Eugênio Maria Gomes
Vivemos, hoje, em um mundo marcado pelas diferenças, pelos contrastes e pelos paradoxos. Essa realidade se acentua ou se atenua, a depender da região do mundo em que estamos, ou da classe social a que pertencemos. Muitos desses contrastes e paradoxos são derivados do modelo de sociedade que construímos, outros são próprios do ser humano, questões de vida, questões da humanidade.
Um fato, no entanto, chama atenção, independentemente do lugar onde estejamos, pois representa, na verdade, um paradoxo humano: estamos mais tristes! E por que estamos mais tristes?
A Medicina alcançou níveis de desenvolvimento impressionantes. Erradicamos doenças graves, que antes matavam milhões e diminuímos drasticamente a mortalidade infantil. Vivemos mais – os índices de longevidade não param de crescer -, e os avanços nas diversas áreas de Medicina nos proporcionam, mesmo na doença, boa qualidade de vida. A Associação da Medicina com a Engenharia e a Robótica criaram próteses que nos permitem superar obstáculos antes insuperáveis.
Vivemos com mais conforto. A tecnologia nos proporcionou vantagens, antes impensáveis. Abandonamos o ferro a carvão, o tanque, a carroça. Nossas casas são equipadas com toda a espécie de itens pensados para nos proporcionar elevado grau de comodidade. Construímos prédios, cidades, carros, telefones…
No entanto, mesmo com todos esses avanços, não nos tornamos mais felizes, ao contrário, estamos muito mais tristes. No ano passado, no Japão, mais de 25 mil pessoas cometeram suicídio. Isso dá uma média de 70 pessoas por dia. O índice japonês é de 18,5 suicídios para cada 100 mil habitantes. No Reino Unido é de 6,2, nos Estados Unidos de 12,1 na Áustria de 11,5 e na França de 12,3. Os campeões desse lamentável quadro são a Coréia do Sul e a Lituânia. E esses índices só fazem crescer. Mesmo o Brasil, sempre lembrado como um país feliz, nos últimos anos, as mortes por suicídio de pessoas entre 15 e 24 anos cresceram 1.900%.
O uso de antidepressivos cresce, assustadoramente. Os últimos dados disponíveis revelam que mais de 10% dos adultos em locais como os EUA, Canadá e Islândia tomam remédios para depressão. No Brasil, o mercado de antidepressivos movimenta cerca de R$ 1,85 bilhão, junto com os estabilizadores de humor. São mais de 42 milhões de caixas, o que coloca o país em posição de liderança mundial neste mercado, que não para de crescer. É como se um a cada cinco brasileiros tomasse esses medicamentos.
Nunca foi tão grande o consumo de drogas. Crescem o número de crimes violentos, os casos de intolerância, os males do fundamentalismo e do sectarismo.
O que tem acontecido conosco? Por que todos os avanços modernos, o elevado grau de conforto, as quinquilharias tecnológicas que nos cercam não aumentaram nossa felicidade?
Se a busca do prazer e a fuga da dor – de acordo com alguns filósofos -, é a fórmula da felicidade, parece que falhamos, pois aumentaram as dores humanas, principalmente as da alma… Quanto aos prazeres, parece que optamos pelos falsos prazeres, os prazeres do vício e do consumismo…
Talvez, seja mesmo por isso que estejamos menos felizes. A sociedade moderna nos brinda com infindáveis utilidades cuja finalidade é nos proporcionar prazer e conforto. Mas tudo isso tem um preço. Um preço bem alto. Para que tenhamos tudo que nos faz feliz, segundo a ótica dominante, como carro, casa bem montada, roupas da moda, telefones de última geração e tudo o mais, nos matamos de trabalhar para gerar renda capaz de adquirir todos esses bens.
E as nossas relações familiares e sociais, onde ficam? Não há tempo para tudo. O ser humano está, sempre, em busca de mais coisas. Com facilidade potencializamos necessidades. Queremos sempre mais e mais. Somos fascinados por vitrines e lançamentos. E assim, vamos vivendo, às vezes sem saber o que fazer com a insatisfação permanente que nos perpassa as profundezas da alma. Somos, muitos de nós, sem consciência disso, compelidos a agir assim, por um sistema cruel e egoísta.
O preço que pagamos para ter tudo o que nos faz felizes, segundo essa lógica, é a diminuição drástica do tempo livre para familiares e amigos; o desenvolvimento de doenças derivadas do stresse exagerado e da falta de atividades físicas; um constante estado de atenção diante da competição absurda com o outro…
Nosso modo de vida gera uma profunda insatisfação, derivada do modelo ocidental muito focado na idolatria do trabalho, do mercado e da competitividade.
O sociólogo italiano Domenico De Masi, na obra “Ócio Criativo”, propõe a valorização e enriquecimento do tempo livre, a distribuição consciente do tempo, do trabalho, da riqueza, do saber e do poder, minimizando as fontes de conflitos entre pessoas e grupos, a valorização das necessidades reais das pessoas educando os indivíduos e as sociedades para a importância das necessidades básicas, tais como a introspecção, o convívio, a amizade, o amor e as atividades lúdicas.
Com isto ficariam em segundo plano as necessidades aumentadas pela propaganda e pela busca de status, que, ao que parece, falharam em nos proporcionar felicidade. Mas, isso precisaria ser feito num processo coletivo, que subvertesse o sistema atual, pois, poucos de nós conseguirímos fazê-lo individualmente, pois estamos inseridos em um sistema, uma coletividade, e o ser humano continua precisando se identificar com um grupo, com um contexto…
As dores humanas continuarão. Talvez façam parte da nossa essência. Elas nos definem como humanos. Mas as dores provocadas pela sociedade têm cura, precisamos dar os primeiros passos, não podemos nos calar…
“Nossas vidas começam a terminar no dia em que nos silenciamos para as coisas que realmente importam“, Luther King.
Eugênio Maria Gomes é escritor, professor e pró-reitor de Administração do Centro Universitário de Caratinga – UNEC.