Ildecir A.Lessa
Advogado
O Diário de Caratinga, desta quarta feira, 19 de julho, trouxe notícia em primeira página de que, o TJMG decidiu pela restauração do antigo Cine Brasil. Tudo originou de um recurso aviado pelo Ministério Público do Estado de Minas Gerais, por apelação, a sentença do Juiz da Segunda Vara Cível da Comarca, com decisão conjunta, a ação cautelar preparatória (Proc. n.º 0134.12.010879-7) e a ação civil pública em defesa de patrimônio cultural (Proc. n.º 0134.12.011838-2) ajuizadas em face a Distribuidora de Tecidos São Thiago Ltda e o Município de Caratinga. Tudo teve origem, segunda consta do processo, que, na data de 6/7/2012 a empresa referida iniciou a demolição de importante bem histórico e cultural do imóvel denominado “Cine Brasil”, situado na Praça Getúlio Vargas n.º 59.
O bem histórico encontrava tombado temporariamente, com vistas à sua proteção definitiva, com abrigo na LMC n.º 3.039/08. O Conselho Municipal do Patrimônio Cultural de Caratinga declarou em 4/3/09, o tombamento do imóvel. Em decisão do então, Chefe do Executivo Municipal foi determinado o arquivamento do processo de tombamento, concedendo alvará à proprietária, Distribuidora de Tecidos São Thiago Ltda, com autorização expressa para demolir o imóvel, materializada no Decreto n.º 1.363/12. Esse expediente ensejou ação judicial, com demorada prolação de sentença de improcedência do pedido. Com a improcedência da ação, no Juízo da 2ª Vara, a empresa logo, retomou as ações de demolição do imóvel. Com novas tomadas de medidas judiciais e a submissão da sentença ao duplo grau de jurisdição obrigatório, houve o reversão da decisão junto ao TJMG.
No bojo da decisão do TJMG, diz que: “a empresa proprietária do imóvel pleno conhecimento do processo de tombamento, tendo constado da notificação sobre a rejeição da sua impugnação e manutenção da decisão de tombamento a informação de que seriam estabelecidas diretrizes de uso pelo COMPAC (Conselho Municipal do Patrimônio Cultural). Se haveria restrições de uso, quiçá para empreender modificações estruturais ou demolição do imóvel. Logo, o alvará não poderia ter sido expedido sem o prévio parecer do Conselho Municipal do Patrimônio Cultural”. Consta ainda da decisão que: “… quando iniciada a demolição do imóvel do antigo “Cine Brasil”, a população de Caratinga se indignou e tentou impedir o ato, tendo um dos magistrados da comarca chamado a polícia, que lavrou o boletim de ocorrência”.
Com as devidas análises jurídicas, a decisão do TJMG foi no sentido de dar provimento ao recurso do MP, para condenar o (Município de Caratinga) ao solidário cumprimento das obrigações impostas à empresa Distribuidora de Tecidos São Thiago Ltda, com a determinação de cumprir o projeto de restauração da edificação do imóvel denominado “Cine Brasil”, à situação em que se encontrava por ocasião da notificação de tombamento, no prazo de 90 dias. Tudo com a assistência de profissionais habilitados, observadas as exigências técnicas e mediante prévia aprovação pelo Conselho Municipal do Patrimônio Cultural de Caratinga.
Todo esse demorado processo teve como objetivo, a faculdade legal, do Poder Público, de intervir na propriedade de particulares, por meio do tombamento, para a preservação da memória de um bem histórico, por toda população de Caratinga reconhecido, que faz parte da própria cultura do povo e representa fonte sociológica de identificação dos vários fenômenos sociais. A decisão do TJMG atentou para o pressuposto de que, o Estado sobreleva o interesse público sobre o privado, a fim de preservar bens que agregam à nossa comunidade valores de caráter histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico. Não é à toa, que são inúmeros os bens tombados na atualidade, em nosso país. Essa é a regra constitucional, que impõe ao Poder Público a responsabilidade de garantir a todos o exercício dos direitos culturais e a proteção do patrimônio cultural. O art. 216, §1°, da Constituição Federal, dispõe que o Estado, em colaboração com a comunidade, promoverá e protegerá o patrimônio cultural brasileiro, por meio de inventários, registros, vigilância, tombamento e desapropriação, e de outras formas de acautelamento e preservação. O tombamento é apenas um dos instrumentos de proteção do patrimônio público. A legislação vigente, impõe obrigações positivas aos titulares dos bens o dever de promover medidas de conservação necessárias sua preservação. Na ausência de condições financeiras para a adoção dessas medidas, o proprietário do bem deve informar ao Poder Público. Qualquer negócio jurídico sobre o bem histórico, em se tratando de alienação onerosa, haverá direito de preferência da União, dos Estados e Distrito Federal e dos Municípios, nessa ordem.
O que aconteceu está plenamente refletido, na precipitação da proprietária em demolir o imóvel, aliado a um erro grave do então Chefe do Executivo em conceder o alvará para demolição, tudo sob a vigilância da sociedade de Caratinga, que manifestou indignada. Passado o tempo, com a demora da Justiça em julgar o caso, resta agora, após a decisão do TJMG, a tristeza do povo de Caratinga pelo episódio, que agrediu um bem histórico, hoje em escombros e de outro lado, verdadeiro retrato de uma Justiça tardia!