Ildecir A. Lessa
Advogado
Vivemos na atualidade, diferentes tipos de crise: a crise econômica, a crise de valores, a crise educacional e, a crise política na estrutura democrática. A crise política vem se agravando a cada dia, com as prisões de pessoas supostamente envolvidas em fraudes. São tantas prisões que levaram as manifestações de diversos seguimentos da sociedade contra, como o Movimento pela Democracia a “Manifestamos a nossa indignação diante das arbitrariedades promovidas por setores da Justiça, dos quais espera-se equilíbrio e apartidarismo”.
O Poder Judiciário, com certeza, tem papel importante nesse contexto. A Operação Lava-Jato, de início, faz parte de um esforço nacional de combate a corrupção. Mas, o toque de tudo isso, é a prisão. O art. 5º, caput, da Constituição Federal, a liberdade é um direito fundamental de primeira dimensão, cláusula pétrea que não pode ser suprimida ou mitigada. Foco no princípio da presunção de inocência, em regra, “ninguém pode ser preso antes de sentença penal condenatória transitada em julgado”. Mesmo com status de direito fundamental, o direito a liberdade não possui caráter absoluto. Em determinadas situações, mesmo em conflito com a presunção de inocência, é possível que um sujeito de direito tenha seu status libertatis tolhido. Para orientação desse artigo, no Direto brasileiro tem a prisão duas naturezas distintas: a) prisão-pena, que decorre de sentença penal condenatória transitada em julgado e que visa, em sintonia com art. 59, do CP, retribuir, com o mal — a prisão —, o mal causado, mas também prevenir que novos delitos venham a ser cometidos — função retributivo-preventiva; e a: b) prisão cautelar, provisória, processual ou sem pena, que tem como subespécies a prisão preventiva e temporária. Nesta situação — prisão processual — há segregação já na persecução penal, antes mesmo de haver a formação da culpa. Somente pode ser admitida em “casos de exacerbada excepcionalidade”. A prisão processual se tornou regra. Mesmo confrontando com o princípio da presunção de inocência, deve ser vista como medida excepcional, quando não houver outra medida cautelar diversa da prisão menos gravosa, capaz de alcançar o mesmo fim desejado (art. 319, Código de Processo Penal).
Para que haja, a legítima decretação de prisão cautelar, alguns pressupostos devem ser preenchidos, sob pena de se macular o decreto pela pecha da ilegalidade, devendo ser a prisão, nestes casos, relaxada. Dois são os requisitos gerais de cabimento das cautelares: necessidade e adequação, nos termos do artigo 282, inciso I e II, do Código de Processo Penal. Especificamente a prisão preventiva, ultrapassada a fase dos requisitos gerais, é preciso analisar os requisitos específicos da prisão preventiva, onde deve estar preenchido o fumus comissi delict, que se traduziria na “fumaça do cometimento do delito”. Há necessidade de fortes indícios de que o agente tenha cometido um crime. Mas não é só, a decretação da prisão preventiva pressupõe prova da existência do crime [materialidade delitiva] mais indícios suficientes de autoria. Por mais gravosa que seja a imputação e por mais robusta que seja a prova de autoria, esses pressupostos, por si sós, não são suficientes para justificar o encarceramento preventivo.
Há que se verificar, em cada caso, se o investigado/indiciado/acusado oferece risco à eficácia do processo. De modo geral, consoante dispõe o Código de Processo Penal, em seu art. 312, o perigo da liberdade consubstancia-se em atos que possam evidenciar riscos à ordem pública, à ordem econômica, atitudes do imputado que embaracem a conveniência da instrução criminal ou, ainda, comportamentos concretos, por parte do acusado, que revelem uma intenção de fuga, colocando em xeque, assim, a própria aplicação da lei penal. O magistrado, quando da expedição de um decreto de prisão cautelar, deve se ater à existência de um fato criminoso cumulada ao perigo que o acusado, caso aguarde o tramitar processual em liberdade, possa causar à eficácia do processo. Estando presentes o fumus comissi delict e o periculum libertatis pode-se decretar legitimamente a constrição processual da liberdade. Tem causado estranheza, é a decretação sucessiva e reiterada da prisão preventiva. Precedentes sobre prisões ocorridas no bojo da operação “Lava Jato”, cuja repercussão é nacional, tem orientado diversos juízes que passaram a também decretar prisões a esmo como se regra fosse a prisão. É preciso tomar cuidado para que o magistrado de primeiro grau não se apaixone pela causa e perca a necessária imparcialidade, deixando de ser magistrado, para se tornar um estrategista inquisidor. O voto do Ministro Celso de Mello, no HC 95518/PR, consignou que “O interesse pessoal que o magistrado revela em determinado procedimento persecutório, adotando medidas que fogem à ortodoxia dos meios que o ordenamento positivo coloca à disposição do poder público, transformando-se a atividade do magistrado numa atividade de verdadeira investigação penal. É o magistrado investigador.”
Em relação as prisões destacadas na reportagem do Diário de Caratinga do dia 2 de junho, há relato de que ”uma das pessoas ouvidas formalizou com o Ministério Público termo de cooperação…” . Noticia ainda, que a Operação Império foi para “desarticular uma organização criminosa que desviou recurso em espécie do município de Caratinga..” . Informa mais que, o advogado Salatiel Ferreira Lúcio prestou depoimento relevante. Contudo, não foi divulgado a decisão do magistrado, nem termo de cooperação, nem o depoimento do citado advogado, somente informações verbais das autoridades encarregadas da operação. Sem o exame jurídico dos fatos que motivaram as prisões, à luz do Direito Penal, não tem como classifica-la de legal ou ilegal. Ficamos com os maus momentos e regra da prisão!