima de tudo, coragem moral.

 

Enquanto tratarmos racismo como “mimimi”, “exagero” ou “debate opcional”, ele continuará fazendo vítimas todos os dias — nas escolas, ruas, empresas, presídios, hospitais.

O que está em jogo não é capricho identitário: é o direito básico de existir com dignidade.

 

Enquanto tiver forças, continuarei estudando, debatendo, refletindo, falando e brigando contra o racismo — não tanto por mim, mas para que minha netinha Kali (a negra) e tantas crianças pretas como ela possam viver num mundo mais justo e digno.

 

Encerrar essa série não é colocar um ponto final no tema, porque o tema não acabou. O que termina é apenas o capítulo. A luta continua do lado de fora, na vida real, onde cada gesto, cada silêncio e cada escolha dizem de que lado estamos.

 

Portanto, fica a síntese:

 

Racismo não é opinião.

É crime.

E crime se enfrenta — não se relativiza.

 

SAWUBONA! Até a próxima!

Rogério Silva

abrindoojogocaratinga@gmail.com

 

@rogeriosilva89,1fm

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