José do Carmo Veiga de Oliveira
O Código de Defesa do Consumidor, instituído pela Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 2001, trouxe grandes inovações à vida em sociedade, e com o perdão pela redundância, em se tratando do contexto de defesa do consumidor das práticas mais abusivas que sempre rodearam as relações de consumo. Cuida, originariamente, de uma disposição inserta na ordem constitucional de 1988 – art. 170, inciso V – promulgada em 05 de outubro de 1988, pois, até então, não havia nenhum diploma legal que tratasse especificamente da defesa do consumidor.
O fato é que, após a sua vigência, as relações de consumo no Brasil, tomaram novos rumos, de modo que provocou uma imensa mudança na forma de se conduzir dos grandes conglomerados de produção e prestação de serviços, inclusive no que se refere ao sistema bancário nacional que, a princípio, buscou opor resistência visando a exclusão das suas relações com os consumidores em razão dos serviços bancários.
No entanto, não encontrou acolhida junto ao Poder Judiciário, que terminou por rechaçar a alegada inconstitucionalidade. Nesse ínterim, o Superior Tribunal de Justiça editou a Súmula nº 297, sobre o tema em apreço, com o seguinte teor: Súmula 297 do STJ: “O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras”.
O resultado final do julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 2.591, proferido pelo Supremo Tribunal Federal – guardião da Constituição da República Federativa do Brasil -, nos moldes do disposto no seu art. 102, foi de sua improcedência, prevalecendo, portanto, a aplicação do Código de Defesa do Consumidor ao sistema de relações do Direito Bancário Brasileiro.
O Plenário ao concluir o julgamento da ADI entendeu que as relações de consumo de natureza bancária ou financeira devem ser protegidas pelo Código de Defesa do Consumidor (CDC). Por maioria – nove votos a dois -, os Ministros julgaram improcedente o pedido formulado.
A Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990, no último dia 11.09, completou 29 anos de vigência. Estabelece, em seu artigo 28, a plena possibilidade de ocorrer a desconsideração da personalidade jurídica, como alternativa a se buscar o resguardo integral do consumidor nas relações protegidas pelo referido normativo, e o faz de modo abrangente, eis que visa proteger a parte hipossuficiente frente ao fornecedor.
A norma foi inspirada em modelos legislativos estrangeiros já vigentes, com destaque para a Resolução nº 39, de 09 de abril de 1985, da Assembléia Geral da Organização das Nações Unidas, das leis espanhola, portuguesa, mexicana e de algumas Diretivas do Direito Comunitário Europeu.
A doutrina especializada costuma, ainda, classificar a norma protetiva do consumidor como lei principiológica, uma vez que não trata especificamente de nenhum contrato em especial e também por estabelecer novos parâmetros para todos os contratos que tenham como objeto as relações de consumo. É, ainda, norma de ordem pública e interesse social, sendo, por esse motivo, de aplicação obrigatória.
A Lei 8.078/90 – Código de Defesa do Consumidor – por diversos aspectos é tida como revolucionária em nosso ordenamento jurídico, representando, sem dúvida alguma, um verdadeiro marco na organização da sociedade civil em defesa de seus próprios interesses e direitos. A norma aponta para a necessidade de intervenção do Estado em estabelecer proteção da parte mais vulnerável na relação jurídica, visando, sobretudo, equilibrar a relação mantida entre fornecedor e consumidor.
O ponto alto dessa legislação toma por fundamento a “defesa” em sentido estrito de defesa do consumidor ao fundamento de que se trata da parte hipossuficiente, ou seja, de menor condição econômica frente à outra parte no que pertine à relação contratual firmada com o fornecedor.
Entende-se, pois, por consumidor, aquele a quem se destina o produto ou serviço como seu destinatário final. E de outro lado, o fornecedor, que é exatamente quem fornece o produto ou serviço, considerado pela legislação em apreço quem, na verdade, se encontra na condição de superioridade na relação com o consumidor. Logo, a defesa do consumidor deve estar pautada em favor daquele que se encontra na posição de não dispor da mesma condição econômica do fornecedor, por isso a nomenclatura de hipossuficiente, ou seja, de pouca possibilidade de se colocar frente a frente com aquele que está numa posição de superioridade em razão de sua condição economicamente superior.
Por isso, a lei estabelece em favor do consumidor até mesmo o privilégio de foro, ou seja, do seu domicílio deve demandar o fornecedor, quando for o caso. Isso equivale, a título de exemplo que, se o fornecedor tem sua sede na Zona Franca de Manaus – AM e o consumidor reside em Caratinga – MG, o seu foro, ou seja, o local onde deverá ajuizar a sua pretensão deverá ser onde fixou sua residência com ânimo definitivo, ao que o direito chama de domicílio ou foro. Foro e fórum não são expressões sinônimas e, por isso mesmo, devem ser distinguidas. Foro é o local onde se instaura um litígio, uma circunscrição judiciária e fórum, o edifício ou prédio que abriga a sede do Judiciário em cada comarca, ou seja, a sede de sua administração.
Vê-se, portanto, que a referida Lei tem grande relevância para as relações de consumo entre fornecedor, seja de serviço, bens ou produtos, relativamente à pessoa do consumidor, devendo voltar nossa atenção, sobretudo, para situações em que pode ocorrer abuso do direito de demandar contra o fornecedor, revestindo-se de inequívoca má-fé em que a pretensão final constitua-se da investida para efeito de obter vantagem indevida ou ilícita, em virtude do que se tem denominado frequentemente de “indústria do dano moral”.
Lamentavelmente, como se sabe, algumas pessoas vêm no vislumbre de uma situação em que tenha sofrido algum tipo de aborrecimento como sendo fonte de obter algum tipo de vantagem econômico/financeira. Por isso mesmo, buscam em Juízo alcançar esse intento. É lamentável, mas, de fato, isso ainda ocorre com frequência, cabendo, portanto, ao Judiciário, refrear essa ânsia, pois, o dano moral tem o propósito exclusivo de compensar e não de indenizar o hipossuficiente em situações em que reste claro pela prova produzida que houve uma lesão a direito de personalidade, como, por exemplo, o registro de um protesto indevido, a dor pela perda de pai, mãe ou irmão em situação de delito ou acidente, lesão permanente provocando incapacidade irreversível. Mas, nunca, reitere-se, para se obter uma vantagem econômica, o que pode se constituir em um ilícito civil, ou seja, enriquecimento sem causa.
[1]Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: omissis… V – defesa do consumidor;
2 Esse instituto cuida de situações por meio das quais é possível ao Julgador intervir no direito de propriedade dos sócios, gerentes ou administradores quando houver fraude para efeito causar prejuízos ao consumidor quando do cumprimento de certas relações jurídicas firmadas entre a pessoa jurídica e o consumidor.