José do Carmo Veiga de Oliveira
Inicialmente, é de todo relevante trazer à baila o conceito de “Direito Agrário” para, a partir daí, desenvolvermos, também, a razão de ser do Estatuto da Terra no Brasil e a motivação de sua edição para, somente então, avançarmos no conteúdo que se propõe trabalhar nesta rápida imersão no tema que nos foi proposto.
O Direito Agrário pode ser conceituado como sendo o feixe de normas jurídicas que, inserido no ordenamento brasileiro, tem o objetivo de estabelecer qual seja o melhor meio de se desenvolver o aproveitamento de um imóvel rural, nas suas várias possibilidades. De outro lado, também é de se considerar que em virtude da aplicação no Brasil, desde os seus tempos de Colônia de Portugal, o sistema de distribuição de terras ocorreu mediante a adoção do modelo de sesmarias², em terrenos onde não houvesse culturas efetivamente plantadas ou, ainda, que se encontrasse sem destinação específica e, até mesmo, abandonado, sem qualquer tipo de ocupação. Esse conceito teve como ponto de partida as práticas da Idade Medieval, em que se determinava fosse entregue uma porção de terras a alguém que se dispusesse ao seu cultivo, tornando-a produtiva.
Vencida, pois, essa etapa, é de se considerar o objetivo de se ter editado no Brasil a Lei nº 4.504, de 30 de novembro de 1964, que dispõe sobre a regulação dos direitos e obrigações concernentes aos bens imóveis rurais, para fins de execução da Reforma Agrária e a promoção da política agrícola. No mesmo art. 1º, em seus §§ 1º e 2º, foram estabelecidos os conceitos de reforma agrária e o de política agrícola³.
Na mesma esteira de ideias, houve também uma preocupação com a possibilidade de se conceder a todos a chance de acessar a propriedade da terra, condicionada pela sua função social, e a esse respeito, a Lei em epígrafe determinou que a propriedade da terra desempenhasse integralmente a sua função social quando, simultaneamente, favorecesse o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores que nela labutam, assim como de suas famílias, além de manter os níveis satisfatórios de produtividade, assegurando a conservação dos recursos naturais e observando as disposições legais que regulam as justas relações de trabalho entre os que a possuem e aqueles que a cultivam.
Igualmente, o texto legal também estabeleceu como dever do Poder Público promover e criar as condições de acesso do trabalhador rural à propriedade da terra economicamente útil, de preferência nas regiões de sua habitação, ou, quando as circunstâncias regionais o aconselhassem, em zonas previamente ajustadas na forma do disposto na regulamentação da Lei. Assim, o propósito seria zelar para que a propriedade da terra desempenhasse, efetivamente, a sua função social, estimulando planos para a sua racional utilização, além de promover a justa remuneração e o acesso do trabalhador aos benefícios do aumento da produtividade e ao bem-estar coletivo4.
De outro lado, o que se encontra nessa seara, são pessoas que se dedicam à exploração da terra como fonte de subsistência familiar, como o plantio em pequenas áreas, buscando extrair o sustento da família e, no que não se conseguir alcançar por esse intermédio, as pessoas que exploram as propriedades familiares, muitas das vezes diminutas, acabam por trocar dias de trabalho em outras propriedades. Também é frequente encontrar parcerias de plantios de sementes e culturas de rápidas colheitas, desenvolvendo atividades que lhes possam render o sustento em breve lapso temporal para permitir o sustento familiar.
No entanto e, apesar disso, o que se encontra, na verdade, no contexto agrícola atual, é que as grandes extensões de terras vêm sendo exploradas por meio de intensa mecanização, e a despeito das áreas de plantio terem se reduzido em algumas regiões do Brasil. Em escala absolutamente inversa, de outro lado, tem-se aumentado a produtividade em virtude das modernas técnicas que vêm sendo adotadas pelos produtores com alta capacidade de investimentos, tanto em pesquisa e mecanização, além das melhores técnicas de manejo da terra, fazendo com que a balança de exportações do Brasil tenha sempre o agronegócio como o ponto de maior destaque na economia de mercado.
O Brasil vem, ano a ano, ocupando posição de incomensurável projeção em termos de ter se tornado o “grande celeiro do mundo”, produzindo alimentos os mais variados. Também e, de modo especial, na sua capacidade de pesquisa voltada especificamente para a área de produção alimentar, seja por meio de lavouras ou mediante produção de carne bovina e suína, além, é claro, da sua vocação para a carne de frango, ocupando grande vantagem à frente de vários concorrentes, sustentando imensurável parcela da demanda mundial com a sua produção e atendimento ao mercado consumidor.
É fato, hoje, em todo o mundo, que o Brasil possui o quinto maior território em extensão, a despeito das grandes áreas devastadas em desmatamento desordenado, infringindo as normas mais elementares que contrariam intensamente as autoridades internacionais que monitoram o meio ambiente. A despeito disso, o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento pretende expandir a participação do Brasil nas exportações de alimentos aos percentuais de sete para dez por cento no prazo estimado em cinco (05) anos.
Esperemos, pois, que tenhamos, de fato, todo esse potencial devidamente aproveitado para que sejamos, nos próximos anos, um País que realmente desponte para o futuro, deixando para trás o que mais tem lhe reduzido a capacidade de produção e criação de empregos, passando a ocupar a posição que sempre desfrutou de oitava economia de mercado do mundo. Dessa forma, a expectativa reinante é de que volte a gerar empregos internos em grande escala, de modo a restabelecer a economia e permitir que todos os brasileiros tenham pão à mesa, até mesmo como recompensa pelo seu trabalho.
É necessário retomar o crescimento e, naturalmente, deixar para trás, novamente, o que temos visto tanto nas pequenas como nas grandes cidades, estas em especial: o crescente número de moradores de rua que, ante a absoluta impossibilidade de alternativa de emprego, entregam-se aos vícios, os mais devastadores, como verdadeiras pragas de gafanhotos, que destroçam vidas, famílias e transformam pessoas em zumbis pelas ruas, tomadas pelo vício das drogas e, paradoxalmente, num País que ainda se fala e pratica a sua descriminalização.
[1] Pós-Doutor em Direito em pela Universidade de Salamanca – ES; Doutor em Direito Político e Econômico pela Universidade Presbiteriana Mackenzie; Mestre em Direito Processual pela PUC-MINAS; Professor da PUC-MINAS; Professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie – Graduação e Pós-Graduação; Membro da Academia Mackenzista de Letras e do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo; Membro da Academia Paulista de Letras Jurídicas; Desembargador Aposentado do TJMG; Advogado do Instituto Presbiteriano Mackenzie – SP.
2 Uma sesmaria contém 150 quadras cada légua equivale a 50 quadras, uma quadra é igual a 87 hectares ou 132 metros de frente por 6.600 de fundo. Cada quadra da sesmaria equivale a 66 braças estas iguais a 2.20 ms. De fundos e o palmo corresponde à área de 0.22 ms. (Disponível em https://www.google.com/search?q=quanto+mede+uma+sesmaria&sa=X&ved=2ahUKEwjN0oSO-eviAhVRJ7kGHeL_Af0Q1QIoA3oECAwQBA&biw=634&bih=608).
3 § 1º – Considera-se Reforma Agrária o conjunto de medidas que visem a promover melhor distribuição da terra, mediante modificações no regime de sua posse e uso, a fim de atender aos princípios de justiça social e ao aumento de produtividade. § 2º – Entende-se por Política Agrícola o conjunto de providências de amparo à propriedade da terra, que se destinem a orientar, no interesse da economia rural, as atividades agropecuárias, seja no sentido de garantir-lhes o pleno emprego, seja no de harmonizá-las com o processo de industrialização do País.
4 Constituição da República, de 1988 – Art. 186. A função social é cumprida quando a propriedade rural atende, simultaneamente, segundo critérios e graus de exigência estabelecidos em lei, aos seguintes requisitos: I – aproveitamento racional e adequado; II – utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente; III – observância das disposições que regulam as relações de trabalho; IV – exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores.