Até Que o Egoísmo Nos Separe…
Nos dois primeiros textos dessa série, falamos sobre a cultura e sua formação, e como ela afeta nossas vidas. Falamos sobre a pós-modernidade, e sobre as constantes transformações que nela ocorrem, pela falta de um fundamento sólido para o estabelecimento da mesma, por causa do fim ou dissolução das metanarrativas, o que contribui para a formação de uma sociedade sem princípios morais fixos, fazendo com que todas as coisas sejam examinadas, e julgadas, não mais a partir de um sistema de normas fixo, mas a partir da interpretação pessoal de cada um, dos desejos e vontades de cada um, afetando toda a cultura e as relações humanas, lançando a humanidade a um estado de incerteza angustiante.
Como vimos anteriormente, as transformações na cultura afetam seus indivíduos, assim, as constantes transformações causadas pela pós-modernidade não deixaram de influenciar e afetar aquilo de maior importância para uma sociedade: as relações humanas e os relacionamentos pessoais. Assim, além das consequências causadas pela visão pós-moderna abordadas nos artigos anteriores, outra consequência dessa nova forma de viver e enxergar a vida proposta pela cultura pós-moderna é a fragilidade e os constantes problemas que podem ser vistos nos relacionamentos de hoje. A dissolução dos ideais sólidos facilita a propagação das visões de mundo individuais, egocêntricas, favorecendo um estilo de vida que debilita o desenvolvimento e a estabilidade dos vínculos entre as pessoas, fazendo com que os relacionamentos se tornem mais superficiais, e movidos por sentimentos egoístas.
Zygmunt Bauman, em seu livro “Amor Líquido: Sobre a Fragilidade dos Laços Humanos”, diz que os vínculos emocionais do cidadão pós-moderno “precisam ser frouxamente atados, para que possam ser outra vez desfeitos, sem grandes delongas, quando os cenários mudarem – o que, na modernidade líquida, decerto ocorrerá repetidas vezes”, pelas constantes mudanças na busca da satisfação pessoal do cidadão pós-moderno, seus relacionamentos, sua forma de se relacionar, tendem a mudar constantemente, seguindo seus desejos e vontades pessoais, assim, o mesmo não pode ficar “preso” a uma, ou algumas pessoas, em detrimento de sua satisfação pessoal.
Bauman diz que os relacionamentos na sociedade pós-moderna, que ele chama de “modernidade líquida”, são marcados pela ambivalência, pela existência de sentimentos opostos e conflitantes. Segundo Bauman, os cidadãos de nossa sociedade buscam um relacionamento que os satisfaça, mas, ao mesmo tempo, não querem se prender a um compromisso, e nem pagar o preço por um relacionamento mais duradouro e seguro, de forma que buscam “desfrutar das doces delícias de um relacionamento evitando, simultaneamente, seus momentos mais amargos e penosos; forçar uma relação a permitir sem desautorizar, possibilitar sem invalidar, satisfazer sem oprimir…”.
Bauman assinala que, para o cidadão pós-moderno, um relacionamento duradouro exclui a possibilidade de se encontrar outro relacionamento que possa ser mais satisfatório e completo, assim, o mesmo vive na busca de uma satisfação que nunca encontra, nunca estabelecendo laços duradouros, por viver sempre na esperança de que o próximo poderá ser melhor que o anterior, ou o atual. Segundo ele, essas relações são: “Ao contrário dos relacionamentos antiquados (para não falar daqueles com ‘compromisso’, muito menos dos compromissos de longo prazo), elas parecem feitas sob medida para o líquido cenário da vida moderna, em que se espera e se deseja que as ‘possibilidades românticas’ (e não apenas românticas) surjam e desapareçam numa velocidade crescente e em volume cada vez maior, aniquilando-se mutuamente e tentando impor aos gritos a promessa de ‘ser a mais satisfatória e a mais completa’”.
Essa forma de se relacionar não se resume somente aos relacionamentos românticos, mas também orienta todas as outras formas de relacionamentos; desde os relacionamentos familiares; as amizades; o relacionamento entre funcionários e patrões, etc. Todos os âmbitos da sociedade são afetados por essa forma de se relacionar, baseadas na satisfação pessoal, no utilitarismo, na falta de compromisso, no medo da responsabilidade, etc.
Segundo Bauman, essa forma de relacionamento não traz felicidade aos homens e mulheres que se rendem a essa pressão, de forma que a facilidade de desapego e do rompimento a qualquer hora não reduzem os riscos de incerteza e confusão, mas apenas os distribuem de modo diferente, junto com as ansiedades que provocam. A forma de relacionamento proposta pela cultura pós-moderna leva aqueles que a adotam a uma insegurança, solidão, infelicidade, e insatisfação eternas, ou seja, o contrário daquilo que todos almejamos.
Wanderson R. Monteiro
(São Sebastião do Anta – MG)