Saiba impactos apontados para moradores de Bom Jesus do Galho, Caratinga, Córrego Novo, Pingo-d’Água, Raul Soares e outros municípios do Alto Rio Doce
DA REDAÇÃO- As diferentes instituições de Justiça que atuam no processo sobre a reparação dos danos causados pelo rompimento da barragem da mineradora Samarco apresentaram nova petição pedindo o julgamento antecipado do mérito, ainda que parcialmente. Na prática, elas querem que haja uma decisão final ao menos para determinadas questões, envolvendo inclusive indenizações.
Considerado o maior e mais grave desastre ambiental já ocorrido no país e um dos maiores do mundo, o rompimento da barragem de Fundão ocorrido em 5 de novembro de 2015 matou 19 pessoas e, ao despejar mais de 40 milhões de m³ de rejeitos no Rio Doce e afluentes, devastou área de cerca de 32 mil km², atingindo, direta e indiretamente, 49 municípios situados a partir do local do rompimento, em Mariana (MG), até a foz do Rio Doce, em Linhares (ES), onde alcançou o Oceano Atlântico.
Protocolada na segunda-feira (16), a petição é assinada por seis instituições: Ministério Público Federal (MPF), Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), Ministério Público do Espírito Santo (MPES), Defensoria Pública da União (DPU), Defensoria Pública de Minas Gerais e Defensoria Pública do Espírito Santo. Elas sugerem parâmetros para o cálculo do montante a ser aportado pela Samarco e por suas acionistas Vale e BHP Billiton. Os valores superariam os R$ 70 bilhões.
As instituições de Justiça argumentam que é evidente e já foi suficientemente comprovada nos autos a lesão à coletividade causada pelo desastre, tornando possível o julgamento antecipado dessa demanda específica. Em termos de danos difusos, a petição ainda destaca que também os danos sociais devem ser indenizados como categoria diversa da dos danos morais coletivos.
Na categoria de direitos individuais homogêneos, o pedido de julgamento antecipado funda-se, entre outros argumentos, especialmente no fato de determinadas matrizes de danos terem gerado o pagamento de indenizações a pessoas atingidas, sem contestação judicial pelas empresas rés.
A partir desse cenário, as instituições de Justiça ressaltam que, no julgamento desse pedido, é necessário que estejam “compreendidos todos os atingidos, incluindo-se as pessoas naturais/físicas e jurídicas que tiveram suas atividades produtivas e econômicas impactadas, em violação aos direitos fundamentais/sociais ao trabalho e à alimentação adequada; os moradores-residentes de todas as regiões atingidas que tiveram seus quintais invadidos pela lama de rejeitos, bem como os respectivos conviventes diretos (parentes em linha reta ou colateral até 2º grau, inclusive); bem como, mas não somente, pessoas que sofreram o denominado ‘Dano Água’, isto é, que tiveram a interrupção do serviço público essencial de abastecimento de água potável encanada”.
Como parâmetro para identificar as categorias atingidas e os elementos indenizáveis, foi sugerida a adoção da Matriz Indenizatória Geral, criada pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) a pedido do MPF, que estabeleceu critérios mínimos para compensação de danos socioeconômicos relacionados a renda, trabalho, subsistência e saúde (exposição ao risco). Essa matriz detalha como os danos são identificados, inclusive diferenciando-os por região territorial, e como as indenizações por perdas materiais e imateriais são calculadas, incluindo os parâmetros de prova.
De forma geral, a petição pede que o Juízo condene as empresas rés a pagarem a indenização pelos danos materiais individuais homogêneos (contemplando-se danos emergentes e lucros cessantes) correspondentes aos direitos individuais incontestes, devendo os valores indenizatórios serem fixados conforme as Matrizes Indenizatórias da FGV ou conforme as matrizes judicialmente estabelecidas.
ALTO RIO DOCE
A Matriz Indenizatória Territorial Alto do Rio Doce contempla uma extensa região situada na porção alta da bacia do Rio Doce, localizada a jusante da barragem da Usina Hidrelétrica Risoleta Neves (Candonga), com os municípios de Sem-Peixe, São Domingos do Prata, São José do Goiabal, Dionísio, Marliéria e Timóteo na margem esquerda, além de Rio Casca, São Pedro dos Ferros, Raul Soares, Córrego Novo, Pingo-d’Água, Bom Jesus do Galho e Caratinga em sua margem direita.
Conforme apurado em documento, o desastre alterou, de maneira negativa, os modos de vida das pessoas atingidas em diferentes dimensões ao gerar um conjunto de danos tanto de natureza material quanto imaterial. “Entre esses danos, destacam-se nesse território aqueles relativos à perda do trabalho, dos meios de subsistência e da renda, com efeitos deletérios à alimentação aqueles relativos à insegurança quanto à qualidade da água do rio Doce, de seus afluentes e de poços e cisternas que abastecem as diferentes comunidades, além dos relativos ao próprio processo de reparação em curso associado, em especial, à falta de informação e ao reconhecimento desigual da condição de atingido. Os efeitos do desastre sobre a saúde física e mental das pessoas atingidas também foram, recorrentemente, evidenciados durante a identificação de danos”.
As ondas de água e rejeito seguiram o curso do rio Doce e atingiram diversas localidades a jusante, até chegar ao oceano Atlântico. Em relação à área territorial, o menor dos municípios é Pingo d’Água, com 66,6 km². Outros sete municípios possuem área entre 100 e aproximadamente 400 km², sendo eles Timóteo, Sem-Peixe, Goiabal, Córrego Novo, Dionísio, Rio Casca e São Pedro dos Ferros. Entre os que possuem área que varia de 500 km² a 800 km² estão Marliéria, Bom Jesus do Galho, Prata e Raul Soares; por fim, há destaque para o município de Caratinga com mais de 1.000 km² de área.
Com a chegada da lama de rejeitos à região, as atividades afetadas, tal como relatado pelos moradores foram a pesca no rio Doce e nos afluentes, atingidos pelos efeitos de represamento e refluxo causados pelo aumento de volume do rio Doce, e pela migração de peixes e outros animais contaminados; produção agropecuária, sobretudo aquela que se concentrava próxima ao rio Doce, ou nas ilhas, onde houve a destruição de plantios e o comprometimento da qualidade do solo, a morte e outros prejuízos à saúde de animais de criação, assim como a produção mais distante do rio, mas cuja irrigação dependia do rio Doce ou de seus afluentes.
Também foram citados extração de areia e outros materiais devido à passagem e deposição do rejeito nas margens e fundo do rio; trabalho de artesãs e artesãos que utilizavam recursos da beira do rio para tecer esteiras, construir vasos, entre outros; e diversos ligados à prestação de serviços, seja em comércios locais, nos areais, no setor de turismo ou nas próprias fazendas.
Para Dionísio, São José do Goiabal, Bom Jesus do Galho e Pingo-d’Água foram mencionadas as extensas áreas destinadas à plantação de eucalipto em grandes propriedades. Além disso, foram citadas grandes fazendas, sobretudo voltadas à produção de milho e cana-de-açúcar em locais como São José do Goiabal, e, durante as oficinas realizadas com moradores de Dionísio, Bom Jesus do Galho, Marliéria e Timóteo, houve destaque para as ilhas presentes no rio Doce, consideradas importantes espaços de produção agropecuária. As imagens a seguir ilustram o tamanho dessas áreas.
Narrativas também associam o comprometimento da saúde de animais de criação à perda da qualidade da água de afluentes. Em Pingo-d’Água foi relatada a morte de animais que bebiam água do rio Sacramento.
Também foi percebida uma “desestruturação da comercialização de produtos locais, sobretudo da produção de roças e quintais ligada a pequenos produtores e agricultores familiares. Moradores indicaram medo envolvido no consumo dos produtos, sobretudo por conta da insegurança em relação à qualidade da água usada na irrigação. Em uma das localidades de Pingo d’Água foi identificado, inclusive, o encerramento de uma feira de pequenos agricultores por falta de compradores”.
A perda da qualidade da água é uma das principais questões identificadas no território. A insegurança no uso da água é permanente, seja aquela proveniente do rio Doce, como a obtida em poços artesianos e cisternas, relacionados com afluentes e até mesmo aquíferos. Em determinadas localidades as residências estão muito próximas do rio Doce, sendo mencionados os problemas com a contaminação de poços decorrentes das cheias provocadas pelo rompimento da Barragem de Fundão e daquelas ligadas aos períodos de precipitação intensa, como na comunidade de Ilha do Rio Doce, em Caratinga.
Foram apontados ainda o baixo número de acordos e indenizações pagas no âmbito do Programa de Indenização Mediada nos municípios do Alto Rio Doce.