Dia 15 de outubro é o dia delas. A Prefeitura de Imbé de Minas faz homenagem e te convida a conhecer a história de Lourdinha, uma de muitas imbeenses que trabalham no campo
FORÇA, RESILIÊNCIA E LABUTA DIÁRIA: AS CARACTERÍSTICAS DAS TRABALHADORAS RURAIS DE IMBÉ DE MINAS
Prefeitura comemora o Dia Internacional da Mulher Rural e destaca ações da Secretaria de Agricultura, Pecuária e Meio Ambiente que auxiliam o trabalho no campo
IMBÉ DE MINAS – “Meu nome é Lourdinha e eu sou uma trabalhadora rural!”. Foi assim que ela se apresentou, de modo espontâneo e simpático, ao conduzir as equipes de Comunicação e da Secretaria de Agricultura, Pecuária e Meio Ambiente da Prefeitura de Imbé de Minas para uma mesa de café da manhã. Ao estilo da roça, a variedade de alimentos impressiona: há leite, café – não poderia faltar -, bolos, frutas, queijo, requeijão e biscoitos convivendo harmoniosamente.
O orgulho na fala já demonstra que Lourdinha é uma mulher de garra e fibra que encontrou na profissão de trabalhadora rural mais que uma ocupação. “Trabalhar na roça e falar que eu sou produtora rural é uma honra, é um orgulho. São valores que eu quero passar pros meus filhos. Se no futuro, eles não quiserem trabalhar na roça e se mudarem pra cidade, tudo bem. Mas eles vão saber os valores que têm aqui na roça. É daqui que sai o que for sustentar eles lá fora”, afirma, com convicção.
HISTÓRIA DE VIDA
A história de Lourdinha se confunde com o modo de vida de Imbé de Minas, uma cidade de economia essencialmente agropecuária.
A ligação dela com o trabalho rural é antiga. A mãe ficou viúva aos 33 anos, com sete filhos pra criar. Aos sete anos, Lourdinha teve de aprender a ser mãe dos irmãos e dona de casa. Dos dez aos 19 anos, ela lidava na roça. Após esse tempo, ela trabalhou em escritório e torrefação de café, entre outros empregos, o que a afastou do campo.
Quando decidiu descansar, Lourdinha saiu de Entre Folhas e veio para a casa do irmão, em 2005, em Imbé de Minas. Mas não teve período sabático. Ela foi convidada para trabalhar na safra de café e aceitou. No campo, entre uma derriça e outra, conheceu Marcelo. Eles começaram a namorar em julho, ficaram noivos em setembro e se casaram em dezembro. No ano seguinte, nasceu o primeiro filho, Kayc.
Lourdinha trabalhou na roça até 2013, quando conseguiu outro emprego em Caratinga. Mas optou por largá-lo, no final do ano, porque a viagem diária de ida e volta de mais de 40 km a cansava. E também por outro motivo: ela estava grávida do segundo filho, Artur. Após o período de descanso, ela voltou a trabalhar na roça com o marido
Quatro anos depois, ela engravidou do terceiro filho, Davi Luiz. O plano era continuar no campo até os sete meses de gestação. Mas o marido sofreu um acidente de moto, e Lourdinha só parou mesmo pra dar à luz. “Eu tenho meu serviço na roça pra fazer. Faço com gosto. É uma paixão. Tenho a vida que eu queria ter”, diz. “Pode até ter uma vida mais fácil, mas a que eu gosto é essa”, completa.
Com o pé fincado na roça assim como a raiz de café é forte no solo, Lourdinha decidiu se especializar e adquirir conhecimentos de bom manejo e gerenciamento do trabalho rural. Durante um curso, surgiu a oportunidade de entrar em sociedade em sua fazenda com meeiros, como é conhecido o trabalho de caseiros e trabalhadores rurais que cuidam da fazenda de outra pessoa e dividem os lucros com os donos.
Ela foi contra. “Se é dar a lavoura pra alguém, eu vou pegar. Mas eu não sabia o que eu tava falando! Foi um impulso, mas peguei a lavoura pra cuidar. Fiz um curso de pós-colheita e adorei. Fiquei apaixonada pela forma de secar café e pelo café especial. Fiquei grávida do meu quarto filho, Antony Emanuel, em 2019, e foi uma gravidez de alto risco. Parei de trabalhar momentaneamente. Meu filho nasceu prematuro e fui cuidar dele”, relembra.
Mas, a pandemia do coronavírus tornou a mão de obra rural escassa, e Lourdinha voltou à labuta no campo, com dois meses de resguardo. Após mais de um ano, ela assumiu o controle total e executa as tarefas diárias. “Acordo às 6 da manhã, de segunda a segunda. Alguns dias eu ajudo meu marido a cuidar das vacas no curral e pasto, aí venho pra casa e começa a rotina da dona de casa e da mãe: arrumar a casa, fazer almoço e janta, dar banho nas crianças”, enumera.
Mas não para por aí. “Eu faço todos os serviços. Eu ‘panho’ café, tomo conta do terreiro de café (não abro mão porque gosto de fazer do meu jeito), capino, podo e tô ensaiando alguns serviços com motosserra”, diz ela.
Hoje, o cultivo principal é o café – e também sua predileção no meio rural. “Eu não tinha a noção do quanto eu gostava até fazer cursos. Muita gente vê o café como uma planta que gera dinheiro. Mas é preciso olhar pro pé de café como uma paixão. Ele é uma planta viva, ele sente, ele se alimenta. Por que vamos olhar pra ele como uma coisa?”, questiona.
O carinho pela planta a fez se interessar por um tipo específico. “Comecei a tentar fazer um Café Especial”, diz. Para ser chamado assim, o grão e a bebida precisam seguir as metodologias de avaliação sensorial da SCA (da sigla em inglês da Associação de Cafés Especiais) e deve apresentar algumas propriedades particulares, como uniformidade, finalização, harmonia, fragrância e sabor.
“O Café Especial é cuidado com mais carinho, ele é separado do café verde, deixa-se só o grão cereja. Eu trabalho com os tipos natural e fermentado. Esse último é catado seletivo, separado, colocado num recipiente por um período pra ele sofrer a fermentação e higienização do local”, explica.
Há poucos meses, ela tornou-se empreendedora. Junto com o marido, ela lançou uma marca de Café Especial, chamado de “Café Quatro Amores”, uma referência fofa aos filhos Kayk Kalvyn, Artur Henrique, Davi Luiz e Antony Emanuel.
A opção pelo empreendedorismo reflete as mudanças no meio rural. “Como ex-presidente do Sindicato, eu vivi as transformações rurais. Atualmente, há mais possibilidade de adquirir conhecimento e ofertas de crédito para iniciar um pequeno negócio, como o da Lourdinha”, diz o Prefeito de Imbé de Minas, Batista. Ele conduziu o Sindicato dos Trabalhadores Rurais da cidade por quase duas décadas.
‘NÃO SOMOS COITADINHAS’
Mas há aspectos que não mudam. A discriminação com os trabalhadores rurais ainda é grande. Todos esses anos como trabalhadora rural criaram em Lourdinha um senso crítico. Sempre risonha, ela assumiu um semblante sério para falar sobre preconceito. Ela diz haver cinco camadas de rejeição sobre a labuta no campo.
Ela diz que o trabalho rural sofre preconceito por si só. “As pessoas falam: ‘mas trabalhar na roça é sofrido’, ‘coitado do fulano, trabalha no sol’. É cansativo trabalhar na chuva, no sol. Eu não vejo como sacrifício, como fardo. Eu saio feliz e volto feliz. Eu faço o que eu gosto”, diz.
O preconceito aumenta de carga quando o trabalho é executado por uma mulher. “Muita gente ainda torce o nariz quando vê uma mulher trabalhando na roça, no serviço braçal. Muitas mulheres trabalham só no período de ‘panha’ de café. Eu trabalho o ano todo. As pessoas colocam a mulher como vítima das circunstâncias. Não somos coitadinhas! Não tem essa de trabalho pra homem e trabalho pra mulher. Independe”, reflete.
A questão etária também é um fator de discriminação. “Dói ouvir: ‘Para com isso. Você não tem mais idade pra trabalhar na roça’. Eu não sou menininha, mas agora que tenho 40 anos. Ainda tenho muita vida pela frente”, afirma ela.
A mulher rural também sofre preconceito pelas roupas que usa para trabalhar. “As pessoas nos olham diferente. Quando saio do serviço e vou no centro de Imbé pra resolver algo, vestida de “hominho”, percebo olhares diferentes, de desprezo”, diz, lamentando. Vestir-se de “hominho”, é usar calças largas, botas, boné e camisas de manga comprida, para proteger-se durante a execução dos serviços na roça. A vestimenta ajuda a evitar cortes, ameniza o sol e previne contra picadas de animais.
Por fim, Lourdinha crê em um preconceito interno. “O próprio preconceito da mulher falar que trabalha na roça ajuda a deixar invisível as produtoras rurais da cidade. Não culpo elas, são tantas camadas de preconceito que ninguém quer sentir”, elabora. Segundo dados do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Imbé de Minas, há 2.300 mulheres (entre elas, a Lourdinha), sindicalizadas entre os 5.125 membros.
Mesmo com essa soma de preconceitos diários, Lourdinha não deixa o sorriso do rosto e o brilho nos olhos se apagarem. “Pode até ter uma vida mais fácil, mas a que eu gosto é essa”, sorri.
HOMENAGEM
“Eu nem sabia que existia esse dia da mulher rural”, assume Lourdinha.
O fato é o que o Dia Internacional da Mulher Rural é comemorado há 26 anos, após a ONU instituir a data de 15 de outubro para destacar a representatividade feminina no campo.
“Escolhemos a Lourdinha para representar as trabalhadoras rurais de Imbé de Minas pela determinação dela. Ela tem amor pelo campo, dedicação ao trabalho e sempre está em busca de adquirir conhecimentos”, explica a diretora de Meio Ambiente, Amanda Lima.
A Secretaria de Agricultura, Pecuária e Meio Ambiente de Imbé de Minas está sob o comando do engenheiro ambiental Maxwell Amâncio. A pasta ajuda os produtores rurais com trabalhos de silagem, gradagem e debulhadeira. A reabertura da EMATER MG na cidade, após um período de hiato, é uma grande conquista. Este ano, haverá pela primeira vez o concurso de café especial. Em parceria com a iniciativa privada, já foram ofertados gratuitamente 12 cursos de capacitação.
“O serviço da Secretaria está muito bom em relação ao que já foi. A Secretaria tem ajudado bastante com os cursos. Eu já fiz o de nutrição cafeeira, prova de café especial, entre outros. A Secretaria tá com muito boa vontade em melhorar a vida do produtor rural. Era isso que faltava”, reconhece Lourdinha.
A Secretaria e a Prefeitura homenagearam Lourdinha com uma cesta com cosméticos para cuidados diários com a pele, contendo sabonete esfoliante, protetor solar e cremes para mãos e rosto. “Queremos que você cuide da sua saúde”, diz Amanda. “Agora serei uma trabalhadora rural cheirosa”, diverte-se Lourdinha.
O prefeito Batista destacou a representatividade feminina. “As mulheres rurais são agricultoras, empresárias, cafeicultoras, colhedoras… Elas exercem todas as profissões porque são fundamentais para a agricultura familiar. Durante meu mandado no Sindicato, pude conhecer várias trabalhadoras e espero ajudar a todas com as ações do meu governo”, diz.
“Minha mensagem é clara: vamos erguer a cabeça. Não somos menores que ninguém porque estamos sujas e trabalhamos na roça. Somos capazes e merecedoras de ser reconhecidas e respeitadas”, finaliza Lourdinha.
A Prefeitura de Imbé de Minas lançará, em breve, um documentário nas redes sociais com a entrevista na íntegra.
Emanuel Luiz Brandão, da Assessoria de Comunicação