Com perfeita locução, Baranda não fazia narração, ele ‘televisava’ a partida na imaginação do ouvinte da Rádio Caratinga
Por Nohemy Peixoto
CARATINGA – “O meu nome completo é João da Conceição. Acredite se quiser, João da Conceição foi na época o Jota Baranda, que acompanhou o Caratinga até acabar de vez o futebol profissional e amador do clube”. Assim se define o entrevistado de hoje.
Na garagem de sua casa, no Bairro Vale do Sol, lá estava ele. Sentado em sua cadeira de rodas, já com 74 anos (‘fala baixo hein?!’- brincou sobre a sua idade com a jornalista Nohemy Peixoto), Baranda mostra que envelheceu, mas o homem que fez história em Caratinga permanece com a memória intacta da época que é considerada o tempo de ouro do esporte local. Tempo que, lamentavelmente, não volta mais.
O DIÁRIO DE CARATINGA traz uma entrevista especial com Jota Baranda. Ele foi motorista de caminhão dos armazéns do Bairro Esplanada e depois se transferiu para os coletivos da Transcolin, onde trabalhou por muito tempo, mas sua vida profissional mudou completamente. E foi essa mudança que lhe garantiu uma carreira brilhante como locutor esportivo na Rádio Caratinga.
Ele relembra momentos marcantes e opina sobre o atual cenário do futebol local e nacional. Baranda falou abertamente sobre todos os assuntos e não poderia ficar de fora o trágico 7 a 1 da Alemanha sobre o Brasil.
Quando questionando sobre o episódio, ele respirou fundo e disse: “Era bom eu ficar calado sobre isso”. Mas, quem disse que ele conseguiu ficar sem opinar? Fala sim, Jota Baranda! Sabemos que de futebol o senhor entende, e muito. Eis a voz da experiência do homem que não fazia apenas locução, Baranda fazia com o ouvinte da Rádio Caratinga tivesse a partida ‘televisada’ em mente.
Quando o senhor começou no rádio este veículo oferecia um leque de opções. Por que optou por ser locutor esportivo?
Comecei oficialmente no ano de 1979. Senhor Eurico Gade, ex-diretor da Rádio Caratinga, me fez um convite. Eu fazia gravações na lateral de campo com um gravadorzinho e quem ouvia falava assim: ‘Você vai ser um bom locutor, rapaz’. Aí o saudoso Coronel Chiquinho levou a informação e o Eurico mandou me convidar. Naquele tempo nós tínhamos o verdadeiro futebol, principalmente o amador. Tínhamos qualidade e quantidade, o oposto de hoje, porque não temos nem qualidade e nem quantidade. Então, Eurico me levou com a esperança de fazer a preliminar de América e Esplanada, jogaço na época. Me levou prometendo que iria me lançar no para transmitir a partida entre os times aspirantes. Chegando lá, ele abriu a jornada e foi transmitindo. Eu fiquei intrigado: ‘Esse cara falou que ia me pôr para narrar o aspirante e já tá acabando, não vai pôr é nada’. Na hora ele me lançou no jogo titular e não deu outra. Só dava eu em todo o futebol de Caratinga. Não estou em gabando, enchendo a minha bola, mas, como narrador não tinha outro que narrava igual a mim. Assim, fiquei 29 anos na Rádio Caratinga.
O senhor e Élio do Carmo marcaram época em Caratinga levando emoção aos torcedores em inúmeras transmissões esportivas realizadas na região e outras cidades do país. Devido à afinidade, vocês chegaram a ganhar o apelido de ‘Barélio’. Como foi essa época e sua relação com Élio do Carmo?
O Élio era o meu repórter de campo, porém um repórter profissionalmente falando. Ele fazia a parte técnica também, ligava a aparelhagem. Testava nas cidades que a gente ia, mantinha contato. Era também um parceirão na ajuda de vendas de comerciais, porque a rádio tinha um ordenado em carteira, mas dava uma comissão sobre aquilo que vendíamos. Élio e eu éramos também vendedores.
O senhor realizou várias transmissões esportivas do Esporte Clube Caratinga, o “Dragão”, no período em que o time chegou a disputar a 3ª e 2ª divisões do Campeonato Mineiro de Futebol. Como o senhor vê o futebol caratinguense hoje? Tem o mesmo vigor de antes?
O auge mesmo da época era o Caratinga, campeonato mineiro e nós acompanhávamos todos os jogos. Chegamos inclusive a ir à Unaí para fazer o jogo contra o time daquela cidade. Aonde o Caratinga ia, a Rádio Caratinga também ia. Mas, hoje acabou o que tínhamos da formação de jogadores e campos de futebol. Nós temos o estádio Doutor Maninho que atualmente é um verdadeiro elefante branco, porque para mim ele não tem nada. Têm umas crianças que jogam lá o campeonato amador, mas, infelizmente, é como dizia Cafu: ‘Quem viu, viu e quem não viu, não vê mais’. Lamba os lábios porque aquele futebol nunca mais voltara. E o campo do Bairro das Graças que ganhava em localização, lugar bonito, fechou. O do Anápolis transformou-se naquele ginásio, mais moradia e outras coisas, que era o estádio Omar Coutinho. E o do América foi loteado pela família Feliciano Abdala vendendo o terreno para as empresas de Caratinga. Então, acabou tudo, o futebol e os campos de futebol de Caratinga, até porque a gente salienta que os tempos mudaram. Não adiantar questionar isso ou aquilo. Mudou, transformou, por exemplo, a moçada hoje é mais viciada em bebida e outros tópicos que não é bom nem falar, do que propriamente futebol. Hoje o menino bate uma bola razoável, quer chuteira de 600 contos, coisa cara para poder jogar futebol. E no fundo não preserva, não joga nada e ficam aí esses marasmos aborrecendo a cabeça da gente porque até o próprio futebol profissional de hoje é de dar dó.
Independentemente de ser a área de transmissões esportivas, o senhor acha que o rádio ainda tem a mesma força?
A Caratinga AM que era o “tchan” do futebol, que transmitia do Mineirão todos aos domingos e também os acontecimentos da cidade. Para mim, com todo o respeito, ela zerou. Em vista daquela Rádio Caratinga que nós tínhamos, a de hoje inexiste porque acabou mesmo aquele potencial. Os grandes profissionais, uns pararam, outros faleceram e vai por aí afora.
Sente saudades da época de rádio?
A vida é uma história. A gente sente saudades de tudo. Seja radialista, boiadeiro, marceneiro, seja o que for, tem saudades mesmo. O senhor Humberto Luiz mesmo foi um grande goleiro na época do América de Teófilo Otoni, hoje nem em campo de futebol ele vai. Então, tem saudade, mas não se vê mais aquele futebol, então não adianta.
Qual foi a maior alegria de sua carreira?
Muitas alegrias. Em 1982, era esplanadense doente e o Esplanada ganhou o campeonato amador em cima do Caratinga, uma vitória espetacular, 4 a 1 em partida jogada no Estádio do Carmo; depois empatou em 2 a 2 no Doutor Maninho, sagrando-se campeão naquela época. No profissional, transmiti Cruzeiro e River Plate direto do Mineirão. Transmiti Brasil e Colômbia, também do Mineirão. São marcas que ficam indeléveis, nunca mais se apagam.
Qual jogo mais marcou para o senhor?
Cruzeiro e Democrata, em Governador Valadares. Se não me engano, 2 x 1 para o Cruzeiro. Eu estava quase igual estou agora, completamente rouco e o torcedor da região estava acompanhando. O Democrata jogava em casa e o Cruzeiro precisava da vitória, como aqui tem muita proximidade, muita gente acompanhava. Mas, eu mal aguentava falar duas, três palavras, tinha que entrar alguém para segurar a barra. Mas foi um jogo que me marcou.
Seu nome foi incluído na Enciclopédia do Rádio Esportivo Mineiro. Como o senhor se sente com esse reconhecimento?
Fico feliz e grato. O tempo passou, já estou velho, mas há uma parte que diz: os velhos contarão a história; e estou aqui para ir contando a história.
Hoje muitas crianças se encantam mais pelo futebol estrangeiro do que pelo nosso futebol. Para o senhor, o que tem motivado isso?
Grana, dinheiro. Compram um jogador por milhões e milhões. E aqui no Brasil ele ganha muito, mas não vale muito. Hoje, para se ter uma ideia, um menino de 12 anos já pertence a empresário, não pertence mais àquele futebol amador de antigamente. Já tem contrato assinado para jogar em grandes times. Caso continue cada vez melhor, ele vai para o exterior, que nem adulto. A diferença está aí, chama-se dinheiro.
Como o senhor vê hoje a posição dos clubes em relação ao futebol de base?
Hoje um garoto para fazer teste no Cruzeiro, Vasco, Flamengo, Corinthians, já é seguro pelo empresário desde pequenininho, caso contrário ele nunca vai ter chance de fazer teste no time grande e estourar por aí como bom jogador. A diferença está no empresariado, que já segura a criança desde pequenininha para jogar futebol quando crescer e ganhar muito dinheiro.
O argentino Messi é considerado por muitos o melhor do mundo. O senhor acha que o título é merecido?
Quando se trata de votos, seja para futebol, senador, prefeito, a coisa já é mais diferente. Eu posso às vezes não concordar, mas têm outros que concordam. Então, sobre esse fator, prefiro ficar calado, porque é um jogador de muito caráter e merece muito respeito.
Na terça-feira (27/10) foi anunciado que Ronaldo é o 1º brasileiro eleito ao Hall da Fama do futebol italiano, honraria concedida pela Federação Italiana de Futebol a jogadores que marcaram época no país. O que o senhor pensa sobre o jogador?
O Ronaldo foi uma máquina. Ele apareceu jogando no Cruzeiro, pertencia ao Jairzinho (ex-jogador que defendeu clubes como Botafogo e Cruzeiro, e foi campeão do mundo em 1970), que emprestou ele na época garotinho ainda e o Ronaldo estourou porque ele era bom mesmo. Bola chutada a média distância, fora da área, era infalível, dificilmente deixava de marcar. Foi realmente um excepcional jogador.
Muitos ainda buscam explicações para o trágico 7 a 1 na Copa do Mundo. Para o senhor, esta derrota já era esperada desde o início da Copa?
Aquilo foi uma verdadeira vergonha. A mídia operou muito alto e não tínhamos futebol para sermos campeões. Lateral direito, por exemplo, analisando o jogador, aquele Daniel Alves não joga nada. Mas, é o que eu disse, jogadores presos a empresários e ostentando grande parte financeira. Felipão é pura máscara, só no gogó, levou aquela sapatada. 7 a 1 para mim foi pouco, tinha que ser 11 a 1.
Quais são suas considerações finais?
Gostaria de citar alguns companheiros, Adenilson, Élio do Carmo, professor Monir Saygli, enfim, aqueles que trabalharam junto comigo, construindo na época a grande alegria.
4 Comentários
Valério
Parabéns pela matéria e a homenagem merecida ao J. Baranda.
Meu pai acompanhava muito futebol e muitas vezes me levou ao campo do Caratinga. Me lembro muito bem do Senhor Jota Baranda transmitindo os jogos, bem como da voz marcante do Senhor Eurico e do Senhor Messias. Os comentários do José Carlos Cerqueira e do Professor Munir.
Mas creio que um dos grandes nomes do esporte em Caratinga foi o Senhor Nelson Souza, com o qual tive a honra de trabalhar na Prefeitura Municipal, quando o Senhor Dário era o prefeito. Ele conhece tanto de nosso futebol que editou um livro juntamente com o professor Munir. Creio que ele ainda esteja vivo, bem como creio que uma entrevista com ele completaria com chave de ouro a matéria de vocês.
Muito bom saber que vocês valorizam os que fizeram história em nossa cidade.
Na oportunidade, gostaria de parabenizá-los pela homenagem ao Camilinho e seu Jararaca Alegre.
Geraldino cevidanes
Parabéns pela matéria, hoje moro em Leopoldina mas sempre que posso vou visitar minha família ai na terrinha,me lembro como se fosse hoje o João Barandir como era seu nome na Transcolin e depois como motorista de caminhão tanque transportando combustível de Vitória para Caratinga sempre que chegava de viagem ia correndo para o estadinho do Carmo para assistir os treinos isso la nos anos 74/75/76/77/78 e no domingo pegava seu gravador e tendo como repórter de campo e comentarista o Zé Américo ou Zé Linguiça e narrava com muita emoção, me lembro de um jogo entre Esplanada e Associação de Bom Jesus do Galho o goleiro estava fechando o gol e o João Barandir gritava a todo momento seguuuuuuuuuuuuura Lalado e o bordão pegou, quando o Esplanada fez o gol ele chamou seu comentarista fala Zé Linguiça e o Zé olhou com cara feia não gostava de ser chamado de Zé linguiça mas comentou o Mario deu uma paulada no pau do gol e o Paulo Maecio meteu a leitoa pra dentro, isso também ficou marcado, e ate hoje a quase quarenta anos eu ainda falo segura Lalado e meteu a leitoa pra dentro. Um abraço do amigo Geraldinho Cevidanes.
Wantuil
O Baranda falou do futebol de Caratinga,mais nao falou do galofante atacante do Caratinga do Calu goleiro e outros mais que nao lembro neste momento,quando eu tiver um tempo irei a Caratinga,e ai falaremos do futebol dos anos 50 e 60 ate a data de hoje,um abraco a minha cidade querida
Raimundo Moreira Júnior
Bela matéria. J. Baranda certamente não me conhece, saí de Caratinga muito novo, mas eu tenho muita admiração por este grande esportista. Como é rica a história do futebol caratinguense. Quem sabe em um futuro bem próximo, poderemos ter o futebol de volta, revelar talentos, como J. Baranda. Tenho esperança que voltaremos a ter grandes clubes, grandes profissionais da bola e quem sabe, se Deus assim permitir, disputar o campeonato mineiro da primeira divisão.