Conheça a história de idosos de Caratinga e região que ultrapassaram a marca dos 100 anos. Eles foram homenageados pelo Centro Universitário de Caratinga
CARATINGA- Eles têm duas coisas em comum. Ambos ultrapassaram a marca dos 100 anos de idade e têm muito carinho e cuidado de seus entes queridos. Além disso, todos têm suas raízes nas zonas rurais, do trabalho no campo e na vida simples, longe do agito dos centros urbanos. Talvez este seja um dos segredos da longevidade.
De acordo com o censo 2010, os idosos da população de Caratinga estavam distribuídos em: com mais de 100 anos (5), 95 a 99 anos (15), 90 a 94 anos (69), 85 a 89 anos (173), 80 a 84 anos (377), 75 a 79 anos (674), 70 a 74 anos (927), 65 a 69 anos (1085) e 60 a 64 anos (1407).
E os idosos de Caratinga e região receberam uma homenagem do Centro de Assistência à Saúde (CASU UNEC) e Fundação Educacional de Caratinga. Chamado de “Nossos Centenários”, o evento realizado na última quinta-feira (19) reuniu os centenários e seus familiares. Um mural exibia as fotos de cada um deles, com suas expressões, as marcas de uma vida longa, mas cheia de desafios superados.
Para o reitor do UNEC, professor Antônio Fonseca, a iniciativa de homenagear os idosos é um reconhecimento de sua importância para a sociedade. “Com base na importância que essas pessoas tiveram no cenário, principalmente regional, e que têm até hoje como exemplo de vida. E de certa maneira até copiando esses países mais desenvolvidos como Japão e China, em que essas pessoas mais idosas, centenárias, tem uma importância muito grande e às vezes aqui no Brasil nós nos esquecemos dos idosos e ficamos muito no campo da criança, que precisa ser homenageada e cuidada, mas não podemos esquecer daqueles que são exemplo de vida”.
E para ultrapassar a marca dos 100 anos são necessários alguns cuidados com a saúde. Fonseca destaca o papel do CASU neste processo e os benefícios que já são perceptíveis. “Com a criação do CASU, começamos a perceber através dos tratamentos que a gente fazia com as pessoas, das orientações, em todos os sentidos, desde os aspectos psicológicos, até de como tomar um remédio, regrar a alimentação, os exercícios físicos; que as pessoas podem viver mais, basta que tenham uma vida regrada, que façam as coisas com certo cuidado. Esse é um dos motivos desse trabalho que estamos fazendo, nessa homenagem muito merecida. São pessoas maravilhosas, de bem com a vida, estão sempre sorrindo, isso serve de exemplo para nós”.
A diretora do Instituto Superior de Ciências da Saúde do UNEC, Daniela Fonseca, reitera o trabalho desempenhado pelo CASU e os cuidados necessários para chegar à melhor idade. “A missão do CASU é a gente promover a saúde, prevenir e tratar as doenças e reabilitar. A gente quer mostrar com esta homenagem que é possível todos nós chegarmos a essa longevidade, ao centenário, desde que a gente cuide da nossa saúde, se preocupe. Então é a nossa missão, mostrar que a gente deve começar de cedo, de criança, se não começou ainda, há tempo, se cuidar”.
Nesta reportagem especial, o DIÁRIO DE CARATINGA traz um pouco da história de vida de alguns idosos. Uns falam muito, outros são um pouco mais calados, mas todos estavam satisfeitos com a homenagem recebida e cercados de afeto de pessoas bastante especiais.
Bárbara Melo da República, moradora de Caratinga, tem 101 anos. A idosa, que é natural de Rio Pomba, teve 16 filhos, dos quais oito ainda estão vivos. O seu esposo, Forgamindo da República, está com 104 anos. O casal centenário gosta de música e quando dona Bárbara escuta o toque da sanfona de seu esposo, seu amor renasce como quando se conheceram, há muitos anos.
Dona Bárbara falou pouco. “Muita boa a homenagem. Fiquei muito feliz”, resumiu, com certa dificuldade. Ela estava acompanhada do filho Benedito da República, de 81 anos. Ao olhar para o senhor Benedito é fácil perceber que a família tem mesmo uma boa genética e muita disposição.
Mas, Benedito fez questão de falar da rotina dos pais e dos hábitos que contribuíram para uma vida longa. “Uma família que costuma alcançar uma idade mais avançada, modéstia a parte. Isso é uma coisa muito complexa, muito relativa, porque tem pessoas aí que morrem com 20 anos, 10 anos, é um mistério. Eles sofreram na vida, comendo canjiquinha pura, lutando, brigando. Papai andando de bicicleta de Bom Jesus do Galho pra vir para aqui vender loteria. Não foi brincadeira. Mas, acho que vai mais da qualidade de vida, do jeito de viver diferente. Papai não fuma, não bebe e não joga. Eu também não bebo e não fumo. Gosto muito é de música, sou apaixonado com música e as coisas boas. Papai também gosta de música e até toca um pouquinho de sanfona”.
Os hábitos saudáveis passaram de pais para filho. Benedito afirma que com ele não há tempo ruim e seguindo a típica vida de zona rural, respira o ar do campo logo cedo. Assim, ele pretende chegar à idade alcançada pelos seus pais. “Papai não está paralítico hoje porque andar de bicicleta igual a ele poucos faziam. Ele fazia aquele trajeto todo dia de bicicleta, estrada de chão. Isso é muito interessante, a questão física, também sou aquele cara que levanta 6h e quando a minha esposa levanta às 10h, já fiz biscoito, coei café, molhei planta, lavei galinheiro, botei para quebrar mesmo, porque minha raça, meu sangue é assim. Tenho uma escada de 17 degraus e uma de 15, eu subo aquilo umas 50 vezes por dia. Quero chegar lá, já estou com 81, se Deus quiser”.
Castulina Ferreira da Silva, moradora de Ubaporanga, tem 111 anos de idade. Ela afirma que a homenagem foi emocionante: “Senti até mal hoje mais cedo, acho que é por isso, a emoção. Nunca podia imaginar de receber essa homenagem”.
Bastante lúcida, dona Castulina lembra que seu marido morreu há quase 60 anos, mas faz questão de explicar que passou apenas pela cerimônia religiosa, de acordo com os moldes da época. “Casei só no padre, não casei no civil, porque no tempo em que me casei não usava casar no civil”, esclarece.
Ao ultrapassar a marca dos 100 anos, ela atribui esta idade à religião e suas orações. O lado triste disso tudo é a inversão dos papeis. Todo pai ou toda mãe imagina que jamais deviam enterrar os filhos, o que acaba se tornando cada vez mais provável quando se chega a uma idade tão avançada. “Criei meus filhos todos assim, morando na roça. É muita fé em Deus e nem sei que milagre eu tive que nem minha mãe, meu pai e meus irmãos alcançaram a idade que estou. Meu filho morreu tem pouco tempo, eram 13 filhos, todos casados, tenho até tataraneto. Eu nem esperava”, lamenta.
Mas, a vida de dona Castulina, sobretudo, é alegria. Casa cheia é certeza de dia feliz. “Gosto muito de reunir a família. Hoje não vieram todos porque estão trabalhando, mas a família tem que estar por perto, os que puderam vieram, graças a Deus”.
Sebastiana Ferreira dos Santos, moradora de Caratinga, é de poucas palavras. Agradeceu a homenagem e mencionou Deus como referência à chegada dos seus 106 anos. Tranquila e serena, ela estava acompanhada de Maria das Graças Torres.
Maria mora com dona Sebastiana e se derrete em elogios quando fala da idosa. “Ela é minha herança. Era da vovó, a vovó deu ela para a mamãe e a mamãe já foi, agora ela é nossa. A Tatana é uma alma de Deus que está aqui, não tem maldade nenhuma, só quer o bem de todo mundo. Muito calada, mas gosta de farra, festa, de formatura, casamento, aniversário. Come de tudo, bebe de tudo, álcool não, mas refrigerante, adora festa. Ela merece homenagem, é uma pessoa muita especial”.
Dona Sebastiana nunca se casou. Não sabe ler e nem escrever. Para Maria, ela chegou a esta idade devido a uma vida tranquila e sem estresse. Além disso, é bem cuidada e faz acompanhamento médico. “Ela tem mal de Parkinson, mas olha como não treme. A gente nunca descuida.”, conta Maria apontando para Tatana que mostra as mãos frágeis, mas firmes.
A idosa é tão querida, que ganhou três festas de aniversário quando completou 100 anos. Maria conta que a centenária adora passear e viajar de avião. “Em Caldas Novas fizeram um festão pra ela, coisa mais linda. Ela ia fazer 100 anos em janeiro e fomos lá em novembro. Em Belo Horizonte teve outra festa porque a minha família reuniu, somos daqui, mas têm muitos lá. Quando chegou aqui, os amigos e vizinhos, outra festa. E vamos lá, quero chegar com ela aos 110, e cento e tantos quanto vierem”.
Apesar da idade, Tatana anda, come e toma banho, sozinha. “A gente tem que auxiliar em algumas coisas, muito discretamente, para não magoar, mas ela é muito independente”, revela Maria.
Mas, as maiores distrações dela são a coleção composta por pelo menos 30 bonecas, que ficam expostas em seu quarto e colorir os seus caderninhos. A televisão também é companheira da idosa, mesmo com os problemas de saúde típicos da idade. “Ela fica deitada e namorando as bonecas, com duas ou três na cama para dormir junto. Têm três pessoas que ela conhece na televisão: o papa, o Roberto Carlos e a Dilma. Ela pode não escutar bem o que está falando, mas comenta. Já tem o problema de vista, uma catarata, mas nessa faixa etária não se mexe. Porém, isso não impede a ela de passear e ser feliz”.
Nos diálogos diários que Sebastiana tem com Maria, ela costuma falar de um irmão, do qual ela só sabe o primeiro nome: Nicolino. Durante a entrevista, Tatana repetiu este nome. No entanto, nunca conseguiram contato com pessoas ligadas a ele. “Não se sabe se ainda é vivo, não sei onde está. Papai que fez o registro dela, ela não tinha registro, então, a gente não sabe nem o sobrenome. Mas, ela bem que queria achar, deve ter sobrinho neto”.
E se tem uma coisa que dona Sebastiana não esquece é de um compromisso com a religião: o pagamento do dízimo. “Ela é do tempo que ainda estava construindo a Catedral, morava em frente, perto da casa paroquial. Ia à missa às 5h, mas estava mais nova, agora não aguenta. Mas, gosta de pagar o dízimo. Não conhece dinheiro, para ela R$ 5 e R$ 50 é tudo a mesma coisa, mas ela cobra: ‘Pagou o meu dízimo?’. E então eu pago o dízimo dela, tiro do salário dela, porque pra ela é importante. Ela é uma alma pura, ingênua demais”.
“Criei aquela ‘filharada’, foram todos embora”
Leonidia Maria da Silva, de 109 anos é natural da região de Juiz de Fora e mora com uma filha, que lhe acompanhou na homenagem. Sobre a homenagem, ela disse: “Muito feliz, é a fé em Deus que a gente tem”.
Dona Leonida afirma que apesar de tudo que passou, segue com saúde, mas lamenta que boa parte família tenha se distanciado. “Tem cinco anos que queimei, mas, graças a Deus estou aqui. A gente fica ‘mole, mas tirando isso estou bem demais. Criei três famílias, meus filhos jogaram tudo nas minhas costas e sumiram. Criei aquela filharada, foram todos embora. Eu trabalhava demais, plantava arroz, colhia feijão, mesmo assim estou aqui agora com vocês”.
“Passei por muita coisa na vida, mas estou aqui”
Geraldo Magela Pereira, 102 anos é de Caratinga. Teve 10 filhos, mas, somente seis estão vivos. Ele comemora a idade centenária com saúde e se lembra de um passado de muito trabalho. “É muito bom e com saúde, graças a Deus. Tive quase nada. Eu trabalhei em muita coisa, na roça, com carro de boi, fui carroceiro por muitos anos, muitas coisas eu puxei com cavalo. Trabalhei demais, nesse colégio mesmo, tenho uns amigos que me conhecem há muitos anos. rodava isso aqui tudo, era cansativo, mas tinha que trabalhar. Mas, trabalhar é bom também, você está sempre movimentando”.
Apesar das dificuldades, Geraldo é animado e não é do tipo de pessoa que consegue ficar parado. Ainda há tempo para algumas travessuras. “Passei por muita coisa na vida, mas estou aqui. Gosto de forró, de tudo, eles só não gostam que eu viaje sozinho”, sorriu olhando para o filho, Francisco Pereira.
Francisco confirmou que acompanhar o ritmo do pai não é fácil, mas comemorar o centenário de Geraldo traz grande alegria para a família. “Ele gosta de tudo, não fica parado. É saído mesmo. Gosta de um forrozinho, não toma remédio nenhum, de vez em quando toma uma cervejinha e não adianta falar com ele, gosta de uma branquinha também (risos)”.