* Gabriella Coelho Motta Pizzani
Em uma sociedade etnocêntrica, com valores preestabelecidos e engessados, é comum julgarmos o diferente como algo anormal, que carece de medicalização, tratamento, cura, ou seja, todos os recursos possíveis a fim de promover normalização ou, pelo menos, aproximação daquilo que socialmente é concebido como padrão.
Assim, a pessoa surda é vista com um olhar de piedade pela maioria. Muitos acreditam que a comunidade surda vive uma busca constante pela melhoria de suas condições auditivas, por meio de tratamentos de reabilitação da fala, aparelhos, implantes, etc. Essa crença é muito comum e é chamada de visão clínica terapêutica acerca da surdez.
Venho então apresentar aqui uma visão bem diferente dessa inicialmente apresentada, a chamada visão sócio antropológica da surdez. Nesta visão a surdez não é tida como uma doença que precisa de tratamento, mas sim como uma diferença linguística e cultural, uma característica, ou até mesmo uma qualidade do indivíduo. Oriunda dos surdos que nascem surdos essa visão pode ser confirmada a partir de alguns posicionamentos da comunidade surda como, por exemplo, a vontade de casais surdos terem filhos surdos assim como eles, numa busca por identificação, maior possibilidade de estabelecer vínculos afetivos eficazes por meio da comunicação direta e, por incrível que pareça, por acreditarem que a surdez pode ser uma condição de vantagem em relação ao fato de ser ouvinte.
O fato de nunca terem usufruído da sensação de ouvir gera nas pessoas que nascem surdas uma dificuldade de compreender os benefícios da audição. Afinal, a audição é um sentido invisível que não pode ser percebida facilmente pelas pessoas surdas, seria tão difícil quanto fazer uma pessoa cega entender a diferença das cores.
Geralmente, quando questionados sobre as diferenças que possuem em relação aos ouvintes, os surdos ressaltam o uso de diferentes mecanismos de comunicação, ou seja, os ouvintes produzem informação linguística pela boca, informações essas que de alguma forma são recebidas pelos ouvidos, enquanto eles, diferentemente dos ouvintes, produzem suas informações linguísticas pelas mãos e recebem através dos olhos, por meio de uma língua espaço visual, como a LIBRAS (Língua Brasileira de Sinais) o que lhes garante eficiência no processo de comunicação tanto quanto uma pessoa ouvinte.
Diante dessas diferentes visões apresentadas é muito comum vermos famílias ouvintes que tem membros surdos em busca de medicalização e tratamento, em contrapartida seus membros surdos geralmente são resistentes a essas iniciativas por acreditarem que são pessoas diferentes e não doentes. Ambos os posicionamentos são totalmente compreensíveis, haja vista que expressam as diferentes visões que cada parte tem acerca da surdez e consequentemente a busca pelo que acreditam ser melhor.
O mais importante diante disso tudo é conhecer essas diferentes visões a fim de respeitar as escolhas da pessoa surda sem impor a busca por normalização ou aproximação de padrões ideais, situação essa muito comum na sociedade em que vivemos.
* Gabriella Coelho Motta Pizzani é tradutora e intérprete de LIBRAS/Português e professora da disciplina LIBRAS em todos os cursos de graduação oferecidos pelo UNEC- Centro Universitário de Caratinga.
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