* Micheli Couto Costa
Viver ou existir, eis a questão! A existência nos foi dada como presente, não nos esforçamos para recebê-la, não escolhemos por tê-la e não podemos negar seu curso. Existir é cumprir a sina biológica de preencher a lacuna entre o nascer e o morrer. Mas viver não é tão simplório assim, não é tão passivo e natural. Viver confere significado ao tempo – àquele hífen que há de separar as duas datas que constarão em nossa lápide quando tudo terminar.
A vida é aquilo que construímos através de nossas experiências e o que extraímos delas. Um caminho que sedimentamos por meio das escolhas que decidimos fazer. Viver significa hospedar beleza dentro da gente; é o jeito de agasalhar o que percebemos com o coração. Se existe alguma sublimidade no universo, ela deve começar a partir do nosso olhar. A única beleza possível é a que retemos.
Não existe esplendor descolado da contemplação. O barulho de uma árvore, ao tombar na floresta, inexiste se não houver alguém por perto para escutá-lo. Sem nosso olhar, o arco-íris jamais poderá dar qualquer esplendor ao universo – ele depende das conexões e analogias que fizermos. A vida transcenderá nos infinitos significados que damos ao que nos rodeia. Quando vivemos, povoamos o coração de memórias vivas. Só as recordações salvam nossa interioridade da insipidez mecânica da vida. A realidade estéril mata. Sem poesia, a vida empobrece e mirra. Eu cheiro macarronada e pudim de leite e imediatamente, volto à cozinha de minha avó.
O gosto de qualquer remédio travoso me devolve o rosto bondoso da minha mãe. Se entro em algum ônibus e procuro a janela é porque ali, quando era menina, e na verdade até hoje, eu me senti isolada para meditar e ouvir as canções que eu gostava. Viver é desabotoar a alma e nunca deixar que a grandiosidade do que está lá fora passe despercebido. A vida acontece em lugares e instantes triviais: o nascer do sol, o entardecer, o sorriso indisfarçável da criança, a despedida dolorida, a alegria da conquista. Vive quem medita no mistério, intui o belo e floresce no delicado imperativo de celebrar o eterno. A vida não pode se resumir ao que é efêmero, ao prazer de ter, de ser reconhecido ou evidenciado. A vida não pode ser vivida apenas para cumprir nosso desejos vãos e por vezes egoístas, frutos da nossa vaidade exacerbada. A vida não pode se significar apenas no “eu”, mas se ressignificar no “outro”. Viva! Viva para ver seu filho crescer, viva para envelhecer ao lado de quem você ama, viva para dar risadas com os amigos que a vida lhe conceder.
A vida não é sobre quem chega primeiro quem acumula mais riquezas ou quem é mais aplaudido. É sobre Ser, é sobre descobrir e viver de essência e não aparência. É se desprender do aparente e conquistar aquilo que vai permanecer além dessa vida. Sim, definitivamente para viver não basta apenas existir, é preciso querer, é preciso ter coragem e responsabilidade. Fomos criados com a eternidade no coração e carregamos o imperativo de sonhar para além do possível.
Queremos viver além da própria vida, queremos alcançar os dias que não conhecemos e nem sabemos se serão nossos de fato e esquecemos que para viver só temos o hoje, o agora. O amanhã pode ser que não exista, pode ser que estejam falando do que foi a nossa Vida. Portanto, vive quem não se acomoda, mas se atreve na direção do horizonte, sempre a se afastar de nós; no viver, ousamos desbordar a linha que junta céu e mar. Em nossa gana de viver temos a capacidade impressionante até de transformar pedras em pontes e desertos em fontes.
Certamente algum tesouro se esconde na trilha enigmática e apertada por onde bem poucos peregrinos se aventuram. Os que ousam, tornam-se mensageiros da esperança e artesãos de uma nova história. Os segredos do porvir só serão conhecidos por viajantes insistentes. Eles já sabem: a vida está no percurso, nunca na chegada.
MINI CURRICULO:
Micheli Aparecida Couto Costa
Fisioterapeuta
Mestre em Ciências da Reabilitação.
Docente do Centro Universitário de Caratinga UNEC
Mais informações sobre o autor: http://lattes.cnpq.br/2929919224378232.