Dr. Giovanni comenta enfrentamento da febre amarela silvestre em Caratinga e aconselha sobre vacinação: “Não é esperar acontecer o surto para virar notícia, é evitar a notícia do surto”
CARATINGA– O drama vivenciado pelo estado de São Paulo e parte de Minas Gerais neste janeiro de 2018 foi o pesadelo de Caratinga um ano atrás. Em janeiro de 2017, o Brasil viveu o maior surto de febre amarela silvestre em 14 anos e quem acendeu o alerta foi Caratinga. Nos primeiros 10 dias do mês, quatro das oito mortes registradas na microrregião por suspeitas de febre amarela já haviam sido confirmadas através de exames laboratoriais.
Um ano após o surto que deixou a população em pânico e exigiu uma rápida atuação do município, o vice-prefeito Giovanni Corrêa, que participou ativamente do combate à doença na cidade quando respondia pela Secretaria de Saúde, concedeu uma entrevista ao DIÁRIO DE CARATINGA para relembrar os esforços realizados, o grande desafio de atingir a população em quase sua totalidade por meio da vacinação e opina sobre as medidas necessárias para enfrentar esta ameaça no Brasil.
Quando residia no Pará, estado conhecido pelas constantes campanhas de vacinação em relação à febre amarela e após o retorno a Caratinga em 2002, onde vivenciou pela primeira vez, 15 anos depois, um surto desta doença em que a maioria das pessoas não sabia sequer se já havia se vacinado alguma vez. Para o médico, é preciso “vigilância constante” em todo o País.
O senhor morou no norte do Brasil onde a política de vacinação contra febre amarela é diferente de Caratinga e de muitas outras localidades. É uma estratégia aplicável por aqui?
Morei no estado do Pará cerca de 17 anos. Nós não chegamos a enfrentar surtos lá na ocasião em que moramos porque o estado por saber que está sempre correndo risco de ter o surto, eles não baixam a guarda na vacina. A vacina contra febre amarela no Pará é feita de maneira rotineira, nas estradas, param os ônibus, param os carros na Polícia Rodoviária Federal, exclusivamente para fazer busca ativa de vacinação, exatamente pelo risco. Vim a viver mesmo esse surto aqui em Minas Gerais, na minha cidade Caratinga, porque parece que teria havido a baixa de guarda não só aqui, mas no resto do Brasil. Pararam de vigiar, mas o País está situado epidemiologicamente falando em zona de sempre ter risco de surto de febre amarela. Tem que ser feita uma política de vacinação constante. Não tem que esperar a doença surgir, porque ela sempre surgirá se não tiver uma vacina permanente. Se não tiver uma conscientização junto à população da necessidade dessa vacinação nós viveremos episódios de surtos, porque sempre estaremos convivendo com o vírus. Temos que fazer o que fizemos, por exemplo, com a varicela, a paralisia infantil, que nunca deixamos de ter aquele alerta de tempo em tempo à população: ‘Venha vacinar, traga seu filho para vacinar’, da mesma forma tem que ser o comportamento com a febre amarela. Não se pode esquecer de vacinar.
O surto de febre amarela foi uma grande surpresa para a população e para a Prefeitura de Caratinga. Como foi encarar este momento logo no início do governo?
Um ano depois daquele surto em Minas Gerais, especificamente aqui na nossa região, está sendo surpresa para o pessoal lá em São Paulo. Ou seja, um surto desse é sempre uma surpresa onde ele acontece. E aqui em Caratinga não foi diferente, para nós foi uma surpresa, porque ninguém está esperando algo que chega avassaladoramente fazendo mal à população e matando, como foi nosso caso aqui que em 10 dias oito pessoas morreram. Nós tivemos um susto, toda a população e nós também como autoridade, na ocasião como secretário municipal de saúde, a Secretaria Estadual de Saúde também. Pega sempre de surpresa, mas temos que vigiar, porque ela vem como “ladrão”, não avisa quando virá, não sabemos a hora que vai surgir. Cabe a nós, sabendo que se não vigiar ela virá, caminhar para frente, não vamos deixar de vacinar. Aqui fica para nós o aprendizado do estado do Pará, não se ouve falar em surto lá porque não para de vacinar, é o tempo todo. Há um tempo atrás não se saía e não se entrava no estado do Pará sem vacinar. Fosse qualquer via, avião, ônibus, barco, era vigilância constante. Assim tem que ser aqui em nossa região e em todo o Brasil.
E lidar com o pânico, pessoas dormindo nas filas e acalmar a população?
Que haja o pânico é normal, o que nós que estamos no controle da situação temos que fazer é acalmar a população, porque o risco é para aquela pessoa que está lá na mata. Esta febre amarela que que tivemos ano passado e estamos tendo hoje no Brasil, agora localizado mais especificamente no estado de São Paulo, ainda que estamos tendo casos ainda em Minas Gerais, é eminentemente silvestre. Não é mais urbana. Então, naquela ocasião havia muita confusão, mas ainda hoje que há esclarecimentos em relação ao surto do ano passado. A gente vê que lá em São Paulo está tendo esse pânico, filas quilométricas nos postos de saúde, muitas vezes por falta de não seguir a orientação. A pessoa mora num edifício de 10 andares no centro de uma cidade e nunca vai à zona rural, não pretende ir, o risco dela é zero. Tem que vacinar, mas não precisa sair correndo três horas da manhã para ir para um posto de saúde e tomar a vacina. A pessoa trabalha num banco no centro da cidade, não pretende fazer um ecoturismo nos próximos seis meses a um ano, não precisa correr, só não pode deixar de vacinar. Em qualquer época que ele pensar em fazer um ecoturismo, ir a uma cachoeira, sítio ou fazenda, 10 dias antes toma sua vacina e vai.
Como foi a cobertura vacinal à época do surto?
Conseguimos, graças a Deus, realizar aqui em Caratinga uma cobertura vacinal não podemos dizer 100% porque sempre tem algum ou outro elemento que às vezes mesmo fazendo busca ativa a pessoa estava viajando, não estava em casa no momento, mas foi próximo disso, em torno de 93%, que é espetacular. Na zona rural tivemos praticamente 100% e atingimos todas as metas. Hoje temos uma região segura, porém, há que sempre alertar. A pessoa que ano passado não vacinou é momento. Vacine agora, sem correria. Porque se não teve oportunidade de vacinar o ano passado por motivo ou por outro, vá ao posto de saúde e atualize sua vacina. Aproveite o momento que está tranquilo. O problema que muitas vezes onde vem o pânico, é que as pessoas esperam o surto. Se a pessoa vacinar nunca vai ter surto. Não é esperar acontecer o surto para virar notícia, é evitar a notícia do surto.
E muitas pessoas de fora vacinaram aqui também.
Sim. Tanto é que índices de vacinação nossa chegaram a 104% a 105% em determinadas regiões, até 111% por causa de pessoas dos municípios vizinhos que procuravam os nossos postos para poder também vacinar.
O senhor acredita que as mudanças climáticas têm influenciado também na transmissão da febre amarela?
O ser humano de uma maneira geral tem agredido o habitat natural dos animais e insetos. Querendo ou não o ser humano está entrando no habitat, porque antes a pessoa ia para a zona rural, mas a mata era grande demais, então diluía muito os mosquitos, os macacos. Hoje está concentrando cada vez mais macacos e mosquitos numa mata menor. E o ser humano quando trabalha ou mora próximo a mata está altamente suscetível porque são trechos pequenos de mata que nós temos. Não temos mais florestas, a não ser no norte do Brasil, aquelas florestas imensas como tínhamos a 50 ou 100 anos atrás. Cada vez mais o ser humano entrando na mata e hoje ele entra não só a trabalho, mas também por causa do turismo, para passeio de cachoeira, fazer acampamentos; fica altamente vulnerável porque a mata hoje está muito menor do que era antes e ali vai se ter uma concentração maior dos mosquitos que moram na copa das árvores, os Haemagogus e Sabethes e se na região tem macacos, vai ter uma concentração maior de macacos por quilômetro quadrado, metro quadrado, em relação ao que se tinha antes.
Passado um ano do surto, o que garantiu o sucesso desse trabalho que vocês realizaram, para chegar ao patamar em que Caratinga está hoje?
Primeiro, foi um somatório de esforços. A Prefeitura simplesmente ficou completamente mobilizada em função daquele surto, todos os departamentos, houve o maior esforço para que tudo acontecesse. A Secretaria de Saúde agiu prontamente, a Secretaria de Estado e o Ministério da Saúde prontamente responderam a todas as necessidades nossas, porque a vacinação tem que passar obrigatoriamente pelo estado. Então, é uma logística complexa que na ocasião foi tudo muito rápido, em função da situação. Estado, União e município houve uma prontidão e uma mobilização imediata, isso somou muito. Segundo, a população colaborou conosco indo aos postos. Ainda que houve um tumulto no início, mas se elas não fossem teríamos problema. O povo ter ido ao posto foi uma resposta da população e naqueles momentos de tensão, a compreensão do povo de não realizar tumulto, ficar com calma, aguardar a sua vez; não tinha vacina hoje esperava e amanhã voltava, porque uma logística dessa você programa mil vacinas num dia às vezes quando dá 14h já fez tudo e tem que esperar o dia seguinte, tem que buscar em outra cidade, lá no Vale do Aço. E a população colaborou o tempo todo de forma que com 30 dias conseguimos realizar todo o alvo necessário. Essa somatória de estado e atuação do povo fez com que tivesse o sucesso na região, onde conseguimos abaixar os níveis de comprometimento com a doença rapidamente.
O Ministério da Saúde anunciou agora uma estratégia de dose fracionada da vacina contra febre amarela. O que o senhor pensa sobre isso?
A questão da vacina fracionada é de emergência. Há uma preocupação a nível nacional, de Ministério da Saúde, de alcançar praticamente a população brasileira toda que tiver vulnerável. E isso vai corresponder à milhões e milhões de vacinas. A vacina vem num frasco de 1 ml. Eles descobriram, porque teve um surto no Congo, na África, que não estava tendo condições de aplicar 1 ml, então começaram a fazer a fração e aplicar 0,2 ml. Já tinha feito a experiência em laboratório e viram que realmente a eficácia é muito grande também, sempre perto do 100%, igual quando se aplica a total. A única diferença é que a fracionada até agora, pode ser que as pesquisas provem até o contrário, é capaz de cobrir oito anos. E diferente daquilo que no passado a gente pensava ficou provado que a dose total dá cobertura a vida toda. Então, todo mundo que tomou a vacina acima dos seis meses de idade, de 1 ml, igual a região de Caratinga ano passado, estamos cobertos para a vida toda. Não precisamos mais tomar a vacina contra febre amarela. Mas, quem esse ano por algum motivo tomar a dose fracionada, fique sabendo que terá um período de oito anos e pode ser que daqui cinco anos as pesquisas mostrem que não precise repetir sua dose.
Quais são suas considerações finais?
Esse é o momento em que devemos nos conscientizar como brasileiros. Repito, não podemos ficar sem vacinar. Quem não vacinou, vacine-se. Quem vacinou, fique tranquilo tomou a dose total ano passado, não corre nenhum risco mais na sua vida de ter febre amarela.