A mídia brasileira popularizou-se no Brasil com transmissão de informações predominantemente catastróficas e que se caracterizam pela predominância da divulgação de atitudes, sentimentos e comportamentos os mais desumanos de que o ser humano é capaz de sentir e ter. Não sou estudiosa de mídia, mas suponho que sejam essas as informações pelas quais a maioria da população mais escolhe assistir, isto é, “que dão mais ibope”, indicando que parece haver uma “cultura do culto às catástrofes” entre os brasileiros. Contudo, os acontecimentos expressivos do “culto à generosidade humana” poderão superar os acontecimentos expressivos da desumanização humana à medida que as pessoas escolherem visualizar, ler e ouvir as notícias que divulgam as ações afirmativas de suas atitudes, seus sentimentos e comportamentos mais nobres de que os seres humanos são capazes de expressar.
No final do primeiro semestre de 2018 conversando com um senhor, colega de trabalho, ele me disse: “somos levados a pensar que as pessoas não são prestativas, mas nesse perrengue que passei, o tanto de gente que me apoiou, me visitou e disse que havia rezado por mim, fui obrigado a reconhecer que no mundo há muito mais pessoas boas do que ruins”. A fala desse senhor me provocou a pensar quem são as pessoas generosas a quem devo muitos favores impagáveis, ou seja, quem são ou foram os anjos em minha trajetória de vida? Após encerrar a conversa com ele, procurei nas redes sociais se as pessoas costumam divulgar quem são os anjos de sua vida e praticamente não encontrei. Se divulgarmos que pessoas são anjos e que cada um de nós tem os anjos de sua vida e são anjos na vida de alguém, as pessoas que têm sentimento de desamparo poderão procurar e reconhecer os anjos de sua vida que vão lhes amparar quando precisarem.
A fala desse senhor me fez, ainda, relembrar do dia 07 de fevereiro de 2018, quando vivi uma situação muito triste, que me trouxe à memória um dos anjos de minha história, parte dela contada pela minha mãe. Em um córrego rural de Abre Campo, pequena cidade das mais antigas de Minas Gerais, um anjo começou a construir mais uma de suas histórias, na década de 60: um bebê nasce! Muitas visitas são realizadas, mas uma em especial acontece: uma adolescente aproxima-se da minha mãe em resguardo e expressa seu desejo:
– Tia, eu não tenho nem um afilhado, deixa eu ser madrinha de Celeste?!
Passados alguns dias, aquela adolescente realizaria seu sonho de se tornar madrinha de um bebê, pela primeira vez. Será que aquela adolescente, com apenas 13 anos, conhecia o significado de se tornar madrinha ou padrinho de uma criança?
Padrinhos são anjos na vida de seus afilhados.
Diante daquele bebê agora sua afilhada, estava a expressão de uma das características mais sublimes dos seres humanos: a generosidade.
Doze anos mais tarde sua afilhada entrava na adolescência e se tornou órfã de pai, deixando sete filhos crianças e adolescentes sob a responsabilidade de uma mãe dona de casa. A morte do pai teria levado o sonho e os projetos de vida dessa adolescente? De modo algum, pois ela perdeu um anjo de sua vida, mas outros anjos continuaram lhe dando o suporte necessário.
A afilhada concluiu o ensino médio, naquela época, denominado de segundo grau, fez vestibular, foi aprovada e matriculou-se na faculdade particular localizada na cidade em que sua madrinha generosa morava. Era uma faculdade cujas aulas aconteciam de segunda a quinta-feira com baixa frequência, mas sexta-feira e sábado até às 15:30 horas as salas de aulas ficavam lotadas de alunos e, entre 23:30 horas e 06h00 da manhã, transformavam-se em um “aconchegante albergue a custo 0800”, onde os colchões levados pela grande maioria dos próprios alunos eram espalhados pelo chão por não terem condições financeiras para pagar uma pensão. A afilhada seria uma das alunas que dormiriam nas salas de aula da faculdade, se não fosse a madrinha, que exerceu com dignidade seu papel de anjo: e com que generosidade!
Quando a madrinha soube da aprovação da afilhada no vestibular muito concorrido à época, ela compartilhou a alegria da vitória e logo avisou:
– Você vai ficar em minha casa para estudar! Faço questão. E quando eu viajar deixo a chave para você na casa de minha sogra para você pegar. A casa é sua!
A afilhada já havia passado pela experiência dolorosa de ter perdido um de seus anjos: o pai. E nem imaginava que estava diante de um novo anjo em sua vida: a madrinha, com quem havia pouco convivido em sua infância e adolescência.
E foram três anos e meio de pura generosidade: todas as semanas a afilhada podia contar certo: sexta-feira às 23:40 horas, após uma semana cansativa de trabalho, de viagem e de estudo, chegava à casa da madrinha para o pernoite. A afilhada já chegava com a certeza de que seu acolhimento seria certo e prazeroso.
A madrinha, mãe de três lindos adolescentes e mulher trabalhadeira em casa e no escritório de contabilidade do esposo, já estava com sua casa pronta para o generoso acolhimento: cama com lençóis impecavelmente limpos e perfumados, pronta para ela se deitar; mesa de lanche com as mais deliciosas quitandas, muitas feitas pela madrinha exclusivamente para acolher a afilhada, panelas com jantar sobre o fogão.
– Você vai querer jantar ou prefere tomar um lanche?
Em algumas semanas ela mesma sugeria:
– Hoje sugiro que você lanche, pois fiz um bolo delicioso para você.
E em outras semanas:
– Nossa, tem uma comidinha fresquinha com feijão que acabei de refogar! Se eu fosse você jantava em vez de fazer lanche.
Durante todo o tempo, em todos os sábados, como a afilhada precisava sair para a faculdade às 6h20min da manhã, havia também a repetição da rotina matinal:
– Olha, você nem precisa se preocupar com relógio para despertar. Eu levanto às 5 e meia, preparo seu café e quando estiver pronto a acordo para tomar banho e café. Você precisa estar descansada e bem alimentada para poder ter boa aprendizagem lá na faculdade!
E assim foi o acolhimento da afilhada de consagração por três anos e meio de graduação pela saudosa madrinha Rosinha, como carinhosamente a chamava. Ela, a generosidade com o nome de flor e um dos principais anjos que encontrei em minha trajetória de vida, foi morar com Deus no dia do meu aniversário, em 2018.
Além dessa madrinha, que são ou deveriam ser anjos na vida de seus afilhados, até hoje em minha história de vida, tive pelo menos uns oito (08) anjos protetores – cuja generosidade pretendo contar em outros textos – e, com certeza, terei outros quando eu precisar, pois a trajetória da vida humana é tecida pela interdependência em que, em algumas etapas, precisamos de pessoas generosas que são anjos em nossa vida e, em outras etapas, somos os anjos nas vidas de outras pessoas.
Celeste Aparecida Dias – Professora Universitária no Centro Universitário de Caratinga.
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