A prudência dos “Filhos das Trevas” e inércia dos “Filhos da Luz”

A leitura do artigo “A História da Maçonaria em Caratinga”, escrito pelo professor Walber Gonçalves de Souza e publicado no Diário de Caratinga, me trouxe à mente uma inquietação antiga sobre o impacto social da instituição maçônica se comparado ao impacto social causado pelas igrejas cristãs, principalmente as evangélicas, que é a vertente que eu frequento e mais conheço. No artigo escrito pelo professor Walber, ele apresenta como a maçonaria chegou à cidade em 1912, estabeleceu-se e desenvolveu ações sociais, filantrópicas e culturais que deixaram marcas concretas na comunidade ao longo de mais de um século.

O artigo do professor Walber me trouxe à mente algo que sempre me incomodou – e que já usei como meio de provocação inúmeras vezes durante os estudos na igreja onde eu congrego: como é possível que uma instituição com um número pequeno de membros, se comparada às igrejas, consiga manter um impacto social tão grande e constante, enquanto as igrejas evangélicas, com muito mais membros e recursos, parecem produzir resultados sociais proporcionalmente menores? O que a maçonaria tem que as igrejas evangélicas não têm?

Mesmo com todo esse impacto social, a maçonaria sempre sofreu com o preconceito da população, e isso se deu pelo seu caráter discreto, que sempre mexeu com a imaginação das pessoas. Na introdução de seu artigo, o professor Walber já fala sobre as percepções que as pessoas têm da maçonaria, percepções essas que são, provavelmente, provenientes desse caráter discreto e do chamado “segredo dos maçons”, que o próprio professor Walber nos diz.

Mas, afinal de contas, onde está o grande erro da maçonaria que faz com que as igrejas cristãs impeçam que seus membros também sejam membros da maçonaria? – Mesmo que, hoje, lá também existam membros dessas igrejas.

A grande proibição, por parte das igrejas protestantes, se dá por aquilo que a maçonaria mais preza: a discrição – ou, o segredo. Muito se especula e se teoriza sobre o que acontece dentro dos templos maçônicos. A grande maioria é pura invenção. O simples fato de não poder compartilhar o que se fala e aprende ali, por mais simples que seja, já é o bastante para a proibição que se dá por parte dos meios protestantes. Muito se sabe sobre a chamada maçonaria simbólica, relacionada aos três primeiros graus, mas, a partir daí, se instauram os segredos e isso se apresenta como um prato cheio para a imaginação das pessoas.

Nas igrejas protestantes, a fé se baseia essencialmente na revelação: o que Deus quis comunicar à humanidade está aberto e acessível nas Escrituras, e a comunidade de fé deve caminhar na transparência da luz. Por isso, tudo aquilo que se coloca sob a categoria de “oculto”, “secreto” ou “reservado apenas a alguns” entra imediatamente em colisão com o princípio protestante da clareza da Palavra. Além disso, a própria estrutura da maçonaria, com graus de iniciação progressiva, remete a uma lógica de “revelação gradual”, na qual certos conhecimentos só podem ser transmitidos conforme o indivíduo avança dentro da ordem. Isso contrasta radicalmente com a visão protestante de que a verdade de Deus é plena, completa e gratuita, não dependendo de degraus hierárquicos – mesmo que, atualmente, alguns queiram fazer isso e, com essa prática, dominar os membros de inúmeras congregações espalhadas em nosso país – , mas acessível a todos aqueles que se aproximam da Escritura com fé.

Outro aspecto é o compromisso do maçom com juramentos de fidelidade que, em muitos casos, se sobrepõem a laços de fé e comunhão cristã. Por isso, quando líderes protestantes rejeitam a participação de fiéis na maçonaria, o fazem porque reconhecem que ali existe um modelo de espiritualidade e de organização que vão contra o que grande parte da igrejas protestantes acreditam ser o correto.

Mas, a maçonaria nos mostra algo importante: para uma instituição ter importância e capacidade de ação e transformação da sociedade onde ela se encontra, ela não depende de números. Ela não depende de uma grande quantidade de membros, nem mesmo de muitos locais para se reunirem. O que uma instituição precisa para fazer a diferença em seu meio é de membros dedicados, membros que foram transformados, que compreendem seu papel e seu propósito diante da sociedade.

As instituições evangélicas compreendem isso, sabem que isso é necessário, e todos que as frequentam assumem ser transformados, ser “novas criaturas”; assumem que têm um chamado especial e um compromisso com o evangelho. Mas tal compromisso, missão e transformação não têm se mostrado na realidade da sociedade.

Mesmo tendo muito mais membros e localidades que a maçonaria, seu impacto social tem sido muito menor se comparados em proporção com a maçonaria. E isso é algo que sempre me fez pensar e questionar o “porquê” de esses meios serem tão ineficientes, já que o alcance das congregações evangélicas é muito maior — e só cresce cada vez mais.

E é justamente aí que mora o incômodo. Como aceitar que uma instituição acusada de ser “das trevas” por um grande número dos protestantes consiga realizar mais, em termos de presença social, do que aquelas que se proclamam “luz do mundo”? Esse paradoxo nos constrange, porque desmascara a superficialidade de um cristianismo que fala muito, mas faz pouco. Temos templos lotados, calendários abarrotados de atividades religiosas e discursos inflamados sobre transformação, mas onde está a transformação? Onde estão os frutos que comprovam a fé que dizemos carregar?

Não é a maçonaria que deveria nos envergonhar; somos nós que deveríamos corar diante de nossa omissão. Eles, com segredos, com rituais, com símbolos incompreendidos, ainda assim deixam marcas concretas. Nós, com a revelação aberta, com a Palavra acessível, com o Espírito que afirmamos habitar em nós, seguimos entregando migalhas à sociedade que nos cerca.

Eis, portanto, o chamado: ou recuperamos a coerência entre o que pregamos e o que fazemos, ou continuaremos assistindo, de braços cruzados, enquanto aqueles que dizemos “não terem a verdade” continuam dando exemplo de ação. Se o evangelho é realmente poder de Deus para transformação, então que comece em nós — e que seja visível. O mundo não aguenta mais igrejas que falam muito e fazem pouco. O mundo espera ver, em nós, a diferença que só Cristo pode fazer.

Muitos cristãos, quando confrontados com essa realidade, respondem com um versículo conhecido: “os filhos das trevas são mais prudentes que os filhos da luz” (Lc 16:8), dizendo que eles são da luz, e os outros “das trevas”. Mas é justamente aí que está a gravidade da questão. Essa não deveria ser uma desculpa para a inércia, nem um álibi espiritual para continuarmos improdutivos. É, na verdade, uma denúncia direta de Cristo contra a falta de coerência de Seu próprio povo. Se até aqueles que não professam a verdade conseguem agir com mais sabedoria, disciplina e constância, quanto mais nós deveríamos ser capazes de impactar o mundo com a luz que dizemos carregar. O texto não é para ser usado como justificativa, mas como vergonha; não como consolo, mas como alerta. Enquanto aceitarmos passivamente que as outras pessoas e instituições sejam mais prudentes, permaneceremos negando, na prática, a potência transformadora do evangelho que proclamamos com os lábios.