ELEIÇÕES AMERICANAS – UMA LUZ NO FIM DO TÚNEL
- Eugênio Maria Gomes
Sempre foi inegável a enorme influência que os Estados Unidos exercem sobre o Brasil. Não me refiro, apenas, à influência econômica e política, que seriam relativamente óbvias diante da absoluta hegemonia que esse país adquiriu no mundo e, em especial, na América latina, desde a segunda guerra mundial. Refiro-me a influência que o “american way of life” exerce sobre os brasileiros em geral, pelo menos, na parcela urbana da classe média brasileira. No cinema, na música, e em diversas outras áreas, o jeito americano de viver está presente em diversos aspectos do nosso cotidiano.
Porém, a par dessa gigantesca preponderância cultural norte-americana, que foi capaz de banir totalmente a outrora mania dos brasileiros de copiar os franceses – e os europeus em geral -, nunca uma eleição presidencial daquele país chamou tanto a nossa atenção. A vitória de Obama, primeiro presidente negro, foi muito comentada por aqui, mas nada comparável a derrota de Donald Trump.
Donos de um sistema eleitoral idealizado há mais de duzentos anos para evitar que a Federação, recém criada, acabasse dominada pelos estados mais populosos; titulares de uma plêiade de legislações eleitorais locais e fanáticos em prognósticos estatísticos, tudo isso banhado por declarações de um presidente cuja bizarra personalidade assemelha-se às piores performances de telenovelas mexicanas, fez com que as eleições americanas dominassem totalmente os telejornais brasileiros, e despertassem amor e ódio entre nós.
A eleição de Trump, há quatro anos, inaugurou uma era de radicalismo, conservadorismo e sectarismo que rapidamente, alastrou-se pelo mundo. Em um breve período, Trump fez vários discípulos. Cá entre nós, na Hungria, em Israel, na Bielorrússia, enfim, eleito, o presidente norte-americano encarnou, não uma postura conservadora, mas um conservadorismo arcaico, violento, misógino, negacionista, sectarista, algo que envergonharia até Margareth Thatcher, Ronald Reagan ou mesmo George Bush… Porém, Trump exagerou tanto em suas performances ridículas, com gestos e palavras absolutamente incompatíveis com a dignidade e compostura que se espera de um Presidente, que os eleitores americanos – pelo menos a maior parte -, resolveram desalojá-lo da Casa Branca.
Em que pese as bravatas e ameaças dessa “triste figura” não terem ainda terminado e que, provavelmente, tenhamos que suportá-las por algum tempo, o certo é que Biden foi eleito como o quadragésimo sexto Presidente daquele país, de todos os demais do mundo, o que mais possui traços de similitude conosco.
Diante de tudo isso, parece mesmo que os norte-americanos tem algo a nos ensinar.
Em primeiro lugar, fica uma importante mensagem sobre a organização e a confiabilidade do nosso sistema eleitoral. A unificação da legislação eleitoral, o sufrágio direto, as urnas eletrônicas, a Justiça Eleitoral de âmbito nacional, tudo isso, comparado ao caótico sistema americano, nos ensina que somos capazes de desenvolver e aplicar técnicas e processos infinitamente superiores.
Em segundo lugar, vemos que o populismo nasce sempre com data marcada para morrer, independentemente de sua base ideológica.
Obviamente, a derrota de Trump foi fruto de diversas questões de conjuntura, como a crise econômica, a crise sanitária e a crise racial. No entanto é importante localizar o significado da derrota de Donald Trump dentro do chamado Populismo. O termo “populismo” atualmente tem sido utilizado para se referir a regimes políticos baseados em líderes que dizem expressar a vontade do povo – seja lá o que tal conceito realmente signifique –, frente a elites corruptas.
O sucesso desses políticos se basearia em um discurso que divide a sociedade em dois polos antagônicos: os bons contra os ruins, os não corruptos contra os corruptos, o povo contra o Poder, os “servos” de Deus contra os “pecadores”.
A retirada de Trump da Casa Branca demonstrou que a maior parte dos eleitores percebeu a hipocrisia, a falsidade e o enorme perigo que se escondia nas entrelinhas desse discurso de ódio e de total desrespeito à diversidade, aos direitos e às liberdades civis em geral, e de absoluto desprezo a tudo aquilo que não correspondia à deturpada e medieval visão de mundo que dirigentes desse naipe ostentam.
Por último, embora fosse possível extrair ainda diversas outras lições desse evento eleitoral americano, destaco uma derradeira lição, ou melhor, uma derradeira premonição: deveremos ver aqui, nessas terras tropicais onde permanecemos deitados em berço esplêndido, episódio semelhante. Não me refiro a questões relativas ao sistema eleitoral. Refiro-me a uma postura de negação do resultado das urnas, de questionamentos sobre a confiabilidade do sistema de votação e apuração. Refiro-me a estratégia de tentar desacreditar o processo eleitoral. O populismo – seja de direita ou de esquerda -, só sobrevive se conseguir manter hipnotizada sua base de apoiadores, ainda que o contexto econômico, social, político e sanitário não lhe favoreça.
Para os que advogam a tese populista, o messianismo, o culto à personalidade e a certeza subjetiva de que são instrumentos divinos, enviados para uma “Cruzada” de salvação da Pátria, o povo se resume àqueles que o seguem. Os demais são “impuros”, ou “inimigos da Nação”, ou “pervertidos”, ou “traidores”, ou simplesmente “comunistas”.
A mesma tempestade perfeita que propiciou a ascensão desse conservadorismo raivoso, deve repetir-se, às avessas, daqui em diante. Continuamos profundamente divididos, permanecemos ainda, cada um a seu modo e com seus argumentos, donos exclusivos da verdade e da razão; ainda não fomos capazes de perdoar ou esquecer os erros praticados por parte dos políticos mais progressistas do nosso espectro partidário, porém, a profunda crise econômico-social que vivemos, o aumento exponencial da miséria, da fome, do descaso ambiental, as palavras chulas, o comportamento misógino e vulgar, e, principalmente, a comprovação de que a corrupção não é exclusividade da Esquerda, deverão cobrar seu preço nas próximas eleições…
Enfim, quem viver verá…
Ainda há luz no fim do túnel.
- Eugênio é escritor e funcionário da Funec