Ildecir A. Lessa
Advogado
As notícias divulgadas por meio das redes sociais, televisão, rádio e tantos outros meios de comunicações modernos nessa semana, diz respeito ao processo criminal envolvendo o empresário André Camargo de Aranha e a promoter Mariana Ferrer, do Estado de Santa Catarina, no qual ele foi acusado de estuprá-la, o que causou grande indignação.
Segundo informação de Mariana Ferrer, o estupro ocorreu em dezembro de 2018 durante uma festa em um clube de luxo em Florianópolis. Ela diz que havia bebido e que, posteriormente, foi dopada e estuprada por Aranha. Ele nega o crime. O empresário foi inocentado pela Justiça, a pedido do Ministério Público, órgão responsável pela acusação. Esse é o fato. Contudo, um dos pontos que causaram indignação nas redes sociais foi a forma como Cláudio Gastão da Rosa Filho, advogado do empresário, tratou Mariana Ferrer durante uma audiência por videoconferência. O vídeo da reunião foi divulgado pelo site The Intercept Brasil. Em determinado momento, o advogado mostra fotos de Mariana Ferrer, publicadas nas redes sociais antes do caso e que nada têm a ver com o processo. “Peço a Deus que meu filho não encontre uma mulher como você. Teu showzinho você vai lá dar no teu Instagram, para ganhar mais seguidores. Você vive disso.” “Tu trabalhava no café, perdeu emprego, está com aluguel atrasado sete meses, era uma desconhecida. É seu ganha-pão a desgraça dos outros”.
Em outro ponto, o advogado mostra outra imagem de Mariana Ferrer. “Essa foto extraída de um site de um fotógrafo, onde a única foto chupando o dedinho é essa aqui, e com posições ginecológicas.” Na continuidade, a promoter começa a chorar e pede respeito. “O que é isso? Nem acusado de assassinato é tratado como estou sendo tratada, pelo amor de Deus. Nunca cometi crime contra ninguém“, diz.
Advogados de defesa na área criminal, em casos de crimes de estupro e assédio sexual, usam do expediente de desconstrução da imagem da vítima. Fala-se da roupa, do comportamento da vítima, na tentativa de convencer o juiz de que ela consentiu com o ato. E em muitos casos a vítima acaba tendo que se defender, pois passa a se sentir acusada e não mais uma vítima. O comportamento do advogado na audiência — falando do passado da vítima e a xingando — é completamente reprovável e passível de punição pelos órgãos competentes. O que ele disse, não tinha absolutamente nada a ver com o processo. A atitude desse advogado, diga-se, extrapolou os limites do permitido em uma audiência. No presente caso foram extrapolados todos os limites. (Se você humilha a pessoa dessa forma), a atitude desse advogado deixou de ser defesa e passou a ser crime de injúria e difamação.
No caso da acusação de estupro feita por Mariana Ferrer, não há controvérsia de que houve um ato sexual. Há provas para comprovar o ato que ela diz que aconteceu e o laudo pericial mostra que houve penetração, ejaculação e rompimento do hímen, sendo a dúvida no caso é se ela consentiu ou não. Mariana diz que estava embriagada e não se lembra — então seria o caso de estupro de vulnerável. Por isso, o que o advogado fez na audiência não tem nada a ver com o processo. O fato de ela tirar fotos e colocar no Instagram, o fato de ela ser virgem ou não ser virgem, o fato de ela ter qualquer conduta antes do caso não é relevante para essa produção de prova (em relação a ela ter consentido ou não). Aquilo não deveria ter sido permitido porque o Advogado estava extrapolando o que dizia respeito aos autos, não tinha nada a ver com o processo. Durante a audiência o Juiz exerce poder de polícia, ou seja, pode delimitar o que vai ser discutido e a forma que vai tomar aquele processo.
Portanto, o Juiz deveria ter tomado as providências para que a vítima não passasse por humilhações. Ou seja, caberia tanto ao Juiz reprimir, bem como o membro do Ministério Público pedir para que o Juiz tomasse providências, o que não ocorreu. Com isso, o processo ficou todo contaminado. O Juiz tinha de fazer severa intervenção e, uma vez não o fazendo, anulou todo o processo. A sentença não está correta. O Juiz, Ministério Público e o Advogado devem ser punidos exemplarmente. Atentaram contra a dignidade da pessoa humana. A manifestação que Ministro Gilmar Mendes postou no Twitter, assinalando que o sistema de justiça não pode ser instrumento de tortura e que os órgãos correcionais devem ser acionados, inclusive para verificar a omissão, está corretíssima. O caso está ainda por ser julgado!