A contradição entre o compromisso do Brasil com a sustentabilidade energética e as barreiras regionais: O caso da CEMIG

Rondinelle da Silva Ferreira

Resumo

O Brasil se apresenta ao mundo como um dos principais líderes na transição energética, investindo em fontes renováveis e assumindo compromissos ambiciosos em fóruns internacionais, como o G20. No entanto, na realidade cotidiana, cidadãos e empresas enfrentam dificuldades para gerar sua própria energia sustentável, esbarrando em regulamentações e práticas restritivas de concessionárias regionais, como a CEMIG. Enquanto o governo federal incentiva a geração distribuída, políticas locais criam entraves que limitam o acesso a esse modelo. Neste artigo, analisamos esse paradoxo e discutimos a necessidade de coerência entre as políticas nacionais e as ações das concessionárias, garantindo um futuro energético mais democrático e sustentável para o Brasil.

  1. Introdução

A crise climática e a necessidade de reduzir as emissões de carbono colocam a transição energética no centro das discussões globais. O Brasil, com sua matriz predominantemente renovável, tem um potencial enorme para liderar esse movimento. Prova disso é o papel ativo que o país tem desempenhado em eventos internacionais, como o G20 e o Energy Summit 2024, reforçando o compromisso com um futuro sustentável.

No entanto, para além dos discursos e acordos internacionais, há uma realidade que precisa ser enfrentada internamente: enquanto o governo federal avança na promoção da geração distribuída de energia, algumas concessionárias, como a CEMIG, adotam práticas que restringem esse avanço. Pequenos produtores e consumidores que desejam gerar sua própria energia por meio de fontes limpas enfrentam obstáculos burocráticos e técnicos que tornam esse processo mais difícil e, em alguns casos, inviável.

  1. O Brasil e o Compromisso com a Energia Limpa

O Brasil tem uma matriz energética que é considerada uma das mais limpas do mundo. Em 2023, 89% da eletricidade consumida no país veio de fontes renováveis, como hidrelétricas, eólicas e solares. Esse índice coloca o Brasil à frente de outros países do G20, grupo que reúne as maiores economias do planeta (PODER360, 2024).

Em sua presidência do G20, o Brasil apresentou a Aliança Global para Energia Limpa, um compromisso internacional para triplicar a capacidade global de energias renováveis até 2030. Esse movimento foi liderado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva em parceria com o primeiro-ministro britânico Keir Starmer, reforçando o papel do Brasil na transição energética global (THE TIMES, 2024).

Além do G20, eventos como o Energy Summit 2024, no Rio de Janeiro, reuniram especialistas para debater a ampliação da geração descentralizada de energia, promovendo a inovação e tornando o consumidor um agente ativo na produção energética.

  1. Os Obstáculos Impostos pela CEMIG

Em Minas Gerais, a CEMIG tem adotado políticas que dificultam a vida de quem quer gerar sua própria energia sustentável. Algumas das principais barreiras são:

  • Limitação na injeção de energia solar na rede: A concessionária restringe o horário em que a energia solar pode ser injetada na rede elétrica, prejudicando pequenos produtores e inviabilizando o modelo de compensação energética durante o dia (DIÁRIO DO AÇO, 2024).
  • Burocracia excessiva: A instalação de sistemas de geração distribuída enfrenta exigências técnicas rigorosas, muitas vezes desnecessárias, dificultando o processo para consumidores e pequenas empresas (CEMIG, 2024).
  • Concorrência desleal: A própria CEMIG possui uma subsidiária, a CEMIG SIM, que atua no mercado de geração distribuída. Essa atuação levanta questionamentos sobre a imparcialidade da concessionária ao impor barreiras aos concorrentes (O TEMPO, 2024).
  1. O Uso de Carros Elétricos e a Geração de Energia Autônoma

A ampliação do uso de veículos elétricos no Brasil também está diretamente ligada à capacidade de gerar energia sustentável. O governo federal tem incentivado a eletrificação da frota nacional como uma estratégia para reduzir emissões e promover a sustentabilidade urbana. No entanto, consumidores que desejam utilizar energia solar para carregar seus veículos elétricos encontram barreiras, especialmente em regiões onde concessionárias impõem limitações à geração distribuída.

A combinação entre energia autônoma e veículos elétricos poderia não apenas reduzir custos para os consumidores, mas também aumentar a independência energética das famílias. Contudo, a falta de incentivo e a burocracia excessiva tornam essa prática pouco acessível, limitando o alcance de políticas ambientais mais ambiciosas.

  1. A Bandeira Tarifária Vermelha e a Inserção de Energia na Rede

A aplicação da bandeira tarifária vermelha ocorre quando há necessidade de acionar usinas térmicas, mais caras e poluentes, o que impacta diretamente o bolso do consumidor. No entanto, com o aumento da geração distribuída, especialmente a partir de fontes solares, a inserção de energia limpa na rede elétrica contribui para reduzir a demanda por fontes térmicas. Essa realidade torna cada vez menos justificável o uso da bandeira vermelha, especialmente em períodos de alta produção de energia renovável, reforçando a necessidade de uma revisão das políticas tarifárias para beneficiar os consumidores e incentivar a sustentabilidade.

 

  1. Conclusão

O Brasil tem todas as condições para se consolidar como um dos líderes globais na transição energética. A matriz predominantemente renovável, as metas ambiciosas no G20 e a participação ativa em eventos internacionais demonstram esse potencial.

No entanto, para que esse discurso se torne realidade, é essencial que haja coerência entre as políticas federais e as ações das concessionárias regionais. A CEMIG, ao dificultar a geração distribuída de energia em Minas Gerais, contradiz os avanços defendidos pelo governo federal e pelos compromissos internacionais do Brasil.

A solução passa pela criação de mecanismos regulatórios que garantam que as concessionárias atuem de forma transparente e incentivem o crescimento da energia sustentável. Além disso, é fundamental que haja maior fiscalização sobre práticas que possam prejudicar a livre concorrência e impedir o avanço da geração autônoma de energia.

Se o Brasil deseja realmente ser um exemplo global em sustentabilidade energética, precisa começar garantindo que esse futuro seja acessível a todos os seus cidadãos.

Referências