Ildecir A. Lessa
Advogado
Todo estudante ou observador do Direito Constitucional sabe que fora da Constituição não há instrumento nem meio que afiance a sobrevivência das instituições. Contudo, apregoa-se que o Brasil está em situação constitucional preocupante. Esse apregoar aponta para uma passividade do povo, que não tem paralelo na história, as camadas governantes desmantelam a máquina do poder, ferem a Constituição, aviltam o Estado e as elites aplaudem; a classe representativa não reage, à altura. Parece que o centro do poder está fora do território nacional e ninguém sabe que surpresa amanhã nos aguarda.
Todos esses aspectos do desastre brasileiro passam por um exame crítico e interpretativo, em que avultam aqueles fenômenos políticos, cuja violência podem romper as estruturas do Estado de Direito, abala a democracia constitucional e nega a república federativa, penhor de união e solidariedade. Em meio a tudo isso, estamos diante de uma pandemia do novo coronavírus, trazendo um impacto político, cultural e socioeconômico que pode causar alterações profundas na sociedade brasileira.
Um dos Poderes, o Poder Judiciário recebeu recentemente ataque com fogos de artifício por um grupo, contra o prédio do Supremo Tribunal Federal (STF), trazendo à tona, de novo, a conturbada relação entre os poderes Executivo e Judiciário, que ficou ainda mais tensa na última semana.
Essa ferida de confronto entre esses dois Poderes, ficou bem aberta com divulgação de vídeo, onde os ministros foram chamados de “vagabundos” por uma autoridade do Governo. Essa tensão está pontuada também, com a decisão do ministro do STF Alexandre de Moraes que barrou a nomeação de Alexandre Ramagem como Chefe da Polícia Federal. E ainda, o inquérito das fake news, instaurado pelo STF. Por fim, outro ministro do STF, Luiz Fux, concedeu uma liminar delimitando a interpretação da Constituição e da lei que disciplina as Forças Armadas. Vem em cena também o Congresso, que têm suspendido várias das medidas do Executivo, alegando que isso ocorre porque o Presidente tem um poder limitado.
Sem alarde, parece que está presente essa tensão nos três poderes. E nesse caso, deve-se buscar uma interpretação, de como funciona o chamado ‘sistema de freios’ entre Congresso, STF e Executivo. Para muitos constitucionalistas, o sistema de freios e contrapesos estabelecidos pela Constituição está bem ativo agora. É bom fazer uma análise, de como funciona este sistema de freios e contrapesos? Dos livros, busca-se que, a teoria da separação de poderes vem do século 18, do filósofo francês Montesquieu, com a ideia de não concentrá-los em uma só pessoa ou órgão, dividindo o poder para, assim, afastar governos absolutistas e normas tirânicas. Essa teoria está na base da democracia, cada país democrático moldou seu sistema de governo em torno dessa separação de poderes.
No Brasil, existem os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário. E cada um desses poderes são “independentes e harmônicos”, conforme o artigo 2º da Constituição Federal. Com isso, existe a ideia de consenso e colaboração. O Poder Executivo é representado pelo chefe do Executivo, com a função primordial de executar, ou seja, aplicar a lei para administrar o governo, entre outros. O Poder Legislativo tem a tarefa de legislar, ou seja, elaborar leis e fiscalizar as ações do poder Executivo. É exercido pelo Congresso Nacional e, nos Estados, pelas Assembleias Legislativas estaduais. O Poder Judiciário julga a aplicação das leis e zela para que estas sejam observadas e que respeitem a Constituição. É composto por vários tribunais, com o Supremo Tribunal Federal como instância máxima. Cada um desses poderes têm funções “típicas” e “atípicas“. “A teoria dos três Poderes determina que cada poder tenha sua função que é para manter o equilíbrio na relação, uma forma de contrabalancear os pesos. Logo, contrabalancear os pesos é uma forma de impedir que um dos poderes se exceda e esses mecanismos estão estabelecidos na Constituição de 1988.
Conclui-se, portanto que, a ideia de separação dos poderes é uma ideia de contenção do arbítrio. Quando os poderes são amparados, cria-se vários agentes de veto que conseguem conter uns aos outros, sendo assim esse funcionamento: o Legislativo controla o Executivo, o Judiciário controla o Executivo e o Legislativo, o Legislativo e o Executivo nomeiam o Judiciário. Sendo oportuno lembrar que, a formação do Poder Judiciário ou do Supremo Tribunal no Brasil e nos tribunais superiores, sempre se dá com a participação do Executivo, que nomeia seus membros, e do Legislativo, que os aprova.
Enfim, mesmo em meio a essa turbulência, com a pandemia rondando, trazendo um horizonte de insegurança, cabe manter a tranquilidade, mas principalmente a coragem e a dignidade de continuar a honrar a Constituição, com cada poder cumprindo a sua obrigação que é expressamente imposta, de guardá-la, garantindo sua aplicação a todos e por todos. Afinal, é de se indagar, se o Brasil efetivamente é um país Constitucional?