Eugênio Maria Gomes
Esta semana, eu tive o privilégio de entrevistar um profissional extremamente preparado, graduado em Psicologia e em Pedagogia; professor, pesquisador e palestrante; mestre, doutor e pós-doutor em Políticas Públicas e Governança na Educação e, ainda, cursando mais um doutorado, em Ciências Jurídicas e Sociais: o doutor Gil Wa – Nhamymba, conhecido como Dr. Gil Vicente. Natural de Moçambique, ele esteve em Caratinga para a abertura de mais um Congresso Internacional do Unec e palestrou sobre o tema “O lugar da África nas relações internacionais, no Século XXI”. Aproveitamos o ensejo para falarmos, em uma entrevista franca e sem censura – como bem propõe o programa “Começo de Conversa” – sobre o papel da “Mãe África” e do negro na construção da sociedade mundial.
Durante a nossa animada conversa, perguntei-lhe se havia percebido, nesse período de seis anos em que está no Brasil, algum tipo de preconceito em relação à sua etnia, e ele respondeu-me que, no ambiente acadêmico em que convive, não teve essa percepção. De fato, o mínimo que se espera de um grupo de mestres, doutores, pesquisadores e construtores do conhecimento, é que sejam desprovidos de preconceitos. Na sequência, perguntei-lhe quantos pós-doutores negros ele conhecia no Brasil. A resposta foi difícil de ser dada. É neste ponto que, insisto, o preconceito brasileiro é mascarado, é travestido de uma falsa harmonia entre as etnias, de maneira especial, em relação à negra. Não posso deixar de perguntar a você, caro leitor, quantos pós-doutores negros você conhece?
Ok, pós-doutor é uma titulação muito alta, mesmo para brancos. E doutores, quantos você conhece? Quantos professores mestres e negros você teve em sua vida docente? A dificuldade na resposta certamente prevalecerá se a pergunta for direcionada também à quantidade de senadores, ministros, juízes, promotores, empresários de grande porte, que você conhece. Sim, nosso racismo se escancara quando avaliamos as oportunidades de ascensão social que são oferecidas para a maior parte da população brasileira, composta de negros. Uma constatação que, naquele momento, me trouxe à cabeça o evento que marcou o mundo nos últimos dias: o casamento do príncipe Harry, neto da rainha Elizabeth, com a californiana Meghan. Ele, herdeiro na linha sucessória da monarquia britânica e, ela, uma atriz americana, afrodescendente.
A cena da mãe da noiva, negra, ao lado da realeza, no casamento da filha, na Capela de São Jorge, no Castelo de Windsor, ganhou o mundo. Notícias de que o “conto de fadas” foi na verdade uma estratégia, uma reinvenção da monarquia britânica, para não morrer, circularam à vontade. São milhares as abordagens, positivas, sobre como uma “mulata” conseguiu assumir tal posto, de como é legal ver uma afrodescendente chegar à realeza etc. Impressiona como o preconceito aparece, até, nos comentários positivos sobre o acontecimento. Eu não li, ouvi ou assisti a qualquer noticia dando conta do quanto aquela enfadonha família ganhou com a chegada daquela sensacional mulata ao castelo real. Quem teve a oportunidade de ver a atriz – agora membro da realeza – atuando no filme Suits, no papel de Rachel Zane, há de concordar comigo que é muita areia para o caminhão do príncipe…
Com certeza, a “branquetude” real, perdida em tanta pompa e circunstância, ensimesmada em rígidos protocolos que tentam manter a aura dos tempos imperiais de outrora, terá doravante outra face. Uma face que apenas a mistura de raças, de culturas e tradições pode propiciar, sintetizada em palavras impregnadas de significado, neste momento tão extremado por que passamos: Diversidade. Universalidade. Igualdade.
A insossa realeza britânica ganhou a oportunidade não apenas de se reinventar, mas, de receber um pouco mais de cor, de alegria, de beleza, de sensualidade, ganhou a possibilidade de poder olhar o mundo através dos olhos de uma linda mulher. Que presentão ganhou o Harry!
- Eugênio Maria Gomes é professor e pró-reitor de Pesquisa, Pós-graduação e Extensão do UNEC, membro das academias de letras de Caratinga e Teófilo Otoni e presidente da AMLM – Academia Maçônica de Letras do Leste de Minas. É membro do Lions Clube Caratinga Itaúna, do MAC – Movimento Amigos de Caratinga e da Loja Maçônica Obreiros de Caratinga. É o Grande Secretário de Educação e Cultura do GOB-MG.