Ildecir A. Lessa
Advogado
“Dai-nos homens! Dai-nos juízes de gênio! É o que precisamos “(Gerland). Ganhou grande repercussão no noticiário jurídico, nesta última semana, a sentença do juiz Jerônimo Azambuja Franco Neto, da 18ª Vara do Trabalho do TRT da 2ª Região, que definiu o Brasil como “merdocracia“. Ao elaborar uma sentença, julgando procedente a ação do Sindicato dos Empregados no Comércio Hoteleiro e Similares de São Paulo e condenar um restaurante à observância de cláusulas normativas referentes ao piso salarial normal e seguro de vida, o magistrado afirmou que o país vive uma “merdocracia liberal neofascista”.
A reação da Advocacia Geralda União (AGU), foi de que “O linguajar utilizado na sentença — característico de um militante partidário, não de um juiz — foge da técnica jurídica e claramente viola o Código de Ética da Magistratura”. A AGU representou o juiz perante o Conselho Nacional de Justiça. Além de definir a situação do país como uma verdadeira “merdocracia”, Franco Neto cita alguns dos principais personagens do governo de Jair Bolsonaro. “O ser humano Weintraub no cargo de Ministro da Educação escreve “imprecionante”. O ser humano Moro no cargo de Ministro da Justiça foi chamado de “juizeco fascista” e abominável pela neta do coronel Alexandrino. O ser humano Guedes no cargo de Ministro da Economia ameaça com AI-5 (perseguição, desaparecimentos, torturas, assassinatos) e disse que “gostaria de vender tudo”. O ser humano Damares no cargo de Ministro da Família defende “abstinência sexual como política pública”. O ser humano Bolsonaro no cargo de presidente da República é acusado de “incitação ao genocídio indígena” no Tribunal Penal Internacional”, diz trecho da sentença.
O magistrado ainda cita o procurador da República Deltan Dallagnol que, segundo ele, “imbuído da lucratividade com suas palestras e holofotes (como revela The Intercept Brasil), propagou fazer jejum para o aprisionamento de Lula em um sistema penal, como já dito, fracassado e racista no Brasil”.
A sentença revela um juiz às avessas. A liberdade concedida ao juiz no julgamento de uma ação judicial, não significa liberdade absoluta, a ponto de fugir do que está sendo julgado, para tecer críticas a homens públicos do Governo. Ademais, na ciência jurídica, a sentença judicial é um ato processual, composto de três requisitos, relatório, fundamentos e dispositivo, que visa a decidir um conflito de interesses, pela quebra inicial do princípio da inércia, provocada pela ação, de um autor que demanda, por meio de um instrumento conhecido como petição inicial que contém um pedido, precisamente o objeto teleológico do ato decisório.
Um procedimento deste leva a uma reflexão que, de certa forma o Judiciário brasileiro vê-se enrodilhado e embevecido num mosaico de mistificações formalísticas, de zumbaias e mesurices que alimentam o espírito carente de alguns juízes, imolando-os num verdadeiro narcisismo moral. Na ótica desse juiz às avessas, ele pode numa sentença julgar quem ele desejar, com uma necessidade compulsiva de estar certo. É ele como que o Crisóstomo, de cujos lábios descem as ondas de ouro dos conceitos definitivos, que julga no vértice de uma pirâmide e passar a querer um mundo arrumadinho em compartimentos estanques, onde tudo são reverências dos de baixo para os de cima, numa espécie de democracia de plano vertical.
A ação do juiz foi um ‘desacato reverso’, a ofensa à imagem do Poder, perpetrada por alguém do próprio Poder. O direito antigo anterior a 1800 considera as ofensas irrogadas contra os magistrados ‘injuria atrox’ (gravíssimas). Ou seja, o Judiciário, por exemplo, sempre foi ultravaidoso e ultracioso com a cafonice, de ser pessoalmente chamado de ‘excelência’ e outros paetês do tratamento ultraformalista. A defesa feita pelo Poder, relativamente à própria existência e império é sacrossanta.
O certo é que, o juiz não poderia utilizar da sentença como trincheira, numa escolha pouco inteligente, para irrogar críticas infundadas sobre os membros do Governo, quando a sociedade clama por um Judiciário forte, uma Justiça bem melhor do que a existente, sem esse tipo de juiz às avessas.