* Mons. Raul Motta de Oliveiro
Assustei-me, ao ser convidado pelo Dr. Eugênio para prefaciar o sétimo volume das suas “Radiografias do Cotidiano”. É claro que aceitei o convite. Não poderia negar nada ao Dr. Eugênio, depois do que ele me fez, historiando com maestria toda a minha vida, em sua obra até agora a mais volumosa: “O Filho de Maria”. Mas a minha relutância interior foi devida à necessidade de mudar o meu estilo de redação, para um mais sofisticado.
De fato, há mais de 50 anos, tenho procurado escrever, no jornal e na revista “Diretrizes” e, especialmente, no seu suplemento, o “Roteiro para os Grupos de Reflexão”, em um estilo mais simples, para me fazer entendido por todo o nosso povo das Comunidades Eclesiais de Base, na sua grande maioria da zona rural ou da periferia de nossas cidades. Poderia, é certo, voltar ao meu tempo de estudante e exercitar-me em produzir uma peça literária condigna com um Prefácio deste tão apreciado escritor caratinguense.
Ao ler, porém, todos os “contos, crônicas e artigos” do Dr. Eugênio, da Celeste, do Humberto e da Lígia, desanuviou-se aquela minha apreensão. Em todos eles, descobri algo semelhante ao que sempre fiz: buscar na Palavra de Deus o alimento para mim e para os meus leitores.
E aqui, eu convido a você, que irá manusear este livro, a verificar a veracidade desta minha afirmação: os escritos traduzem para os tempos de hoje o que Jesus quis nos ensinar no Evangelho. Em todas as suas páginas, descobrimos maneiras novas de vivenciar o Reino de Deus, quer dizer, o reino do amor, da alegria, da paz, da fraternidade, do serviço, que foi anunciado e iniciado por Jesus.
Tomemos, por exemplo, o primeiro artigo: “Recomeçar… Começar outra vez”. O autor nos incita a fazermos, neste começo de ano, uma revisão de vida e uma “conversão”, na linguagem bíblica. “Você concorda que ganhamos uma baita oportunidade? Ganhamos mais uma chance para fazermos um monte de coisas que gostaríamos de ter feito e não fizemos, de repetir outras tantas que nos fizeram bem, mas principalmente ganhamos a oportunidade de fazer de modo certo aquilo que, até sem querer – e às vezes querendo mesmo –, poderíamos ter feito melhor”.
Eis aí, em linguagem atual, o que a Bíblia chama de metanoia, palavra grega muitíssimo usada após o Concílio Vaticano II e que significa conversão, mudança de mente, arrependimento (Mt 3, 8).
Ainda neste mesmo artigo, o autor cita a palavra de Jesus (Lc 5, 36): “Não devemos colocar remendo de pano novo em roupa velha e rasgada, (…) não devemos colocar água límpida e pura em cuia suja e lodosa. Doravante, gastaremos a nossa energia em produzir coisas boas, em ser feliz e em fazer os outros felizes”. Isto não é atualização do Evangelho?
Logo no segundo trabalho, um leitor parabeniza o Dr. Eugênio e lhe diz estar rezando para que Deus lhe conserve o dom de escrever bem. E ele reconhece que possui esse dom, mas que teve de fazer um grande esforço para desenvolvê-lo. Passou a ler mais, a ler muito. “Posso dizer-lhes que meu trabalho literário é fruto do treinamento e da disciplina”. Quem não vê aqui aplicada a parábola dos talentos (Mt 25, 14-30)?
A engraçada história do Popó nos revela que Deus está sempre dirigindo a nossa vida, como Pai querido, sempre cuidando com carinho de todos os seus filhos e filhas. E concluindo com o autor: “Que tenhamos sempre como referencial os valores do Bom, do Justo, da Boa-fé, da Honestidade e da Temperança!”
Até a história da prostituta Laura, de coração bondoso para com o Fernando, faz-nos lembrar de Jesus ao nos afirmar: “Os publicanos e as prostitutas vos precedem no Reino dos Céus” (Mt 21, 31).
Poderíamos nos alongar indefinidamente, analisando todos os sinais do Reino que se encontram na obra: o telefonema de Dª Agripina: “Estou com saudades de você”. A apresentação de Dona Míriam, síntese de firmeza e doçura… O carinho tão grande do Dr. Eugênio pela Dª Idalina e pelo Sr. Bento, seus queridos e saudosos pais… E vejam seu conselho no Dia dos Pais: “E você, caro leitor, se ainda tiver esta oportunidade, dê um abraço em seu pai e lhe diga as palavras mágicas que todo pai gosta de ouvir neste dia: “Pai, eu te amo!” — Evangelho puro!
Outro trecho: “Nossa condenação é certa, diante da omissão e do descaso para com a vida e a dor dos nossos semelhantes! Para com esses, ao nos omitirmos, agimos como Pilatos, lavamos nossas mãos, não com água, mas com o silêncio e a inércia!” E a famosa citação de Luther King: “O que me preocupa não é o grito dos maus. É o silêncio dos bons”. Em Caratinga, nós mais velhos nos lembramos muito da frase bíblica que o nosso grande bispo missionário, Dom José Eugênio Corrêa, repetia sempre: “Quem vê o bem que pode fazer e não o faz, peca” (Tg 4, 17).
Tomemos, por fim, as últimas crônicas da Liginha. Que delicadeza. Quanto amor, quanta beleza ao falar da sua neta Stephanie. A sua doação aos irmãozinhos da APAE. E, no ultimo texto, ao nos passar a força da Associação dos Alcoólicos Anônimos, o companheirismo, as amizades duradouras que ali se formam, a capacidade de recuperar vidas, vemos mui claramente que não é só no interior da Igreja que o Reino de Deus acontece. Graças a Deus!
Bem. É só uma amostragem. Se lermos com atenção cada conto, cada crônica, cada artigo destes, seja do Dr. Eugênio, seja dos autores convidados, estaremos descobrindo, a cada passo, de maneira diferente, o Reino de Deus anunciado e iniciado por Jesus. E sendo incentivados a construí-lo, no tempo e no lugar onde vivemos, com uma transformação nossa pessoal e comunitária. Construamos, pois, esse mundo novo, sem violência, sem crimes, sem corrupção, sem maldade, sem acidentes culposos, sem drogas, sem vícios. Ou, como nos diz São Paulo, sem imoralidades, sem inimizades, sem brigas, sem ciúmes, sem raivas, sem intrigas, sem discórdias, sem invejas, sem bebedeiras… Mas estejamos sempre produzindo e vivendo os frutos do Espírito Santo: “a caridade, o júbilo, a paz, a paciência, a ‘serviabilidade’, a bondade, a fidelidade, a mansidão, o autodomínio” (Cf. Gl 5, 19-23).
Este livro é, pois, caro leitor, um convite constante para você entrar nessa jogada tão querida e tão sonhada por Jesus: construirmos juntos, aqui e agora, o Reino de Deus: Reino da verdade e da vida, Reino da santidade e da graça, Reino do amor e da paz, Reino da justiça e do perdão, Reino da alegria e da amizade, Reino do serviço e da partilha, Reino da total dedicação e da plena realização. E guardemos bem a Palavra de Jesus: “Buscai primeiro o Reino de Deus e sua justiça. E tudo o mais vos será dado por acréscimo” (Mt 6, 33).
Eu recomendo a leitura do sétimo volume da série “Radiografias do Cotidiano – Contos, Crônicas e Artigos”. Além de ser uma ótima leitura, ao adquiri-lo você contribuirá com a construção do Centro Pastoral São João Batista. O lançamento acontecerá no dia 16 de abril, em uma bonita festa no Auditório da Unec, quando também serão empossados novos membros da Academia Caratinguense de letras. O vale livro pode ser adquirido na secretaria da Catedral ou na secretaria da pró-reitoria de Administração da Unec.
Ao utilizar este espaço do nosso querido jornal DIÁRIO DE CARATINGA, aproveito a oportunidade para expressar a minha alegria pela comemoração de seus vinte anos de existência, rogando a Deus que abençoe a sua equipe de diretores, funcionários e colaboradores.
* Mons. Raul Motta de Oliveira é Sacerdote, Professor, Jornalista e Escritor. Membro da Academia Caratinguense de Letras e do Conselho Diretor da FUNEC – Fundação Educacional de Caratinga.