Um problema recorrente quando se trata da defesa dos direitos da criança e do adolescente é a interpretação errônea da Constituição Federal e do ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) quanto a responsabilidade pelo sustento, guarda e educação de crianças e adolescentes. Há quem superestime o papel do Estado. Ao pensarmos em problemas como delinquência juvenil e abuso sexual, por exemplo, é comum que se espere a solução do Estado. Também está errado “é dever (1º) da família, (2º) da sociedade e (3º) do Estado” os pais tem inclusive que “cumprir e fazer cumprir as determinações judiciais” relacionadas a criança e adolescentes.
Interpretar a lei dessa maneira é um erro decisivo contra as políticas assistenciais com graves consequências: Sufoca o Estado com funções que não são suas e que não tem condições de cumprir, atrofia a instituição familiar que – por ser eximida de sua responsabilidade – relaxa suas competências e se acomoda e desconfigura e desumaniza a formação do ser humano que passa a ser educado e inserido na sociedade por meio de um ambiente artificial, não propicio a essa função. Ninguém é concebido ou gerado pelo estado. Somos filhos de homens e mulheres, por eles concebidos, paridos e educados. Nem sempre essa é a realidade possível, mas deve ser o ideal a ser alcançado. Não podemos corroborar com uma sociedade que a cada dia se assemelha mais ao “Admirável mundo novo” de Aldous Huxley.
Aos governos cabe oferecer serviços que atendam a demandas de saúde física e mental, bem como das necessidades básicas de inserção na comunidade, a proteção social e garantia da vida. Ao Conselho Tutelar cabe defender os direitos da criança e do adolescente. Agora e as demais instituições?
Ao Ministério Público cabe denunciar a violação da lei. O juiz deve julgar as demandas da sociedade aplicando a lei com o objetivo de sanar os problemas. Sobre a função da família, o ECA e CF respondem:
O Art. 22, do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA): “Aos pais incumbe o dever de sustento, guarda e educação dos filhos menores, cabendo-lhes ainda, no interesse destes, a obrigação de cumprir e fazer cumprir as determinações judiciais”
Art. 227 da Constituição Federal Brasileira: “é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda a forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”
Da ideia de que o Estado é o primeiro, maior ou único responsável pela educação e sustento das crianças e adolescentes surgem os “choques” entre as instituições encarregadas de promover e garantir os direitos das crianças e adolescentes. Assumir essa responsabilidade é aceitar uma tarefa impossível, contribuir para a violação de direitos hoje e no futuro e propiciar a acomodação das outras instituições. Se a família não cumpre a sua parte, o ministério público deve leva-la aos tribunais como – aliás – não hesita em fazer contra os entes públicos. Ao receber a manifestação do ministério público o juiz deve aplicar a lei à família, com o mesmo rigor que a aplica aos entes públicos.
Talvez assim seja respeitado o “direito da criança e do adolescente ser criado e educado no seio de sua família e, excepcionalmente, em família substituta, assegurada a convivência familiar e comunitária, em ambiente que garanta seu desenvolvimento integral.” Art. 19 ECA.
Qualquer coisa diferente disso representa insucesso absoluto de toda a rede e da sociedade. Várias instituições municipais estão hoje obrigadas a prestar atendimento especial a famílias em situação de risco, se esta demanda continuar a crescer o atendimento será comprometido, já que a estrutura do município estará voltada, quase que exclusivamente, a estas famílias. O que é não razoável do ponto vista lógico, nem correto do ponto de vista constitucional.
O papel das entidades públicas é cumprido quando disponibilizam os serviços que o cidadão necessita para atender as demandas previstas na constituição. O serviço deve ser oferecido com a eficiência que exige a demanda. Daí por diante caberá ao indivíduo, ou a seu responsável legal, usufruir do serviço oferecido. Uma sociedade onde toda a responsabilidade e tida como sendo do estado, é habitada por indivíduos imaturos, inautônomos e, portanto, doentes que gerarão formarão outros semelhantes, se multiplicando ameaçando o futuro da civilização.
A qualidade dos serviços pode e deve ser discutida sim, mas levando em conta as limitações legais e logicas das instituições. Os serviços podem e precisam melhorar, mas jamais melhorarão o suficiente para dispensar o exercício da vontade pessoal do indivíduo nem da reponsabilidade de pais ou de seus substitutos.
Cada proposta que vise a melhoria das condições vida das crianças e adolescentes, merece apoio veemente desde que, em cada uma delas, esteja presente uma contrapartida dos pais e que – no caso de descumprimento da mesma – o ministério público cumpra sua função com relação à investigação da violação, por parte dos pais, dos direitos da criança e do adolescente.
Eduardo Gomes Chaves, reside em São João do Oriente. Ele é bacharel em Administração pelo Centro Universitário de Caratinga. Entre 2012/2013 foi conselheiro presidente do Conselho Tutelar dos Direitos da Criança e do Adolescente de São João do Oriente