*Cléscio Galvão
Um povo cansado, passivo e inerte. Eis, até então, o retrato de nosso coletivo. Eventualmente alguns, em interesses próprios, bradam gritos de guerra e vibram bandeiras no ar. Assim tem sido a tônica de nossos anseios e angústias. Partidos políticos e correntes ideológicas, que deveriam espelhar a diversidade que permeia o sentimento da nação, se arvoram neste papel de faz de conta, bailando nas ondas do vento dos reclames na defesa de seus interesses internos e pessoais, distante do real destinatário e personagem de todas as angústias – o povo.
Em 2013, por ocasião da Copa das Confederações, esse mesmo povo saiu às ruas, no exercício do livre direito de manifestação, por míseros R$ 0,20 no aumento das passagens de ônibus. Esse foi o discurso daqueles que se sentiram incomodados. Leitura incorreta. Não foi pelo valor, mas sim pelo ideal e só pelo ideal que esse “povo” saiu de sua apatia e desinteresse pelas causas maiores e foi às ruas. Tudo corria em perfeita sintonia, quando então, alguns, sabe lá com que interesses e a mando de quem, puserem tudo a perder. Nas manifestações se via famílias inteiras, idosos, mulheres, crianças, enfim, o povo. Quando então, baderneiros puseram tudo a perder e a voz da multidão se rendeu à passividade e voltou aos lares. Foram rendidos pela balbúrdia. Não era isso que queriam e tinham em seus corações. Queriam, simplesmente, manifestar seu inconformismo com tudo e o todo.
Vieram as eleições e a divisão do povo imperou, tal como fora implantada por aqueles que estavam no poder. Eles contra nós. Nós contra eles. Foi reeleita a presidenta por míseros 3 milhões de votos de frente – afinal somos 200 milhões. Naquele pleito já se delineou o cenário de apatia do povo frente à política. Mais de 30 milhões não foram às urnas. Governo eleito sem a credibilidade de uma maioria. Desaguamos em um mais um processo de impeachment. Vozes roucas choramingam com o argumento de golpe, ante ao cumprimento do devido processo legal, garantia de que somos todos cidadãos e teremos nossos direitos respeitados, contudo, esse mesmo instrumento serve para nos fazer curvar aos nossos deveres. Assume um vice sem credibilidade, pois vem do mesmo cabedal. Contínua o martírio da nação.
O país dos políticos e interesses menores vem à tona com a Operação Lava Jato. Nunca antes na história deste país, tantos poderosos se viram diante da incauta Justiça. Lamentamos informar, mas é só o começo. Ainda veremos a podridão do poder enlamear a mídia diária, para nosso escândalo. A divisão do povo ainda persiste. Para alguns há bandido predileto, quando na verdade todos deveriam estar do lado da Lei e da Justiça, na proteção do coletivo. O povo a tudo assiste, inerte, passivo, como se a corrupção fosse parte de nosso DNA. Acredito que isto seja fruto de construção ideológica, pois sei o valor de nosso povo. Persistem as mazelas sociais e econômicas, o desemprego assola o país, o déficit fiscal assusta e afugenta o capital, o poder central não tem poder de reação. A crise se espalha para os demais entes federados.
De repente, eles, seres insignificantes para muitos, inclusive para o poder, se transformam em gigantes. Sem bandeiras partidárias, sem slogans e chavões prontos, dão o seu recado. Simplesmente pararam. Por consequência pararam o Brasil. O país parado chamou a todos à reflexão. Eles são nós. Nós estamos com eles e nos vemos neles. Eles, que são aclamados como heróis, pois conseguiram subjugar o monstro estatal e subverter a ordem das coisas, nos mostram que temos força e somos capazes de clamar e realizar mudanças.
Não é o preço dos combustíveis. É tudo. É a corrupção que corrompe a estrutura de poder e solapa as bases da igualdade social. É o pacto federativo que centraliza o fruto da arrecadação nas mãos do poder central, em detrimento da justa participação de recursos com os demais entes federados. São as benesses dadas a poucos, em detrimento de todos. É a insegurança de sequer poder se ir e vir em paz. É a miséria que assola a muitos. É a falta de trabalho. É o câncer que assola o sistema de saúde pública. É a indignação por não termos um sistema de educação público e gratuito para todos, do maternal ao ensino superior. É o colapso do sistema de transporte público. Afinal, é tudo que está errado.
O que mais nos incomoda é o desdém com que os governantes e a classe política tratam a situação. O discurso é que atender às legitimas reinvindicações dos caminhoneiros implicaria em perda de receita. Não vejo ninguém cortar na carne e propor cortar benefícios de classes privilegiadas, em especial a política, para compensar essas alegadas perdas. Recentemente, vimos um presidente da república que está preso por ter sido condenado, atendido o devido processo legal, se contrapor ao corte de suas regalias pós mandato. Isto é que está errado e não o direito de manifestação.
Rendo-me e me curvo a esses heróis caminhoneiros que representam toda a indignação do povo brasileiro. Estamos juntos. Volto no tempo e sinto a presença de meu saudoso pai, que enquanto neste mundo, também exerceu essa digna profissão e soluço ao lembrar-me da emoção de sua volta para casa, quando o freio a ar chiava e a buzina do seu bruto alardeava sua chegada, para nossa alegria. Viva o povo brasileiro. Viva aos nossos caminhoneiros que nos mostram que JUNTOS SOMOS IMBATÍVEIS.
CLÉSCIO CÉSAR GALVÃO é advogado e empresário, membro da Loja Maçônica General José Maria Moreira Guimarães – 1ª, de Belo Horizonte e Membro Correspondente da Academia Maçônica de Letras do Leste de Minas-AMLM