* Noé Comemorável de Oliveira Neto
A morte, em qualquer ocasião é algo desconcertante, ainda que a maioria das pessoas acredite que ela não é o fim. Porém, acredito que a pior morte (se é que existe isso) é a de uma criança. Quando uma criança morre, um pouco de cada adulto morre com ela.
A cena que recentemente chocou o mundo, da criança morta por afogamento estendida na areia de uma praia turca, nos faz repensar quantos afogamentos ocorrem diariamente ao nosso lado e nem sequer percebemos.
Diante da TV não pude conter as lágrimas ao ver a criança síria morta. No entanto, quando passo pelas ruas da cidade e vejo crianças se afogando nas drogas, no crime, na prostituição, as lágrimas não caem. Na verdade, preciso confessar que muitas vezes fecho rapidamente os vidros do carro por medo.
Medo de criança?
Como posso temê-las se são emblemas de amor e de paz?
Como posso temê-las se está escrito que “é delas o reino dos céus”?
A criança que de forma trágica se tornou símbolo da crise dos refugiados é vista por todos na TV, nos jornais, nas redes sociais. Contudo, as crianças prostituindo na rodovia que “corta” a cidade são invisíveis aos homens de bem, muitas vezes apenas os de baixa índole as enxergam e não de uma forma qualquer, mas sim com olhos de águia carniceira.
Admito que não tenho capacidade, conhecimento ou qualificação para julgar a crise que se instalou entre aqueles que buscam refúgio, mas sem perceber sinto-me capaz de condenar aqueles pequeninos que roubam bananas na feira de sábado para matar a fome. “Deviam estar trabalhando para garantir o sustento, eu sempre trabalhei desde criança”.
Ao ler este texto alguns podem até dizer que estou comparando fatos muito distintos, que não há relação entre as duas situações, mas na minha humilde opinião todas as cenas aqui relatadas provêm das mesmas causas: a ganância e a falta de humanidade, que, aliás, andam de mãos dadas.
Que a imagem daquele menino afogado é algo que transcende a dor, não resta dúvida. Que ele é símbolo do desespero de um povo e do desrespeito com a vida é inquestionável. Porém, a cena marcante produz algumas indagações que me corroem:
Quantos meninos e meninas estão morrendo afogados sob meus olhos e minhas lágrimas não caem?
Será que realmente não posso fazer nada?
Não tenho mesmo nenhuma culpa?
Ser omisso é o caminho ou apenas um atalho ao precipício?
A única conclusão tirada de tudo isso, se é que posso tirar alguma, é que meus olhos ainda são capazes de se sensibilizar, mesmo que seja por uma imagem tão distante, afinal as de perto eles insistem em não ver.
* Noé Comemorável de Oliveira Neto é professor da FUNEC no Centro Universitário de Caratinga e na Escola Professor Jairo Grossi. É professor também da SEE lotado na Escola Estadual Princesa Isabel. Graduado em Física pelo UNEC, com especialização em Ensino de Física pela mesma instituição, mestrando em ensino de Física pela Universidade Federal de Viçosa, atua em pesquisa voltada para a Educação de Jovens e Adultos. Apesar da formação voltada ao ensino de ciências, o professor possui algumas publicações também na área literária, com conto e poema publicados em antologias
Mais informações sobre o autor(a),acesse: http://lattes.cnpq.br/9593195349973608