“O sono é para o indivíduo o mesmo que dar corda ao relógio”,Schopenhauer
Sempre que vamos nos encontrar com alguém temos algumas coisas para cuidar antes disso. Temos que interromper atividades que estamos fazendo para nos preparar; temos que escolher a roupa adequada; calcular a hora de sair para o encontro; o melhor meio de transporte; recusamos alguns compromissos para comparecer ao encontro marcado; confirmamos com a outra pessoa o seu comparecimento; verificamos até as condições climáticas para modificar algumas dessas escolhas. Tomamos cuidados para propiciar que o encontro ocorra.
Quando vamos fazer uma prova nós também nos preparamos para ela. Fazemos o levantamento sobre o conteúdo abordado; podemos conversar com outras pessoas que a fizeram em busca de informações; lemos sobre o assunto; pesquisamos na internet; descobrimos dicas e acabamos por fazer algumas delas em busca de nos preparar para a prova; planejamos a sequência de eventos que podem anteceder o dia ou momento da prova “melhor não ir para essa festa hoje à noite porque amanhã tenho uma prova”. Tomamos medidas para melhorar nosso desempenho.
Quando notamos que estamos com fome ou que já está na hora de comer, nós nos preparamos para isso. Pensamos rapidamente se temos algo adequado para o tipo de fome, tipo de refeição, para aquele determinado horário; vamos à cozinha verificar a existência de algo que se encaixe; levamos um tempo no preparo de algo ou ligamos para determinados serviços e aguardamos sua entrega. Muitas vezes ao longo do dia nós mentalmente planejamos a sequência de refeições que iremos fazer “vou fazer apenas um lanche rápido agora porque mais tarde vou num rodizio de pizza”. Temos diversas maneiras de nos preparar para comer.
Porque quando vamos dormir nós simplesmente vamos dormir e atribuímos ao sono a obrigação de vir? Porque não tomamos certos cuidados, medidas ou nos preparamos para isso? “Hora, porque essa é uma função fisiológica obrigatória do nosso corpo” alguns me responderiam. Sim, o leitor está certo, ela é obrigatória e necessária para nosso corpo. Em algum momento e de alguma maneira nós vamos acabar dormindo. Qual será a qualidade desse sono? Qual será sua duração? Qual a reparação que ele vai oferecer? E quando ele começar a não aparecer?
Afinal se chamarmos grosseiramente uma pessoa para um encontro, existe uma chance dela não comparecer. Se nos prepararmos displicentemente para uma prova, provavelmente não conseguiremos êxito. E se comermos qualquer coisa em qualquer quantidade e a qualquer hora, teremos complicações de saúde por causa disso. Todos esses fatores precisam ser pensados em relação a um sono de qualidade. Antes de concluir que o sono não está vindo, melhor verificar se o estamos chamando adequadamente. Antes de concluir que nosso sono não está funcionando adequadamente primeiro é preciso verificar se estamos nos preparando corretamente para ele.
Essa semana foi comemorado o Dia Mundial do Sono. Entre os mitos e verdades acerca do sono que a Medicina do Sono está nos atualizando existe o mito de que o sono por ser uma função fisiológica obrigatória o próprio organismo se responsabilizará por ele. Acreditamos que temos um relógio biológico autorregulado que se encarrega sobre as decisões acerca do sono e que, portanto, não precisamos nos ocupar dessas preocupações e caso ele não esteja desempenhando o seu papel corretamente basta procurar o médico-mecânico especializado em repará-lo. Descobrimos que não funciona bem assim. A verdade é que existe um relógio biológico, mas ele não vem autorregulado, ele é PROGRAMÁVEL influenciadopor fatores internos e externos ao organismo. Assim como ocorre com os despertadores dos celulares ocorre com o nosso relógio biológico. Ele vem com alguns recursos existentes de fábrica no caso dos celulares e recursos existentes no código genético no caso do relógio biológico. Porém, as demais programações vão sendo ajustadas de acordo com cada usuário segundo os cuidados observados, as medidas tomadas e as diversas maneiras de preparação para esse evento rotineiro. O modo como cada proprietário utiliza essa função irá predizer qual o tempo de duração, a qualidade proporcionada, a recuperação causada e o mais importante por mais quanto tempo ele continuará funcionando adequadamente sem que seja preciso mudanças necessárias para seu funcionamento.
Frequentemente recebo no consultório pessoas que estão tendo decepções com o funcionamento do seu ciclo de sono e vigília. Eles vêm, muitas vezes, encaminhados por médicos que os estão medicando corretamente, mas não conseguem obter a resposta esperada ao tratamento. É imprescindível que esses proprietários se responsabilizem pelos cuidados cabíveis para propiciar o encontro adequado com o sono; se informar sobre as medidas para melhorar seu desempenho e principalmente se motivar a adotar as melhores maneiras de dormir evitando suas complicações na saúde. Desmistificando o mito de que cabe apenas ao organismo se encarregar dessa incumbência. Comece agora a planejar seu dia, a ordem das atividades, os tipos de refeições e pesquisar dicas e maneiras para que você possa ter êxito nesse encontro hoje a noite. Boa prova, digo, boa noite!