Muito além dos tribunais: como a Justiça influencia sua vida

Juiz Consuelo Silveira Neto detalha como conflitos, direitos e políticas penais influenciam a vida cotidiana dos cidadãos

CARATINGA- Em uma sociedade marcada por desafios crescentes — violência urbana, conflitos familiares, demandas sociais e desigualdade — o papel da Justiça vai muito além de julgar processos. Para o juiz diretor do foro da Comarca de Caratinga e titular da 1ª Vara Criminal e de Execuções Penais, Justiça é também bem-estar, segurança emocional, dignidade e confiança pública.

Nesta entrevista, ele explica por que a atuação judicial impacta diretamente a vida cotidiana das pessoas, comenta como a criminalidade reverbera no ambiente urbano e defende que ressocialização não é indulgência, mas uma política de segurança pública baseada em resultados reais.

Com uma visão humanizada e técnica ao mesmo tempo, o magistrado fala sobre prevenção, execução penal, direitos fundamentais e o equilíbrio entre o rigor da lei e a realidade humana.

Uma conversa que revela como a Justiça, quando próxima da comunidade, pode ser fator determinante para a paz social — e, portanto, para o bem-estar coletivo.

 

Na sua visão, justiça tem relação com bem-estar?

Sem dúvida. Justiça e bem-estar caminham juntos. Quando o cidadão sente que seus direitos são respeitados, que conflitos são resolvidos com equilíbrio e que há instituições confiáveis, ele experimenta segurança e dignidade — pilares fundamentais do bem-estar. A Justiça existe para dar estabilidade à vida em sociedade, e isso influencia diretamente a qualidade de vida de cada pessoa.

 

Quando direitos fundamentais falham — moradia, educação, saúde — a demanda no Judiciário cresce?

Sim. Sempre que as políticas públicas não alcançam plenamente a população, o Judiciário se torna a última porta que ainda está aberta. A Justiça não substitui o papel do Estado nas áreas essenciais, mas acaba recebendo reflexos das falhas estruturais. É um movimento natural: onde há carência, há conflito; e onde há conflito, há procura pela Justiça.

 

Como a criminalidade e os conflitos que chegam ao Judiciário impactam o ambiente da cidade?

A criminalidade deteriora o tecido social e afeta a percepção coletiva de segurança. Cada ato violento, cada conflito que chega ao Judiciário, representa também uma ferida na convivência urbana. As cidades sentem isso: no medo das pessoas, na retração da vida comunitária, na perda de oportunidades. Por outro lado, uma Justiça atuante ajuda a restaurar a ordem social e a confiança pública, devolvendo ao espaço urbano um sentimento de esperança.

 

A Justiça consegue atuar preventivamente, ou é sempre chamada apenas quando o dano já aconteceu?

A atuação preventiva é possível e necessária. A Justiça Preventiva se materializa em projetos de cidadania, mutirões de conciliação, audiências de mediação, incentivos ao diálogo e parcerias institucionais. Quanto mais a Justiça se aproxima da comunidade, mais consegue reduzir conflitos antes que eles se tornem litígios. Ainda assim, grande parte da nossa atuação ocorre depois do dano — e esse é um desafio que o sistema ainda precisa superar.

 

O senhor defende uma execução penal voltada para ressocialização. Ressocializar também é promover bem-estar coletivo?

Com certeza. Ressocializar é proteger a sociedade. Quando o sistema penal falha e reproduz violência, a comunidade paga o preço. Quando ele oferece responsabilidade, trabalho, estudo e reconstrução, devolve à sociedade indivíduos capazes de seguir outro caminho. Ressocialização não é benevolência — é política de segurança pública baseada em resultados reais. É bem-estar coletivo, na sua forma mais concreta.

 

Existem experiências de ressocialização que o senhor considera promissoras?

Sim. As APACs são um exemplo brasileiro reconhecido internacionalmente, com índices mais baixos de reincidência e ambiente prisional mais humano. Também considero promissoras iniciativas de educação prisional, capacitação profissional e projetos restaurativos que colocam a vítima e o ofensor no centro de um diálogo responsável. Onde há método, dignidade e corresponsabilidade, os resultados aparecem.

 

Como equilibrar rigor da lei com olhar humano?

O equilíbrio está na natureza da própria função jurisdicional. A lei oferece limites, critérios e segurança jurídica. O olhar humano oferece sentido, proporcionalidade e compreensão das circunstâncias. Um juiz não pode agir movido apenas pela emoção, mas também não deve ignorar a realidade humana que está diante dele. O rigor garante justiça; a sensibilidade garante humanidade. Ambos são indispensáveis.

 

Deixe um recado final sobre justiça e bem-estar para a população.

Diria que a Justiça é um espaço de proteção, não de distanciamento. Ela existe para servir às pessoas, para promover paz social e para reafirmar a dignidade humana. E o bem-estar coletivo não nasce de grandes soluções isoladas, mas de pequenos gestos de justiça no cotidiano — quando cada cidadão cumpre seu papel, quando respeita o outro, quando busca o diálogo e quando confia nas instituições. Justiça e bem-estar são frutos de um esforço conjunto.

 

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